Reparação de danos

Conceito de “indenização punitiva” motiva ação contra Petrobras nos EUA

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14 de janeiro de 2015, 10h01

Como tem sido amplamente divulgado, investidores em ADRs da Petrobras adquiridas entre maio de 2010 e novembro de 2014 no mercado de capitais americano foram potencialmente prejudicados por fatos deflagrados pela operação Lava Jato. A fim de buscar ressarcimento para tais danos, foi apresentada uma Class Action sob a jurisdição do estado de Nova York, nos Estados Unidos.

A decisão de propor tal ação nos EUA, em vez de no Brasil, é calcada em dois principais motivos: o primeiro é que não existe na legislação brasileira mecanismo similar à Class Action; o segundo e cabal motivo pela escolha daquela jurisdição consiste na possibilidade de se aplicar a teoria da “indenização punitiva”, adicionalmente à “indenização compensatória”, no que concerne à reparação de danos, aplicação esta que tem sido realizada de forma incontestada em casos semelhantes julgados pelos tribunais norte-americanos.

Quando se trata de indenização punitiva, o dolo e o nível de culpa passam a ser de grande relevância, pois esse tipo de punição deve ser exercido exclusivamente em situações nas quais o dano é devido ao dolo ou culpa grave, pois o comportamento do agente deve ser considerado reprovável ou merecedor de censura.

Os principais propósitos da indenização punitiva estão relacionados à punição e a prevenção de danos. A punição surge como uma forma de reprovar severamente condutas graves. Nesta, a sanção atuaria como retribuição ao dano sofrido pela vítima, tendo em vista o valor do comportamento do agente. E é exatamente esta característica que difere a indenização punitiva da indenização compensatória, pois na primeira o valor pecuniário está relacionado com a gravidade do comportamento do ofensor, enquanto na segunda, o montante baseia-se em sanar a gravidade do dano sofrido pelo lesado, bem como evitar que condutas similares sejam repetidas no futuro.

No Brasil, a aplicação da indenização punitiva não é realizada de forma tão ampla como nos Estados Unidos. Aqui, a indenização punitiva continua, muitas vezes, estando relacionada a um dano estritamente moral. O tema ainda suscita bastantes discussões no plano doutrinário e jurisprudencial.

Manipulação condenada
Enquanto isso, já vislumbramos casos emblemáticos nos Estados Unidos, como o caso Enron, em 2002, que terminou em um acordo com a companhia de energia a fim de evitar uma indenização (de caráter punitivo e compensatório) sem precedentes.

A Enron tinha como principais atividades a comercialização de eletricidade e gás natural. As práticas duvidosas da empresa incluíram a manipulação do reconhecimento contábil das receitas para inflar lucros de curto prazo e o uso de marcação a valor justo para contratos de longo prazo, apesar da complexidade e dificuldade de se estabelecer um valor de mercado a esses contratos, além da falta de transparência dos cálculos. Mas não foi a criação de lucros falsos que levou à derrocada da empresa, e sim o imenso endividamento que a empresa contraiu para financiar suas atividades.

Tudo foi possível graças à colaboração da firma de auditoria Arthur Andersen, que auxiliou os agentes internos na fraude e depois tentou encobrir os rastros destruindo documentos comprometedores. Devido ao escândalo, a firma deixou de existir, assim como a Enron.

Ademais, como consequência do escândalo, foi criada a lei Sarbanes-Oxley, que procurou aumentar a transparência e a qualidade das demonstrações contábeis das empresas de capital aberto com ações negociadas nos Estados Unidos (incluindo ADRs de empresas brasileiras). Outra consequência foi a destruição da poupança dos empregados da empresa, que aplicavam boa parte das economias em ações da companhia e perderam praticamente tudo com a falência da Enron.

O presidente da companhia, Kenneth Lay, seria condenado a 45 anos de prisão, porém morreu antes do término do julgamento sem nunca ter admitido os crimes cometidos. Jeffrey Skilling, ex-diretor presidente que ficou apenas seis meses no cargo, foi condenado a 24 anos e 4 meses de prisão por ter contribuído para muitos dos crimes, apesar do pouco tempo no cargo. Andrew Fastow, diretor financeiro, contribuiu com as autoridades e pegou apenas seis anos.

Além das condenações, os diretores e executivos da Enron pessoalmente, assim como a companhia, celebraram acordos com bancos, entidades financeiras, investidores e funcionários a fim de mitigar as penalidades econômicas às quais seriam condenados ao amparo da Justiça norte-americana.

No caso Petrobras, os autores da Class Action buscam ressarcimento de caráter punitivo, bem como de natureza compensatória, a fim de cobrir os danos sofridos pela aquisição de ADRs por um valor possivelmente inflacionado. Entende-se que a Petrobras falhou nas suas obrigações de manter boas práticas de governança corporativa, deixando de manter os acionistas informados sobre seus negócios e cometendo falhas de gestão que causaram prejuízos.

Dado o volume de prejuízos, estima-se que a indenização compensatória, se concedida, atingirá um valor muito significativo. Adicionalmente, considerando-se o porte da Petrobras, as suas atividades e volume de negócio dentro e fora do Brasil, bem como valor dos seus ativos, especialistas do setor esperam uma indenização punitiva histórica para a petrolífera brasileira e para todos os demais agentes do setor, como forma de exemplo sobre as condutas condenáveis pela Justiça norte-americana e a concretização de seus efeitos negativos sobre a companhia e seus gestores.

Entretanto, há uma probabilidade alta de que a Petrobras chegue a um acordo com os seus investidores, e dificilmente sofrerá consequências tão drásticas como no caso Enron.

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