Novo CPC

O que é isto - Os novos embargos infringentes? Uma mão dá e a outra...

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13 de janeiro de 2015, 5h10

O artigo 530 do Código de Processo Civil de 1973, com a redação dada pela Lei 10.352/01, prevê os embargos infringentes como espécie recursal, cabível quando acórdão não unânime julgar a apelação e reformar a sentença de mérito, ou julgar procedente a ação rescisória.

No tocante à primeira hipótese, a justificativa de sua existência era o de superar um eventual “empate” acerca do objeto da divergência: a sentença reformada somada ao voto vencido contra os votos vitoriosos do acórdão na apelação implicam um dois a dois. Em relação à hipótese do acórdão não unânime que julga procedente ação rescisória, segue-se a mesma lógica: a decisão rescindida somada ao voto vencido empatam com os dois votos rescindendos. Em suma: é como se a sentença vencida ou rescindida valesse tanto quanto um voto na apelação, o que permite um tira-teima provocado via embargos infringentes.

Desde o projeto inicial enviado ao Senado Federal (PLS 166/2010), durante o seu na Câmara dos Deputados (PL 8.048/10) e o texto final aprovado do novo CPC, mesmo após muita discussão, optou-se por expungir os embargos infringentes do rol de recursos existentes (art. 991). O discurso dos defensores de sua exclusão era, basicamente, o de investir na simplificação, com a redução das espécies recursais e a diminuição do volume de trabalho no âmbito dos tribunais.

Neste sentido o trecho da exposição de motivos elaborada pela comissão de juristas, encaminhada ao Senado por meio do Ofício 137 em 08.06.2010:

Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Há muito, doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos. Em contrapartida a essa extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento.

Entretanto…
No lugar dos embargos infringentes, desde o projeto substitutivo da Câmara dos Deputados (PL 8.048/10), buscou-se introduzir uma nova técnica processual que pode ser denominada de suspensão de julgamento de acórdãos não unânimes, presente no artigo 955 do Relatório apresentado pelo Deputado Paulo Teixeira, in verbis:

Art. 955. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, a serem convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. […]

Como se não bastasse criar um incidente que deverá ser praticado de ofício sob pena de nulidade absoluta a palavra “terá” é imperativa, pois não também a estendeu ao acórdão que julgar o agravo de instrumento, desde que diga respeito ao mérito da demanda, atendendo a decisões do Superior Tribunal de Justiça (EREsp 276.107/GO e REsp 818.497).

E é importante sermos claros, aqui, para que o leitor menos atento não nos acuse de atecnia: o título desta coluna está propositalmente em sentido figurado, pois não?! Tal técnica não se confunde com uma nova espécie recursal, por algumas razões. Certamente a mais importante é a ausência do requisito voluntariedade (ou, para alguns, a facultatividade do direito de recorrer), porquanto a sua utilização será automática e obrigatória. Recurso, ao que consta, precisa de vontade (não vamos falar do recurso por novo júri — hoje extinto  e o recurso obrigatório que vem da era Vargas; onde se viu, em plena democracia, com independência judicial, que um juiz recorra “de si mesmo”).

Desde o envio do Relatório Paulo Teixeira ao Senado Federal, ocorrido em 25 de março de 2014, a técnica da exigência de unanimidade (sob pena de gerar uma “prorrogação” do julgamento dos acórdãos nos ditos tribunais ordinários) foi amplamente discutida e, em um primeiro momento, afastada pelo Relatório Vital do Rêgo, aprovado no Senado Federal em 27 de novembro de 2014, sob as seguintes razões:

Apesar de louvável preocupação do dispositivo com o grau de justiça do julgamento colegiado em sede de apelação, ele incorre em um excesso que merece ser podado. É que a parte derrotada nessa instância poderá, ainda, reivindicar reanálise do pleito na via dos recursos excepcionais, respeitadas as limitações objetivas das instâncias extraordinárias.

