Palavra do Supremo

EC 50/2014 abre espaço para disputas de vaidades

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22 de janeiro de 2015, 6h40

Estamos para comemorar os 30 anos da reabertura democrática no Brasil e o Supremo Tribunal Federal ainda recebe carreiras às turras para rediscutir o significado e alcance das instituições constitucionais e regras básicas, como a do concurso público. O assunto voltou à pauta devido à promulgação da Emenda Constitucional 50/2014 pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, que instituiu o cargo de procurador autárquico no âmbito estadual. Desfavorável à iniciativa, a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal ajuizou, no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.215, questionando a emenda.

Com a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, as procuradorias gerais dos estados e do Distrito Federal já eram instituições consolidadas e ali ganharam status constitucional. A tradição consolidou as PGEs como órgãos de estruturação permanente da carreira de procurador do Estado, na qual o ingresso se dá por rigorosos concursos públicos de provas e títulos, na forma do artigo 132 da CF.

O caráter unitário e exclusivo das funções de consultoria jurídica e representação judicial das PGEs das respectivas unidades federadas foi extraído pelo STF da leitura conjunta do artigo 69 e dos Atos e Disposições Constitucionais Transitórios, como se vê nos julgamentos das ADIs 881/ES, 1.679/GO, 4.261/RO. Considerada toda a extensão dessas competências, a ADI 484/PR advertiu sobre a impossibilidade de extrair do artigo 132 a autorização constitucional para a coexistência, nas unidades federadas, de procuradorias paralelas, ainda que tenham nomes diversos.

Esse entendimento foi absorvido com muita segurança em duas manifestações recentes do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, quando examinaram a criação de cargos de advogados autárquicos no Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo, na ADI 5.109/ES. Não sendo menos importante citar julgados mais antigos contra a "transformação" de cargos jurídicos na esfera estadual, a exemplo das ADIs 159/PA e 824/MT.

O caráter monolítico das PGEs assegura a independência técnica dos profissionais da advocacia que lidam diretamente com os poderes constituídos e, segundo o professor Juarez Freitas, impede que a sobreposição de atribuições redunde "na quebra da irrenunciável confluência e da saudável sinergia que deve imperar entre os responsáveis pela orientação e pelo assessoramento do poder público".

A EC 50/2014 surge fora desse contexto. Sob o pretexto de modernizar a Administração Pública, esqueceu-se que esse processo tem limites na CF. Assim, a EC erra ao "transformar" cargos, equiparar salários de advogados celetistas a subsídios de estatutários, criar carreira de "procuradores autárquicos" e abrir espaço para disputas de vaidades dos servidores beneficiados, absorvidos na luta por prestígio, em detrimento do interesse público, que a unidade institucional preservou até aqui.

Há ainda um dado prático. A despeito de todos os vícios apontados, estima-se que mais de 230 servidores sejam agraciados pela EC 50/14, número superior aos 177 membros da Procuradoria Geral do Estado de Goiás que atendem todos os órgãos e entidades estaduais. Se os legisladores tivessem ouvido o lado da experiência institucional, saberiam que a PGE-GO precisa mais de quadro de apoio, e não de uma estrutura paralela e maior do que ela própria para atender um número reduzido e variável de entidades autárquicas e fundacionais.

A vaidade faz perder o sentido das proporções e põe em ridículo os que enganam a si mesmos. Ao contrário do que andam pregando sobre quem está do lado da verdade, vivemos à mercê de uma ordem constitucional amparada nos valores democráticos e no regime constitucional de competências. Não apostamos na morosidade do STF para tirar proveito de uma realidade dúbia e questionável. Acreditamos na possibilidade de inclusão da ADI 5.215 nos primeiros dias do ano judiciário que se aproxima, como sugeriu o ministro Lewandowski, presidente da Suprema Corte. A palavra é do STF.

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