Símbolo do desrespeito

Dezenas de prisioneiros de Guantánamo permanecem no limbo

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2 de julho de 2015, 11h30

[Editorial publicado pelo jornal Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (2/7) com o título No limbo]

Samir Mukbel começou a trabalhar aos 12 anos, numa indústria de plásticos no Iêmen. Manteve-se no mesmo emprego até os 23, quando se dirigiu ao Afeganistão em busca de melhores oportunidades. Corria o começo dos anos 2000.

Após um período sem ocupação, o rapaz viu-se detido. Segundo o governo americano, tratava-se de um guarda-costas do terrorista Osama bin Laden. Mukbel nega. De todo modo, nunca houve contra ele nenhuma acusação formal.

Desde 2010, autoridades responsáveis atestam sua "baixa periculosidade", tendo permitido que saísse do cárcere. Continua, todavia, sem recuperar a liberdade.

A maior preocupação do detento, hoje com 37 anos, é com seus familiares. "As bombas e a troca de tiros estão acontecendo todos os dias no meu bairro? Nossa casa foi atingida? Como conseguem comida? Vocês pensam em se mudar?"

A sequência de perguntas consta de carta escrita por Mukbel em maio deste ano, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo. Ele é um dos últimos 116 prisioneiros de Guantánamo.

O campo de detenções, criado pelo presidente americano George W. Bush depois do trauma do 11 de Setembro, tornou-se símbolo da arbitrariedade e do desrespeito às convenções internacionais que caracterizaram o seu governo.

A promessa de extirpar a chaga de Guantánamo, feita por Barack Obama, ainda não foi cumprida. Bem ou mal, entretanto, uma solução se encaminha.

Dos encarcerados na célebre base, somente dez estão submetidos a julgamento militar. Os demais nunca tiveram comprovado, ou formulado em termos jurídicos, seu envolvimento com o terrorismo.

Samir Mukbel aguarda, com outros 42 compatriotas seus, que seja encontrado um país disposto a acolhê-lo. Sem poder voltar a uma região conflagrada pela guerra civil, alguns ex-detentos iemenitas já foram recebidos pelo Uruguai.

Há riscos? Eles podem ter comprometimento de saúde mental, diz a advogada Cori Crider, diretora de uma ONG com clientes em Guantánamo. Foram, em alguns casos, torturados e perderam anos de vida sem acusação concreta.

O acolhimento pode encontrar resistências diversas, mas nada que justifique a alternativa exposta na frase odiosa de um senador republicano do Arkansas: "Podem apodrecer em Guantánamo". Pois que apodreçam também, caberia acrescentar, as declarações de direitos da ONU e de toda nação civilizada.

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