Altas cifras

Direitos autorais nunca foram tão cobiçados e disputados

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21 de janeiro de 2015, 7h58

Em mais uma edição do Golden Globe Awards, o assunto que dominou a noite foi o veto de alguns dos herdeiros de Martin Luther King na utilização dos seus discursos históricos no filme Selma, que trata justamente dos conflitos raciais naquela época. Na verdade, não chegou a ser propriamente um veto, mas sim uma autorização aos produtores do filme condicionada ao pagamento de altas cifras. No entanto, diante da recusa desses produtores em desembolsar tamanho recurso, o filme agora conta com discursos fictícios, sutilmente modificados dos originais, num autêntico drible nos direitos autorais dos sucessores de Luther King.

De imediato, a polêmica seria o eterno e infindável embate entre os interesses econômicos dos herdeiros ou a forma com que conduzem o legado do autor falecido versus o acesso à cultura e à informação e a utilização de bens culturais pela coletividade. Contudo, o que se tem é a cada vez maior monetarização dos direitos autorais, confirmando o seu papel de protagonista em qualquer produção audiovisual. Sai de cena, assim, as vultuosas cifras dedicadas para o pagamento de cachês das estrelas e migra-se para a aquisição de conteúdos voltados para a criação de obras audiovisuais. Esse é o filão, por exemplo, do Netflix, com o badalado seriado Orange is the New Black e do Amazon Studios, ao anunciar recentemente uma série, exclusiva para os seus assinantes, com a grife de Woody Allen.

Mas se a procura por direitos autorais ganha a devida importância na produção audiovisual, o preço, como em qualquer manual de microeconomia, tende a aumentar. E, num mercado afeito aos desejos e necessidades das pessoas, que cada vez mais acessam os serviços de vídeo por demanda, aliada à inexistência de produtos complementares ou substitutos, bem como a capacidade das empresas em produzirem obras audiovisuais com mais e mais aparatos tecnológicos, o céu, no que se refere ao valor de licenciamentos desses direitos, realmente é o limite.

Eis, então, que o Ministério da Cultura propôs uma saída. Na hipótese de divergência entre o acesso à determinada obra literária para adaptação à cinematografia e o seu preço, prevalecerá o valor de mercado, a ser arbitrado por um terceiro. O tema, sob o título de licenças não-voluntárias, é polêmico, complexo e impõe maiores debates, afinal os direitos autorais, sob toda a sua influência moral, não significam uma mera mercadoria ou são passíveis de transação à fórceps.

O que se conclui, portanto, independentemente da existência da fome dos herdeiros de Luther King ou da sede e criatividade dos produtores, como no caso do filme Selma, é que os direitos autorais nunca foram tão cobiçados e disputados.

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  • Brave

    é advogado e professor. Graduado pela PUC-Rio, Especialista em Direito Civil pela UERJ e Mestre em Inovação, Propriedade Intelectual e Desenvolvimento pela UFRJ.

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