Dívida solidária

Advogado pede acesso a processo de execução fiscal com arresto bilionário

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28 de janeiro de 2015, 10h35

As prerrogativas legais concedidas ao advogado visam a assegurar-lhe o exercício de direitos próprios destinados a viabilizar a defesa técnica, perante qualquer instância do poder, daqueles em cujo favor atuam. Desse modo, não se revela legítimo opor restrições ao regular exercício de sua atividade, pois estas esvaziam e nulificam a própria razão de ser da profissão, além de extinguir sua capacidade de intervenção perante os órgãos de estado.

A síntese do pensamento do ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, expresso num despacho liminar no ano de 1999, caiu como uma luva para embasar o Mandado de Segurança, ajuizado por Cesar Peres Advocacia Empresarial, em combate ao sigilo processual embutido no mega-arresto de bens determinado pela Vara Federal de Caçador (SC) contra ativos e bens da família Brandalise e sócios. A decisão atende Medida Cautelar Fiscal ajuizada pela Fazenda Nacional.

O recurso — dirigido à Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região — se insurge contra o ato do juiz federal Anderson Barg, que postergou o acesso dos autos aos advogados das partes para somente após o cumprimento das medidas cautelares contra os 101 réus da ação em oito estados da Federação, ‘‘a fim de evitar que os requeridos frustrem o resultados das diligências’’, justificou.

O despacho liminar foi exarado em 15 de janeiro, para cobrar dívidas fiscais estimadas em mais de R$ 1 bilhão. E o ‘‘Mandamus’’ foi ajuizado na segunda-feira (26/1) pela banca gaúcha, após frustrados os pedidos administrativos de acesso ao processo do seu cliente — uma cervejaria.

‘‘Independentemente do nível de sigilo pretendido pelo magistrado, obviamente que após o cumprimento de uma das medidas contra qualquer dos réus, caso eles tenham algum tipo de liame, restará frustrado qualquer sigilo. Simples assim’’, argumenta o recurso ajuizado pelo escritório de Porto Alegre, que, sem conhecer os termos do processo, está impedido de peticionar nos autos e até mesmo de fazer a juntada de procuração do cliente. Desde o dia 16, a sociedade cervejeira está com os seus bens móveis arrestados, não podendo distribuir lucros ou dividendos, mas foi citada para apresentar defesa ‘‘sob pena de revelia’’.

Para os subscritores da peça, o objetivo do legislador, ao estabelecer o acesso irrestrito do advogado aos processos judiciais ou administrativos, foi coibir excessos e transgressões ao regime de lei pela autoridade pública. Assim, violar o princípio do contraditório e da ampla defesa, segundo boa parcela da doutrina jurídica, constitui crime de abuso de autoridade.

Medida Cautelar
A decretação da indisponibilidade de bens e direitos das pessoas físicas e jurídicas arroladas no Mandado de Arresto de Bens e Citação vem ancorada na constatação de que as empresas pertencentes à família Brandalise/Bonato formam, na verdade, um grupo econômico cujo objetivo é a sonegação de impostos. O juiz de Caçador chegou a transcrever, com algumas minúcias, como a família — originária de Videira (SC) e fundadora do Grupo Perdigão — organizou a intrincada estrutura societária para promover ‘‘blindagem patrimonial’’ e encobrir a verdadeira natureza das transações.

Para o juiz federal, os diversos contratos sociais das dezenas de empresas do grupo, estruturadas sob a forma de holdings, comprovam a ocultação de receitas e bens por meio dos seguintes métodos: a) subscrições de capital social de determinadas empresas com recursos emprestados de outras holdings (todas do mesmo grupo); b) absorção de prejuízos contábeis por meio da redução do capital social das empresas, em uma teia quase interminável; c) incorporações e cisões parciais e totais de empresas holding, por e para empresas do grupo, com a diluição do passivo nos respectivos registros contábeis; d) constantes alterações das razões sociais das empresas do grupo, com integralização mediante entrega de bens imóveis; e) prestações recíprocas de serviços de administração e consultoria; f) uma infinidade de empréstimos entre pessoas físicas e jurídicas do grupo, sem nenhuma capacidade financeira para justificar patrimônio a descoberto; g) utilização de advogados, contadores, administradores, comerciantes, donas-de-casa e funcionários como ‘‘laranjas’’ (interposição fraudulenta de pessoas); h) dação em pagamento com imóveis a financeiras; i) patrimônio das holdings utilizado pela família sem pagamento de aluguel; j) empresas devedoras pagando aluguéis altos no valor da parcela do mútuo; e k) representações comerciais recíprocas, para transferência de valores.

Anderson Barg concluiu ser típico e flagrante caso de ‘‘esvaziamento patrimonial’’, dada à atuação por empresas interpostas e formação de grupo econômico de fato. Por esta razão, além dos ativos empresariais, o juiz decretou a indisponibilidade de dinheiro em moedas nacional ou estrangeira, joias, relógios, pedras preciosas e adornos suntuosos localizados nas residências/escritórios de sócios ou administradores, inclusive aqueles guardados em cofres.

‘‘Levantar o véu da pessoa jurídica, penetrar na pessoa jurídica ou desconsiderá-la traduz uma reação do ordenamento jurídico e da jurisprudência contra a utilização abusiva da personalidade jurídica para se atingir fins ilícitos em benefício de pessoas físicas. A jurisprudência brasileira há muito vem desconsiderando a personalidade jurídica para se capturar bens de pessoas físicas acobertados pelo manto da ficção jurídica’’, escreveu o juiz no Mandado.

Citando precedente da ministra Nancy Andrighi, do STJ, o julgador entende que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma, desde que o juiz verifique os pressupostos de sua incidência no próprio processo de execução. Afinal, arrematou, o grupo criou diversas empresas jurídicas a fim de manter a exploração de suas atividades e lesar credores — no caso, o Fisco Federal.

Clique aqui para ler o Mandado de Arresto de Bens.

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