E mais. Problemas de alocação de desembargadores em órgãos fracionários dos tribunais surgiriam, dada a necessidade de convocação de novos julgadores para complementação de votos. Na prática, “poderia haver estímulo à alteração dos tribunais, a fim de que os órgãos fracionários passassem a contar com pelo menos cinco julgadores, o que, sem ampliação do número total de membros da Corte, implicaria redução no número de órgãos fracionários e, por extensão, da capacidade de julgamento do Tribunal”.

Eis que o jeitinho brasileiro se fez presente: a fim de evitar que a votação do novo Código de Processo Civil se estendesse para o decorrer de 2015, aprovou-se seu texto básico no dia 16 de dezembro e relegou-se ao dia seguinte à apreciação de 16 destaques (ou, em outros termos, discordâncias). Dentre estes o destaque de número 14, elaborado pelo senador Aloysio Nunes Ferreira, que propôs a reintrodução do artigo 955 ao texto do relator.

Qual o resultado do embate tupiniquim? Pasmem: repristinar às pressas a (técnica de) suspensão de julgamento de acórdãos não unânimes, como uma das condições para a aprovação no novo Código de Processo Civil no dia 17 de dezembro.

Acompanhamos de perto a discussão acerca do tema travada no Plenário do Senado Federal. Mais que isso: gostaríamos de compartilhar das notas taquigráficas com todos os leitores (clique aqui e leia as páginas 524 e 525 do Diário do Senado Federal publicado dia 18.12.2014) onde, em detalhes, é possível verificar a maneira como o artigo 955 ressurge das cinzas — e já nos desculpamos de antemão pela longa citação —, in verbis:

Vital do Rêgo — Sr. Presidente, em relação ao art. 955 do CDC, que prevê uma sistemática do julgamento fracionado das apelações, quando o resultado não for unânime, confesso aos senhores e tenho dividido isso com o Autor, Senador Aloysio Nunes Ferreira, que vivo um drama muito grande de entendimento. De um lado, o espírito do projeto recomenda-me pela rejeição. De outro lado, algumas exceções têm me tomado preocupações. Quero ir ao encontro do pensamento do Ministro Fux, dos juristas que nos acompanharam, tanto da Câmara quanto do Senado, e indicar à rejeição, mesmo, Sr. Presidente, com profundas dúvidas intelectuais.

[…]

Aloysio Nunes Ferreira — Sr. Presidente, eu vejo que a minha tese será derrotada no plenário, e respeito a opinião do Relator. Apenas queria dizer que, quando propus o restabelecimento do texto da Câmara nesta matéria, eu não estava pensando em criar mais um recurso, mas simplesmente alterar a sistemática do julgamento da apelação, quando houvesse um placar apertado, digamos assim – dois a um, em uma turma em que participam três julgadores –, e que houvesse uma controvérsia sobre matéria de fato. Uma vez concluído o julgamento em segunda instância, não haveria a possibilidade de rediscussão de questões de fato em recurso ao STJ, por exemplo, ao Tribunal Superior. Então, com receio de que isso pudesse prejudicar, digamos assim, a segurança do julgamento é que eu previa o restabelecimento do texto da Câmara, chamando dois novos julgadores para se buscar um quórum maior. Mas eu compreendo que há questões de ordem prática que foram arguidas com muita procedência pelo Relator, nas conversas que tivemos anteriormente. De modo que, vendo aqui que se forma uma maioria muito sólida em favor da tese esposada pelo Relator, eu me curvo à maioria.

