Passado a Limpo

O caso da perda de nacionalidade de brasileiro nato

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

9 de julho de 2015, 11h17

Spacca
Arnaldo Godoy [Spacca]Nos registros de pareceres da antiga Consultoria-Geral da República há interessante manifestação a propósito da perda de nacionalidade brasileira, por parte de brasileiro nato. A questão foi tratada em 1923. O Ministro da Guerra enviou aviso ao Consultor-Geral questionando sobre sujeito nascido em Curitiba, sorteado para o serviço militar. A Legação Alemã notificou as autoridades brasileiras, que o sorteado, bem como seu pai, teriam se naturalizado alemães O pai havia recebido nacionalidade brasileira por força da “grande naturalização” decorrente da proclamação da República, que determinou que brasileiros seriam todos quanto vivessem em território nacional, em 1889. A obtenção de outra nacionalidade, por parte de brasileiro, voluntariamente, era motivo necessário e suficiente para perda da nacionalidade brasileira. Confiram o parecer, simples, direto, objetivo e conclusivo:

“Gabinete do Consultor-Geral da República — Rio de Janeiro, 2 de abril de 1923.

Ex.mo Sr. Ministro de Estado dos Negócios da Guerra — Com o Aviso n.º 8, de 21 de março corrente, recebi, para dar parecer, os papéis relativos à questão suscitada sobre a nacionalidade de Martins Clemens Walter Einsield, que foi sorteado para o serviço militar, e a respeito de cuja exclusão do serviço a Legação Alemã acreditada perante o Governo brasileiro apresentou nota ao Ministério das Relações Exteriores.

Do estudo dos papéis se vê que o referido Einsield nasceu em Curitiba, Estado do Paraná, no dia 10 de agosto de 1900. É assim brasileiro nato, filho de pai alemão, naturalizado tacitamente por força do art. 69, nº 4, da Constituição Federal.

Dos documentos transmitidos com a nota da Legação Alemã, entretanto, se faz certo que não só o pai de Einsield, como ele mesmo, se naturalizaram alemães. A Constituição nem as leis da República vedam que cidadãos brasileiros se naturalizem em outro Estado, e é expresso no art. 71, § 2. °, da Constituição que se perdem os direitos de cidadão brasileiro: por naturalização em país estrangeiro.

Assim, em vista dos documentos oficialmente comunicados pela Legação Alemã, o que lhes dá toda a autenticidade, o sorteado Einsield e seu pai já não são brasileiros. Para solução do caso, pois, só resta apurar se o sorteio do indivíduo em questão foi anterior à data de sua naturalização, 30 de janeiro de 1922, caso em que ele estará obrigado ao serviço por isso que, segundo a doutrina do art. 3º, da Lei n.º 904, de 1907, e art. 3º do seu Regulamento aprovado pelo Decreto nº 6.948 de 14 de maio de 1908, a naturalização não subtrai os naturalizados às obrigações por eles contraídas no país de origem antes de sua desnacionalização.

Se o sorteio foi posterior à data da naturalização é claro que o interessado está isento do serviço. E se foi anterior, pode ser ele obrigado a prestá-lo. É meu parecer, entretanto, que, mesmo nesse caso, esse brasileiro naturalizado alemão não deve ser admitido ao serviço militar por isso que, desde que renunciou à nacionalidade brasileira, o Brasil não lhe deve exigir serviços que só aproveitam quando feitos por corações patrióticos e em serviço da Pátria.

Submetendo este meu parecer ao critério de V. Ex.ª, devolvo o processo e tenho a honra de renovar a V. Ex.ª meus protestos de subida estima e mui distinta consideração.

Rodrigo Octavio"

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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