Mecanismos alternativo

Judiciário moroso resulta em salários baixos, diz economista da FGV

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1 de julho de 2015, 11h04

Não é mais novidade que a judicialização de conflitos no Brasil se tornou um problema quase insolúvel para o Judiciário. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, em 2013 o Brasil chegou aos 92 milhões de processos em trâmite. Estima-se que, hoje, esse número já chegue à casa dos 100 milhões.

Em 1988, quando da promulgação da Constituição Federal, eram 350 mil ações judiciais em trâmite. Ou seja, a quantidade de processos cresceu 7.000% entre 88 e 2009, enquanto a população cresceu 30%, de acordo com o Anuário da Justiça Brasil 2013.

Há outro dado tão preocupante quanto os anteriores. Em 1988, 45% dos brasileiros maiores de 18 anos que tinham um conflito foram ao Judiciário para tentar resolver. Em 2009, essa proporção chegou a 70%.

As cifras são resultado de levantamento do economista Armando Castelar Pinheiro, coordenador Geral de Pesquisa Econômica Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas. Por isso, em entrevista à revista Consultor Jurídico, Castelar elogiou a recente edição da Lei de Mediação e as recentes mudanças na Lei de Arbitragem.

De acordo com Castelar, a arbitragem pode dar mais previsibilidade às empresas, tanto em termos de prazo como de interpretação em casos mais complexos. “Isso contribui para reduzir custos de transação e aumentar a eficiência da economia. O tamanho do impacto, porém, dependerá da escala em que forem adotadas”, calcula.

O economista afirmou também que o Judiciário desempenha um papel de grande importância na definição do ritmo e do padrão de crescimento dos países. Quando funciona bem, o custo de transacionar cai e há mais crédito e confiança para investir. “Quando isso não acontece, a atividade econômica tende a se concentrar em transações simples, menos dependentes do apoio do sistema legal, mas que também são de baixa produtividade, o que significa salários baixos”, disse.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual é o papel do Judiciário neste momento de crise econômica?
Armando Castelar
— O Judiciário será mais acionado a partir do agravamento da crise. A contração da economia e o aumento do desemprego, com queda da renda, vão aumentar o número de conflitos. Refiro-me a conflitos trabalhistas, cobrança de dívidas, à maior proporção de empresas que devem entrar em recuperação judicial. Paralelamente, o governo aponta, corretamente, que a saída da crise vai depender da retirada do Estado de certas atividades, que serão entregues ao setor privado. A principal dessas atividades é infraestrutura, mas essa onda vai acabar abarcando outros tipos de serviços públicos. A participação privada nessas atividades se sustenta em contratos com a administração pública, os quais têm no Judiciário o seu principal guardião.

ConJur  A aprovação recente dos projetos de lei sobre arbitragem e mediação poderão ajudar a melhorar o desempenho da economia brasileira?
Armando Castelar
– O Brasil vem sofrendo com um grau crescente de judicialização de conflitos. Entre 1988 e 2009, por exemplo, a proporção de conflitos envolvendo brasileiros com 18 anos ou mais que foram levados ao Judiciário pulou de 45% para 70%. Mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação e a arbitragem, são fundamentais para conter essa tendência e podem também ser mais baratos, especialmente quando se trata de mediação. A arbitragem pode dar mais previsibilidade às empresas, tanto em termos de prazo como de interpretação em casos técnica ou comercialmente mais complexos. Tudo isso contribui para reduzir custos de transação e aumentar a eficiência da economia. O tamanho do impacto, porém, dependerá da escala em que forem adotadas.

ConJur  A ampliação da liberação da terceirização de serviços, como está sendo discutida no Congresso, não aumentará a judicialização de conflitos trabalhistas?
Armando Castelar
 Nossa história mostra que isso só ocorre quando o conflito político não se resolve no Congresso, resultando em leis incompletas e ambíguas, que são aceitas por número suficiente de políticos, mas que trazem no seu ventre o conflito não resolvido. Acaba que este termina no Judiciário para ser arbitrado. Basta a lei ser clara para isso não acontecer.

ConJur  Qual é o papel do Supremo e dos tribunais superiores para ajudar a melhorar a economia brasileira?
Armando Castelar
 Pelo menos três me parecem fundamentais. Primeiro, o papel que esses tribunais supostamente desempenham, unificando a interpretação da lei na Federação e clarificando questões de natureza constitucional. Isso é fundamental para dar calculabilidade às transações econômicas. Segundo, como as disputas econômicas de maior expressão sempre sobem até essas instâncias, eles têm influência direta sobre como esses conflitos são resolvidos. Esse é o caso em geral de conflitos tributários, mas não apenas. Posso citar, por exemplo, a disputa sobre a correção da poupança nos planos econômicos, ou a interpretação sobre o hoje revogado “teto” de juros reais, que havia no artigo 192 da Constituição. Por fim, esses tribunais desempenham um importante papel normativo, que é mais evidente com a Súmula Vinculante, mas que vai além. Assim, por exemplo, algumas legislações só efetivamente “pegam” depois que se cria uma jurisprudência favorável nesses tribunais. Um exemplo importante é o da alienação fiduciária de imóveis.

ConJur  O senhor considera o Judiciário eficiente em sua prestação de serviços? 
Armando Castelar  Essa é uma pergunta difícil, inclusive porque há poucas estatísticas em que se basear, em que pese o louvável esforço que o Conselho Nacional de Justiça tem feito a esse respeito. A julgar pelas avaliações das empresas, o Judiciário tira nota baixa em relação à sua agilidade, e os próprios magistrados se alinham a essa visão. E leva nota regular em relação aos custos de acesso e nota alta em termos da imparcialidade das decisões. Mas essa avaliação varia entre ramos do Judiciário.

ConJur  Quais são os pontos mais importantes que o senhor apurou nas suas pesquisas? 
Armando Castelar  O Judiciário desempenha um papel de grande importância na definição do ritmo e do padrão de crescimento dos países. Quando funciona bem, o custo de transacionar cai e há mais crédito e confiança para investir. Quando isso não acontece, a atividade econômica tende a se concentrar em transações simples, menos dependentes do apoio do sistema legal, mas que também são de baixa produtividade, o que significa salários baixos.

ConJur  Existe algum tipo de dificuldade de interação entre economistas e operadores do Direito?
Armando Castelar
 A importância das leis e do Judiciário para a economia é pouco compreendida no Brasil, ainda que isso esteja mudando. Em parte, isso se deve à dificuldade de interação entre economistas e operadores do Direito fora das áreas mais tradicionais em que isso ocorre, como no Direito Administrativo. O resultado é que o modelo mental, a forma como se enxerga o mundo, é muito distinta nas duas profissões. É importante que as escolas de Direito tenham mais cursos de economia e vice-versa para mudar essa situação.

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