Má conduta

Condenação é anulada nos EUA devido a legendas agressivas em slides

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7 de julho de 2015, 9h37

O Tribunal Superior do estado de Washington, nos Estados Unidos, anulou a condenação de Odies Walker à prisão perpétua, por assalto à mão armada, roubo, homicídio e formação de quadrilha, porque o promotor escreveu “legendas ou textos superpostos agressivos” em slides que apresentou aos jurados em suas alegações finais.

De acordo com a decisão, a apresentação do promotor equivaleu a uma “má conduta egrégia”, que “violou os direitos do réu a um julgamento justo”.

Para os ministros da corte, “advogados e promotores podem e devem usar recursos de multimídia para sintetizar e destacar fatos e provas relevantes aos jurados e até mesmo para fazer inferências razoáveis a partir do material apresentado”. Porém, “não podem alterar as provas, que haviam sido admitidas pelo tribunal, para expressar opiniões pessoais sobre a culpa do réu, de forma depreciativa”.

Na verdade, as legendas e textos superpostos a imagens apresentados pelo promotor se assemelharam a uma espécie de campanha pela condenação do réu. Por exemplo, em mais de 100 slides, dos 250 que o promotor apresentou ao júri em suas alegações finais, foi incluída a legenda ou texto superposto: “O réu Walker é culpado de homicídio premeditado”.

Em um slide foi superposta a legenda, com letras vermelhas em negrito, sobre a foto de Walker tirada na delegacia: “Culpado além da dúvida razoável”. Em dois slides, a legenda foi: “Réu Walker culpado de assalto de primeiro grau”. Em três outros: “Réu Walker culpado de solicitação para cometer roubo”.

Em outro slide, em que as fotos de Walker e da vítima foram colocadas lado a lado, a legenda diz: “Dinheiro é mais importante que a vida humana”. Também com as duas fotos lado a lado, uma outra legenda diz: “Nós iremos vencer isso”.

Para sustentar a tese da acusação de que o crime foi cometido por motivo fútil, o promotor apresentou um slide com uma foto, obtida pela polícia, que mostrava Walker com a namorada e o filho em um restaurante, no mesmo dia do assalto, supostamente comemorando o roubo. Antes ele havia passado pelo Walmart, onde o assalto aconteceu mais cedo, para comprar videogames e dois cofres.

A legenda diz: “Culpado, como cúmplice, pelo assassinato, ostentou [com os ganhos do roubo] em coisas frívolas [em referência aos videogames e à lagosta pedida no jantar, que teria custado quase US$ 200 dólares].

Nesse mesmo jantar, Walker, que é negro, teria dito ao filho da namorada (o que se tornou um slide sobre a mesma foto) sobre a morte da vítima, que era branca: “É assim que você mata e rouba negros [mas usando um termo “nigers”, considerado racista]; da próxima vez será mais dinheiro”. Os ministros da corte consideraram que esse slide teve o propósito de ser “racialmente agressivo”.

A decisão ressalta que o promotor exagerou em seu esforço para condenar o réu, o que era desnecessário porque dispunha de elementos suficientes para fazê-lo, sem recorrer a tais legendas e textos superpostos.

Na verdade, a namorada de Walker fez um acordo de delação premiada com a Promotoria e toda a história do assalto foi contada em detalhes. Ela trabalhava para o Walmart e informou Walker sobre o horário exato que o carro forte iria buscar a arrecadação do dia e o valor da arrecadação, bem como tudo o que foi planejado e executado.

Walker não atirou no motorista do carro forte, porém teve participação ativa no planejamento e, segundo os autos, ele teria dado a ordem de atirar na vítima, quando acompanhava a operação, por celular, de dentro de um dos carros usados no crime, à espera no estacionamento da empresa.

Como não foi a primeira vez que promotores “contaminaram” slides com legendas e textos “agressivos” superpostos, o tribunal superior fez advertências aos promotores, advogados e juízes que atuam em tribunais inferiores, com o objetivo de evitar anulação de sentenças e, consequentemente, provocar um novo julgamento, com altos custos para o sistema judiciário.

Aos promotores, os ministros escreveram: “A obrigação do promotor é buscar a justiça, não meramente condenações. O promotor exerce um papel duplo. Ele deve fazer cumprir a lei, processando aqueles que violam a paz e a dignidade do estado por violar a lei. Ao mesmo tempo, o promotor funciona como um representante do povo, com uma capacidade ‘quasi judicial’, na busca pela justiça. Se o promotor não exerce um ou outro desses papéis, ao tentar uma condenação com base em procedimentos que violam o direito do réu a um julgamento justo, tal condenação mina, de fato, a integridade de todo o sistema de justiça criminal”.

Aos juízes, os ministros recomendaram: “Recursos audiovisuais podem e devem ser usados para ajudar os jurados a entender os fatos e provas. No entanto, o juiz deve evitar que esses recursos sejam usados mais por seu valor de choque do que para informar os jurados. Em vista da séria necessidade de coibir abusos nas apresentações visuais, encorajamos os juízes de primeiro grau a intervir e dar uma olhada nesses slides antes que sejam apresentados aos jurados. A apresentação de uma cópia impressa dos slides do Power Point ao juiz, com antecipação, não chega a ser uma dificuldade e pode impedir que a sentença seja anulada e que seja determinado um novo julgamento”.

No caso perante o tribunal, o advogado de defesa não protestou contra a estratégia do promotor, o que levou o réu a alegar má representação. Os ministros se absteram de tratar desse assunto, porque a sentença de condenação seria anulada de qualquer forma. Mas escreveram aos advogados:

“Sabemos que o advogado de defesa (como o promotor) deve protestar, no momento certo, contra comentários impróprios da outra parte. Os protestos apropriados e oportunos fornecem ao juiz uma oportunidade de corrigir qualquer má conduta e instruir os jurados a desconsiderá-la. Isso impede abusos no processo de recursos e ajuda o tribunal a economizar tempo e recursos substanciais, ao evitar novo julgamento”.

“Entretanto, o fato de não ocorrer protestos não impede os tribunais superiores de proteger os direitos constitucionais do réu a um julgamento justo. Um protesto é desnecessário em casos de pré-julgamentos insanáveis, apenas porque haverá uma anulação de sentença e um novo julgamento será o único remédio obrigatório”.

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