[…]

Cássio Cunha Lima — Eu vou pedir vênia ao Relator, mesmo que vencido, mas acompanho a posição do Senador Aloysio (…).Aqui não há, com a máxima vênia ao Relator, ao Ministro Fux, qualquer confronto ao espírito de celeridade das decisões do Poder Judiciário. (…) E o que se pede não é um recurso novo, é a convocação de dois outros desembargadores, para que, num placar de 2 a 1… E nós conhecemos o funcionamento da Justiça brasileira, em que temos a representação do Ministério Público, temos a representação do quinto constitucional e dos juízes de carreira. Eu ainda insisto com o Relator para que possamos analisar a possibilidade da aprovação do destaque (…). [grifo nosso]

[…]

Vital do Rêgo — Eu reconheço lucidez e procedência nas manifestações do Senador Cássio. (…)

[…]

Aloysio Nunes Ferreira — Senador Vital, a aprovação desse texto da Câmara significará um acréscimo ao substitutivo daquela Casa. Portanto, ele poderá, eventualmente, se aprovado aqui, ser vetado. O Congresso, depois, dará a última palavra, ao examinar o veto. Estou certo? […] Então, veja, se há dúvidas no espírito de V. Exa, sobretudo depois da intervenção do Senador Cássio, por que não aprovar? Se nós fecharmos a porta agora, está feito. Se nós deixarmos essa porta aberta, existirá a possibilidade de, no exame de um eventual veto, o Congresso dar a última palavra nessa matéria – é o tempo que nós teremos, então, para aprofundar o nosso… [grifo nosso]

[…]

Vital do Rêgo — Sr. Presidente, eu mudo o meu direcionamento (…). E vamos esperar que a Casa Civil e os órgãos de assessoramento do Governo Federal possam, com os juristas do País, aprofundar essa questão.

Renan Calheiros — Eu quero cumprimentar a todos. (…) Em votação. As Senadoras e os Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.) Aprovado.

Vamos tecer alguns breves comentários sobre os trechos anteriormente grifados. Primeiro ponto: como assim, nós conhecemos a justiça brasileira? Quer dizer que um dos motivos de introdução da “nova técnica” seria partir da presunção de incompetência institucional? Segundo ponto: que negócio é esse de o Poder Legislativo transferir sua responsabilidade legislativa para um eventual veto do Poder Executivo? E o que sobrou para a democracia???

Tecnicamente (e sem maiores rodeios) queremos nos opor à referida técnica, sob os seguintes argumentos:

1º) Observa-se a criação de (ou transformação em) uma espécie de embargos infringentes com remessa necessária; assim, a eficácia do acórdão não unânime está diretamente condicionada à imediata suspensão do julgamento para a sua reanálise em momento posterior, diante de uma nova quantidade de julgadores; assim como nas hipóteses de remessa de ofício, não haverá transito em julgado da decisão (o que impede a sua execução definitiva e a oferta de embargos de declaração) se a nova técnica não for observada;

2º) A unanimidade, assim como o consenso, não é (nem nunca foi) sinônimo de justiça das decisões; assim, se a decisão, mesmo que por maioria, respeitar o dever democrático de integridade (respeito às normas jurídicas, em especial à Constituição Republicana) e coerência (compreendendo que nenhuma decisão pode partir de um grau zero de compreensão ou meramente da consciência ou moralidade do julgador, mas, sim, deve ser construída a partir de uma tradição jurídica que leve em consideração a doutrina e a jurisprudência) — como preconiza a CHD – Crítica Hermenêutica do Direito[1] — e, doravante, os artigos 486 e 924 do novo Código de Processo Civil — uma fundamentação democraticamente responsável pela maioria dispensaria, por si só, a necessidade de uma decisão unânime;

3º) Por se aplicar às decisões colegiadas não-unânimes — ampliando seu espectro para abarcar, agora, também o agravo de instrumento —, naturalmente aumentará a quantidade de trabalho nos tribunais (indo na contramão das modernas tendências de simplificação das técnicas processuais);

