Impacto desigual

Decisão da Suprema Corte dos EUA tenta desmascarar discriminação sutil

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1 de julho de 2015, 16h04

Nos últimos anos, os Estados Unidos produziram alguns avanços significativos para conter a discriminação explícita, através de leis e políticas públicas. Mas o país está longe de conseguir vencer a discriminação implícita ou sutil. O preconceito contra negros, mulheres e outras minorias continua arraigado estruturalmente até mesmo nas leis e nas políticas públicas e empresariais — às vezes, sem intenção clara de discriminar.

Esse é o quadro que a Suprema Corte dos EUA viu no país, ao tomar uma decisão que pode iniciar um combate mais decisivo contra a discriminação implícita, de acordo com o site Quartz. No caso perante a corte, os ministros decidiram, por 5 votos a 4, que o Departamento de Habitação do Texas vem violando a “Fair Housing Act” (FHA – Lei da Equidade na Habitação), ao aprovar subsídios (através de incentivos fiscais) para projetos habitacionais.

De acordo com a decisão, órgãos governamentais e empresas do estado localizam os projetos habitacionais subsidiados em áreas urbanas mais pobres, predominantemente negras (às vezes, latinas) e, raramente, em vizinhanças suburbanas, predominantemente brancas, onde estão as melhores escolas, a melhor infraestrutura e a taxa de criminalidade é mais baixa.

Essa é uma forma sutil de perpetuar a segregação racial, diz a decisão. A prática do departamento de habitação do Texas causa um “impacto desigual” sobre as populações (o que é previsto na teoria do “disparate impact”, que pode justificar demandas judiciais). Isto é, ela contém um “efeito discriminatório”, mesmo que isso não tenha sido motivado pela “intenção de discriminar”.

Um dos pontos fundamentais da decisão foi o estabelecimento de que a prática discriminatória sutil pode ser medida por dados estatísticos, a fim de se determinar o impacto desigual, em vez de impor ao demandante o ônus de provar a intenção de discriminar. Até agora, os tribunais vinham atribuindo ao demandante o ônus da prova de intenção, o que é uma tarefa quase impossível de ser cumprida.

Essas distinções são importantes para desmascarar a discriminação sutil, porque legisladores, autoridades, locadores, construtores ou quem quer que seja que crie alguma espécie de discriminação implícita através de seus atos jamais irão reconhecer que tinham a intenção de discriminar. Agora, dados estatísticos podem explicitar um padrão de discriminação implícita e determinar o impacto desigual sobre determinadas populações.

Porém, a decisão não obteve a amplitude que organizações de direitos humanos queriam. A corte limitou as demandas que alegam impacto desigual a casos em que a lei ou uma política pública levanta “barreiras artificiais, arbitrárias e desnecessárias”. Isso certamente abrirá muito campo para interpretações nos tribunais inferiores, diz o Quartz.

No que se aplicar, a nova jurisprudência terá efeitos em outras áreas do Direito, como na trabalhista, na civil e na criminal e muda entendimentos do passado.

Na área criminal, por exemplo, a Suprema Corte decidiu, no passado, o caso McCleskey v. Kemp, em que provas, em forma de um estudo completo baseado em pesquisa, mostraram um “impacto racial desproporcional” na aplicação de pena de morte a réus negros. Porém, a Suprema Corte decidiu que isso era “insuficiente para anular a pena de morte, sem mostrar que a condenação teve um propósito discriminatório”. Essa visão muda, agora.

A FHA proíbe a recusa a “oportunidades de habitação com base em raça, cor, religião ou nacionalidade”, lembra o voto do ministro conservador Anthony Kennedy, que foi acompanhado pelos quatro ministros liberais da corte. Os outros quatro ministros conservadores apresentaram um voto dissidente.

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