Área de Marinha

Gestão de praias pelas prefeituras ainda gera debate nos tribunais

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5 de julho de 2015, 11h51

Em 1998, os municípios conquistaram o direito de coordenar o uso e a ocupação das praias brasileiras — que são de propriedade da União, segundo a Constituição Federal. E em 2004, o Decreto 5.300 estabeleceu as linhas gerais para a gestão das orlas marítimas, ao regulamentar àquela legislação. Contudo, desde então persiste uma interrogação nos tribunais quanto aos limites da atuação do Executivo local.

Uma decisão da 1ª Vara Federal de Niterói (RJ), publicada na última quinta-feira (30/6), é um exemplo dessa discussão. A determinação mandou desinterditar um grupo de quiosques da praia de Camboinhas, uma das mais famosas da região, dentre outras razões, por causa de um Termo de Ajustamento de Conduta firmado pela prefeitura com o Ministério Público do Rio de Janeiro.

A discussão, que acabou avançando sobre o poder de mando dos municípios nas áreas de marinha, chegou ao Judiciário em 2012 por meio de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal. O objetivo do MPF era travar a ocupação que considerava irregular de 17 quiosques em Camboinhas.

Na ação, o MPF questionou o projeto de urbanização de Camboinhas, que data de 1991 e previa a construção de 15 quiosques de alvenaria, com até 25 metros quadrados, a serem construídos na restinga em substituição aos trailers que exploravam o comércio no local. Apesar de o projeto visar a regularização de uma situação já existente, o MPF argumentou que o terreno de marinha pertence a União, por isso as permissões para os quiosques não poderiam ter sido concedidas antes de a prefeitura obter a cessão de uso, que é expedida pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Essa autorização para as prefeituras explorarem suas orlas é concedida mediante a apresentação e aprovação de um projeto de urbanização.

Segundo os autos, as licenças para a construção dos quiosques foram dadas em 1993 pelo hoje Instituto Estadual do Ambiente (Inea) — segundo o MPF, sem a cessão de uso da SPU ou ao menos uma consulta ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) ou a própria União Federal, conforme prevê a Lei 9.636/1998, que trata do uso dos imóveis de propriedade da União. Na contestação, as partes argumentaram que não havia como elas observarem à norma, aprovada anos depois do início da urbanização.

Mas a ação do MPF tem ainda outros alvos, como a recuperação da restinga de Camboinhas. O parquet conta que fiscalização da área foi falha, pois com o tempo os quiosques expandiram em muito sua a área construída e outros dois estabelecimentos foram erguidos no local. Na ação, o MPF também pede a responsabilização da prefeitura, do Inea e da União por tentar regularizar a ocupação dos quiosqueiros mesmo sem a cessão de uso da área de marinha.

Em abril deste ano, o juiz Rogério Tobias de Carvalho, titular da 1ª Vara de Niterói, concedeu a liminar requerida pelo MPF e determinou a interdição de nove estabelecimentos, assim como a demolição de um deles. Mas ao analisar os pedidos de reconsideração feitos pelos quiosqueiros, ele voltou atrás.

Com relação a um dos quiosques, ele mudou de ideia porque verificou que no local passou a funcionar o grupo de salvamento do Corpo de Bombeiros. No que se refere aos demais, porque admitiu que o TAC negociado pelo Ministério Público Estadual, após a edição da lei que trata da cessão de uso, cuidou do mais importante: a recuperação ambiental da praia de Camboinhas.

Um dos pedidos de reconsideração foi protocolado por André Bonan, advogado do penúltimo quiosque erguido. A assinatura do TAC foi um dos argumentos que utilizou para pedir ao juiz a desinterdição do estabelecimento. “O juiz reconsiderou a decisão com base nesses novos fundamentos”, disse à reportagem.

Termo de Conduta

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Segundo explicou o advogado (foto), o TAC proibiu a construção de mais estabelecimentos no local, estipulou critérios para a recuperação do meio ambiente e determinou a regularização da ocupação dos quiosques junto a Secretaria de Patrimônio da União. O cliente dele assinou o termo e uma das cláusulas que teve de cumprir envolveu a reconstrução do quiosque na mesma faixa de areia em que se encontram os demais quiosques, a fim de facilitar recuperação da restinga.

Na avaliação do juiz, o termo de ajustamento de conduta “fez muito mais pela preservação do meio ambiente e em especial pela restinga da praia de Camboinhas” do que a licença concedida pelo hoje Inea. Diante do imbróglio que envolve o caso, o acordo se tornou o melhor parâmetro para se chegar a melhor solução.

“É bem verdade que o projeto previa apenas quinze quiosques. Entretanto, o fato é que […] havia mais dois instalados na praia de Camboinhas. Aí entrou em cena o trabalho do MPE-RJ que […] se propôs a pôr um mínimo de ordem naquela ocupação. Chamou todos os quiosqueiros, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, o Superintendente de Patrimônio da União […] e firmou aquele TAC para regularizar as pendências jurídicas e solucionar questões de fato inadmissíveis”, disse Carvalho na decisão.

Procurado pela Conjur, o procurador da República Antonio Algusto Canedo, que assina a ação civil pública, afirmou que o “TAC não resolve nada”, pois o imbróglio decorre da falta da cessão de uso, que deve ser concedida pela Secretaria do Patrimônio da União.

De acordo com ele, somente com a posse desta autorização, o Executivo local pode conceder licenças ambientais para a instalação de estabelecimentos comerciais na praia. “Ele [o juiz] está querendo enxergar no TAC o substituto da licença ambiental ou mesmo da cessão de uso”, afirmou.

Mas para o juiz da causa, diante da situação já instalada, o melhor a se fazer é empoderar o município, que segundo ele tem intensificado a fiscalização do uso e ocupação da praia. De acordo com ele, a decisão de levar em conta o TAC assinado pela prefeitura levou em consideração um julgado da 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ), que trata poder do Executivo local para atuar nas áreas de marinha.

Ao julgar um recurso oriundo de uma outra ação movida pelo MPF para questionar o uso de mesas e cadeiras nas areias das praias de Niterói, o colegiado disse ser “notório que deste lado da Baía da Guanabara, na cidade do Rio de Janeiro, cabe à prefeitura o ordenamento dos quiosques, ambulantes que operam nas praias e barracas de vendas de produto também nas areias”. Contudo, “do lado de lá das águas, o MPF parece querer afastar a gestão local”.

Apesar de admitir que os casos não são conexos, o juiz explicou à Conjur que interpretou o julgado do TRF-2 justamente “no sentido de se empoderar o município”. De acordo com ele, o MPF não considera o TAC como documento válido para autorizar a instalação dos quiosques sem a licença ambiental, mas na visão dele o acordo dá — nesse caso específico — um mínimo de segurança jurídica, inclusive com relação à questão ambiental.

Na decisão, o juiz não deixa de cobrar as licenças ambientais. Mas por considerar que a questão fugia ao objeto dos pedidos de reconsideração, decidiu não determinar qual órgão seria o responsável por emiti-las: se a prefeitura, que segundo o MPF não detém a cessão de uso à União; o Inea, que inicialmente autorizou a ocupação; ou se a própria a União. “A licença tem que ser dada. Mas eu não tinha que definir antes que os próprios órgãos ambientais se entendam”, afirmou. Ainda cabem recursos. 

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