4º) Um dos fundamentos da permanência dos embargos infringentes era superar um possível dois a dois na soma de todas as decisões (o voto da sentença, mais o voto vencido do acórdão, contra dois votos vitoriosos do acórdão), o que exigiria um “tira-teima”, um desempate. Torna-se evidente o retrocesso porquanto a novel técnica acaba por ser mais abrangente, inclusive, que os atuais embargos infringentes, na medida em que não exige sequer a reforma da sentença (basta que o julgamento seja não unânime…). Do modo como consta em sua redação, é possível que o aludido procedimento seja aplicado em um eventual “três a um” de posicionamentos (o voto da sentença mais dois votos vencedores, contra o voto vencido no acórdão) o que acaba por resgatar indiretamente a antiga redação do artigo 530 do CPC (antes da alteração promovida pela Lei 10.352/01)[i].

5º) O que significa a expressão em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial? O que acontece quando existirem três votos em sentidos diferentes? Por exemplo, um voto pela procedência, um voto pela improcedência e um voto pela extinção sem resolução de mérito? Atualmente, a solução doutrinária predominante aponta no sentido da adoção do voto intermediário (no caso, pela extinção sem resolução de mérito). Nesta hipótese, quantos desembargadores serão necessários? Apenas mais um, para promover o desempate? E, pior, imaginemos que a redação fosse mais clara e determinasse que a revisão do voto não unânime fosse feita por uma turma de 5 (cinco) desembargadores. Neste último exemplo, mesmo com cinco votos, seria possível um “empate”: dois votos pela procedência, um voto pela extinção sem resolução de mérito e dois votos pela improcedência… Como resolver? Uma boa pergunta a ser feita ao Senado; e,

6º) Corre-se o risco do desembargador vencido, exatamente para evitar a suspensão julgamento, acompanhar o voto dos demais com a ressalva do seu entendimento; ou seja, existe a possibilidade de um drible da vaca na lei, o que pode gerar mais insegurança ou incredulidade no sistema, porquanto votar-se-ia em um sentido, deixando claro que não se concorda com o próprio voto (o que seria, no mínimo, esdrúxulo e antidemocrático). Algo como se fazia nos tempos do protesto por novo júri, em que a pena era definida em um pouquinho menos do patamar de 20 anos; ou como se faz hoje em dia, em que, para não precisar declarar o voto, o terceiro membro do órgão fracionário “dá unanimidade”.

Numa última palavra
Quando nos referimos ao "jeitinho brasileiro" — sem preocupação com o politicamente correto —, pretendemos deixar clara a nossa inconformidade com o modo como, às pressas, uma “técnica” que foi tão criticada pelo Relator e afastada por uma Comissão de Senadores em 04.12.2014, acabe por aprová-la.

Agora, o que nos restou: fazer campanha na internet para que Dilma promova o veto? E se não vetar? Como a suspensão de julgamento de acórdãos não unânimes não estava previsto no Relatório Vital do Rego, sequer sabemos onde será “encaixado” o artigo correspondente na redação final do novo Código de Processo Civil.

Ora, se infelizmente for aprovada a dita “técnica”, a doutrina (jurídica) deve doutrinar e realizar todos os constrangimentos epistemológicos necessários. Não podemos nos conformar com o mito do dado ou achar que o direito se resume a uma propaganda de cerveja: porque sim! Ao contrário, a filosofia do (e no) direito deve sempre perguntar: por que sim?

Justiça (verdade) e (tentativa de obtenção de) consenso são coisas bem diferentes e a segunda não é nem de perto receita de obtenção da primeira. Assim, ao invés de buscar (ou forçar) a unanimidade (ou o senso comum jurisprudencial), é imprescindível que haja responsabilidade política (democrática) no ato de julgar, por meio de fundamentações bem fundamentadas, o que só será possível a partir da integridade e coerência no Direito.


[1] Cfe. Streck, L.L. Streck. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. São Paulo, RT, 2014.

 


[i] Em sua redação original, antes da Lei 10.352/01, o aludido dispositivo afirmava, in verbis: Art. 530. Cabem embargos infringentes quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.

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