Segunda Leitura

Estudantes e profissionais do Direito devem se preparar para conciliação

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

5 de julho de 2015, 19h10

Spacca
A conciliação, ao contrário do que se pensa, não é uma novidade. Para ficar apenas no Direito brasileiro, ela já constava da Constituição de 1824, que assim dispunha, no seu artigo 161: “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum”.

Durante a história do Direito brasileiro a conciliação sempre esteve presente. Principalmente através dos Juízes de Paz, função praticamente extinta com a Constituição de 1988, que reduziu suas atribuições a celebrar casamentos. Na esfera trabalhista, a CLT, no distante ano de 1943 já tornava obrigatória a tentativa de conciliação (artigo 846). Na Polícia eram também feitos acordos, através dos Termos de Bem Viver. O Ministério Público sempre fez este importante trabalho de pacificação social. O Código de Processo Civil de 1973, no artigo 447, determina a conciliação, porém nunca despertou muito interesse, limitando-se a uma indagação formal do juiz em audiência.

Pessoalmente, sempre considerei o acordo a melhor forma de por fim ao conflito. Como juiz federal, em uma época em que se sustentava “o princípio da obrigatoriedade da ação penal”, tive a oportunidade de passar ao largo deste dogma e promover acordos entre o réu e o MPF, logo na primeira audiência. E assim, condenando a uma pena branda ou absolvendo, se punha fim a inúteis ações de contrabando e outras sem maior significado.

O tempo passou e, depois da vigência da Constituição Federal de 1988, o sistema de Justiça brasileiro tornou-se insustentável. Os Juizados Especiais, onde a conciliação é o grande objetivo, foram, em 1995, o primeiro passo. O sistema de conciliação na segunda instância foi implantado no TRF da 4ª. Região, em 2004, em ações do Sistema Financeiro da Habitação. A Semana da Conciliação implantada pelo CNJ em dezembro de 2007 (Ministra Ellen Northfleet) colocou o tema na agenda do Poder Judiciário.

De lá para cá muitas iniciativas boas ocorreram. Entre elas, a criação de sistemas de conciliação nos Tribunais de Justiça, especialização da 26ª. Vara Federal de Porto Alegre em conciliações e, na Polícia de São Paulo, Núcleos de Conciliação da Polícia Civil – NECRIM.

Agora o novo CPC eleva a conciliação a um patamar mais alto, dispondo no artigo 3º, § 3o, que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público. Nada menos que 10 artigos (165 a 175) tratam das medidas de conciliação e mediação.

Pois bem, diante dessa tendência, estão os currículos das Faculdades de Direito ensinando os futuros profissionais do Direito a negociar acordos? Como se saem os operadores jurídicos nessas negociações?

O preparo dos profissionais começa a despertar interesse. As Escolas da Magistratura vêm capacitando juízes para esta nova tarefa, que exige paciência, psicologia e uma boa dose de boa vontade. No Ministério Público idem, inclusive porque Promotores celebram compromissos de ajustamento de conduta, nos quais se exige perspicácia, habilidade e, evidentemente, conhecimento da matéria.

Porém o importante é que isto tudo venha lá dos bancos da Academia. Tão importante como saber lutar no processo é saber negociar. E sobre isso nada se fala no mundo do Direito. É assunto visto com certo desprezo, algo de interesse de outras áreas do conhecimento, como Negócios, Marketing ou Administração de Empresas.

Não me parece que o tema deva ser menosprezado. Afinal, ele será essencial na vida do profissional do Direito. Imagine-se o recém formado sendo procurado por seu primeiro cliente. Vendo aquele ou aquela jovem à sua frente, o cliente terá um momento de insegurança. A conversa ente ambos, a exposição dos fatos e a forma de tratar dos honorários farão parte da negociação preliminar. E, evidentemente, será um desastre se o jovem bacharel demonstrar timidez ou desânimo.

As tratativas sobre o pagamento dos honorários, por exemplo, é algo que exige perspicácia. Não podem ser excessivos, porque o cliente procurará outro, nem podem ser ínfimos, porque daí o cliente não valorizará o jovem profissional. O meio termo deve ser procurado, considerando-se a complexidade do caso e a situação econômica do interessado. Tudo deve ser exposto com clareza e depois colocado em contrato formal.

Mas suponha-se que a ação prossegue e em Juízo é aberta a negociação. Pedir mais para poder ceder é técnica de todos conhecida. Ofender-se com uma proposta baixa é infantil e fecha as portas para a negociação. Conversar com o espírito desarmado, expondo os pontos altos do seu cliente, é forma de valorizar a proposta feita. Argumentar com as despesas do processo pode dar bom resultado. Por exemplo, mostrando à parte contrária que será necessária perícia, o que representará necessidade de depositar honorários provisórios do perito e fará o processo ter andamento retardado.

A demora da Justiça é outro fator a entrar na negociação. Evidentemente, ela só interessa ao réu. Informar, sem agressividade, que a eventual procedência da ação significará interposição de recursos de apelação ao TJ, especial ao STJ e extraordinário ao STF, poderá ser um grande estímulo ao autor para concordar com a oferta.

Se não se chegar a um ponto comum de interesse e a ação prosseguir, deve sempre ser mantida a porta aberta. Quero com isso dizer que nunca se deve terminar a tentativa em frases ofensivas ou gestos irados. Menos ainda entre os advogados, pois o conflito não é deles, é das partes, não tendo sentido que briguem. É bom lembrar que na segunda instância também pode haver nova tentativa de acordo. Muitos Tribunais de Justiça valem-se de Desembargadores aposentados para conduzir conciliações, com muito sucesso.

A ação pode prosseguir, o autor ganhar e daí surgirem dificuldades na execução. Discussões sobre o índice de correção monetária podem atrasar a vitória de fato por anos, com novos recursos a todas as instâncias. Então, na execução, também é preciso saber conduzir a conciliação.

Não é diferente na esfera administrativa. O jovem advogado pode acompanhar seu cliente em audiência no IBAMA e lá ser proposto um acordo na esfera ambiental, lavrando-se um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A negociação dos termos do acordo é essencial. Pode interessar ao órgão público, que sabe que cobrar uma multa significa anos de discussões, e também ao infrator, que pode preferir ver-se livre da obrigação. No entanto, não deve o advogado esquecer que o acordo administrativo não exclui a responsabilidade civil e a penal. Isso deve ser levado em conta na transação.

Mas se os cursos de Direito não ensinam esse tipo de prática, como serão exercitadas?

Aí se abrem três vias. A primeira é as Faculdades ou Escolas de Direito ofertarem a matéria como optativa, acompanhada de noções de oratória, redação e outras similares. A segunda é o estudante ou o jovem bacharel procurar cursos que ofertem esse tipo de conhecimento. Atualmente a oferta é grande e não só presenciais como também à distância. A terceira é comprar livros feitos para a área de negócios, onde muito pode ser aprendido.

Assim, se estamos vivendo tempos de revitalização da conciliação na Justiça, é preciso estar preparado para o desafio. Disto poderá resultar o sucesso ou o fracasso do jovem profissional. Mãos à obra.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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