Efeitos da liminar

Com novo CPC, tutela antecipada antecedente faz coisa julgada

Autor

  • Luiz Eduardo Ribeiro Mourão

    é advogado pós-doutorando em Direito na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) doutor e mestre em Processo Civil pela PUC-SP e especialista em Processo pela Universidade de São Paulo (USP).

6 de julho de 2015, 7h39

Nosso objetivo, neste texto, é demonstrar que a tutela antecipada antecedente faz coisa julgada. Esta questão se torna extremamente relevante em razão da possibilidade de deferimento e estabilização dos efeitos da tutela antecipada, com a extinção do processo sem o julgamento do mérito (artigo 304, caput e parágrafo 1º do novo Código de Processo Civil).

Os fundamentos legais por nós utilizados, para sustentar a existência de coisa julgada sobre as referidas decisões, são as normas dos artigos 337, parágrafos 1º e 4º combinados com o artigo 304, parágrafos 2º, 3º, 4º e 5º, todas do novo CPC.

Pressuposto para o entendimento da questão que nos propomos a examinar é a correta compreensão da situação jurídica chamada de res iudicata.

A coisa julgada é um dos mais antigos institutos jurídicos. Sua origem vai além da Lei das XII Tábuas e inspira-se no brocardo latino bis de eadem re ne sit actio que, traduzido livremente, significa: sobre uma mesma relação jurídica não se pode exercer duas vezes a ação da lei, isto é, o processo.

Os dispositivos do novo CPC que se propuseram a conceituar a coisa julgada são os artigos 502 e 337, parágrafos 1º e 4º.  Estes últimos fixam a ideia, expressa no brocardo latino supracitado, de proibição da repetição/reprodução da, sobre o mesmo objeto; aquele relaciona a coisa julgada a uma autoridade, que se agrega ao conteúdo da decisão judicial, tornando-a imutável e indiscutível.

Com base nos referidos dispositivos legais, conceituamos a coisa julgada como uma “situação jurídica que se caracteriza pela proibição de repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre o mesmo objeto, pelas mesmas partes (e, excepcionalmente, por terceiros), em processos futuros.” (conf. do autor, Coisa Julgada, Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2006, p. 29). Atualmente, com os chamados processos sincréticos, podemos dizer que essa proibição também consolida para a fase cognitiva e executiva, separadamente.

A finalidade da res iudicata está atrelada à percepção de quais valores jurídicos se pretende proteger. O professor Miguel Reale, com muita precisão, demonstra a profunda relação entre as perspectivas teleológica e a axiológica no Direto: “O fenômeno jurídico se manifesta ou existe porque o homem se propõe fins. (…) Um fim outra coisa não é senão um valor jurídico posto e reconhecido como motivo de conduta. Não existe possibilidade de qualquer fenômeno jurídico sem que se manifeste este elemento de natureza axiológica, conversível em elemento teleológico.” (Filosofia do Direito. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 544, o itálico não consta no original).

O valor e, por conseguinte, a finalidade da coisa julgada, é a segurança jurídica, um dos mais importantes imperativos do Estado de Direito. O estabelecimento da res iudicata visa conferir estabilidade e firmeza ao exercício da jurisdição, para segurança do jurisdicionado. Se, de um lado, o preceito do artigo 5º, inciso XXXV, da CF, abre as portas do Poder Judiciário para a apreciação de todas as lesões ou ameaças de lesão aos direitos subjetivos, a coisa julgada, de outro lado, impede que essa atividade seja exercida em duplicidade.

Estabelecidas estas premissas, importa verificar se a decisão que concede a tutela antecipada ficará ou não acobertada pela coisa julgada.

Concedida a tutela antecipada antecedente poderá o réu recorrer. Não o fazendo, o processo deverá ser extinto, sem o julgamento do mérito. Optou o legislador, nesta hipótese, por conferir estabilidade aos efeitos da liminar concedida, mesmo após a extinção do processo (artigo 304, caput e parágrafo 1º do novo CPC).

No entanto, em que pese a extinção do processo, com a estabilização dos efeitos da tutela antecipada, o parágrafo 2º do artigo 304 do novo CPC permite que as partes proponham ação “com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada”.

Essa permissão, sem sombra de dúvida, impede a formação da coisa julgada sobre a tutela antecipada concedida, pois a ela não se agregará, até então, o selo da indiscutibilidade e da imutabilidade panprocessual.

Portanto, tendo como premissa a ideia de que a coisa julgada é a proibição de repetição/reprodução do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre o mesmo objeto (artigos 337, parágrafos 1º e 4º e 502 do novo CPC), em processos futuros, não há dúvida de que a mera possibilidade rediscussão da tutela antecipada, pela repropositura de nova ação, elide a res iudicata (artigo 304, parágrafo 2º do novo CPC).

Mas este direito de rediscussão da tutela antecipada tem prazo de validade, a saber, dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo (artigo 304, parágrafo 5º do novo CPC).

Assim, esgotado o prazo para rediscussão da tutela antecipada antecedente, nos termos do parágrafo 2º do artigo 304 do novo CPC, concretiza-se a proibição de repetição/reprodução do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre o mesmo objeto, pelas mesmas partes (artigo 337, parágrafo 1º e 4º do novo CPC), tornando-a indiscutível e imutável (artigo 502 do novo CPC). Essa nova situação jurídica chama-se, indiscutivelmente, coisa julgada.

Entretanto, a parte inicial da norma do parágrafo 6º, do artigo 304 do novo CPC, parece contradizer a afirmação retro. A redação deste texto legal, na verdade, representa um perigo para o leitor incauto, se não for interpretada em consonância com todo o sistema processual, especialmente as normas dos parágrafos 2º, 3º, 4º e 5º do artigo 304 combinado com o parágrafos 1º e 4º do artigo 337 do diploma legal ora analisado.

O que a referida norma quis dizer é que não há coisa julgada enquanto for possível a repropositura da ação prevista no parágrafo 2º do artigo 304 do novo CPC. A ênfase do legislador, neste dispositivo, é reforçar a estabilidade dos efeitos da tutela liminar, depois da extinção do processo e até eventual revisão, na forma procedimental do aludido parágrafo 2º. Nada mais.

Por conseguinte, enquanto perdurar o direito de revisão da tutela antecipada, não há coisa julgada. Findo este direito, a tutela liminar será selada com a autoridade da coisa julgada (artigo 502 do novo CPC).

Por fim, queremos dizer que a coisa julgada da tutela antecipada antecedente respeitará a natureza provisória desta decisão. É importante ficar claro que a estabilização da tutela antecipada não a torna definitiva. Destarte, sobrevindo a tutela de mérito, que é definitiva, aquela desaparecerá do mundo jurídico: o que é definitivo substitui o que é provisório.  

Assim, o julgamento do mérito, com a consequente substituição da tutela provisória, não importa em violação coisa julgada, uma vez que não houve repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre o mesmo objeto: a apreciação da tutela antecipada baseia-se na probabilidade do direito e na presença da urgência enquanto a tutela final desconsidera a urgência e busca a certeza do direito. São atividades jurisdicionais diversas, sobre objetos distintos.

Concluímos, pois, com base no artigo 337, parágrafos 1º e 4º combinados com o artigo 304, parágrafos 2º, 3º 4º e 5º, todos do novo CPC, que a tutela antecipada faz, sim, coisa julgada.

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