Diário de Classe

Debate sobre ponderação no Novo CPC e os perigos do decisionismo

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10 de janeiro de 2015, 7h00

Em 2012, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu se era direito de um consumidor expor a sua indignação contra defeitos na construção de seu apartamento. Teria o novo proprietário fixado na janela um cartaz com a seguinte escrita: “Construtora XXX = incomodações, infiltrações, desníveis e insatisfação”. O que fez o tribunal para solucionar o conflito? Ponderou! No caso, em favor da construtora. E por quê? Ora porque, naquele caso, o direito de personalidade deveria prevalecer sobre a liberdade de expressão do consumidor. Nada mais. Simples, assim.

Estamos preparados para ponderar? De que modo vimos aplicando a tal ponderação? Será a ponderação uma “técnica” capaz de contribuir para uma prestação jurisdicional mais qualificada? Estas são algumas das questões que subjazem à discussão travada nesta semana sobre a eventual positivação da ponderação no § 2º do artigo 487 do novo Código de Processo Civil, a partir do alerta de Lenio Streck à presidente Dilma (clique aqui para ler a coluna).

Como se sabe, mesmo sem ignorar outros sentidos do termo ponderação, é certo que a comunidade jurídica associa-o à teoria de Robert Alexy, mais especificamente à ideia de proporcionalidade ou, como se quiser, à resolução de casos difíceis em que se verifica uma “colisão de princípios”. Aliás, é (senso) comum o discurso da resolução do caso concreto por meio de uma ponderação dos princípios jurídicos envolvidos em consideração às condições fáticas e jurídicas.

Todavia, o que se defende nos limites desta coluna é que a ponderação — ao menos a que se vê por aí — produz inevitavelmente discricionariedade. Mesmo que segmentos da doutrina jurídica defendam o discurso da ponderação como solução contra um exegetismo legalista, parece que o problema do decisionismo permanece em segundo plano. Plano este da discricionariedade que vem sendo o principal objeto de crítica.

Ocorre que, no Brasil, frequentemente, a ponderação está associada à “proporcionalidade”, entendida como um “princípio” (sic). Dizem alguns que a Constituição daria essa condição por força do princípio do devido processo legal substancial. O que poderia, numa palavra, ser resumido à exigência de bem decidir. Tal leitura, de viés estadunidense, parece bastante simplificadora.

Apesar disso, a referência dogmática à compreensão da aplicação da ponderação é sempre Robert Alexy. Para além das críticas, é necessário reconhecer que o jurista alemão busca, ao seu modo, desenvolver uma teoria para racionalizar a aplicação da ponderação aos direitos fundamentais. Aliás, com o passar dos anos, sua fórmula esquemática para o argumento vem ganhando cada vez mais elementos que incorporem as fundamentações observadas nas cortes supremas.

A fim de ilustrar a proposta de Alexy, a ponderação e a fórmula de peso servem como uma primeira etapa (formal) para indicação das premissas argumentativas. Apresentadas as premissas, vem a segunda etapa (substancial) em que o uso, raciocínio e valoração dessas premissas devem ser justificadas racionalmente, demonstrando-se a sua aceitabilidade.

Pode-se concluir que Alexy se preocupa, de fato, com o problema da decisão jurídica e da sua qualidade, fazendo com que o ato de ponderar seja complementado por uma extensa argumentação para que possa ser considerado racionalmente justificado. Só assim a decisão (ponderada) poderia ser considerada legítima. É nesse sentido que o autor admite o decisionismo na ponderação, tentando remediá-lo a posteriori com esquemas argumentativos. Na verdade, conforme o próprio Alexy ponderar, por si só, não significa decidir de forma legítima. A legitimidade está na argumentação formal e substancial que suporta o ato ponderativo. Ou seja, a qualidade da “ponderação” está na sua fundamentação.

O problema é que, no Brasil, tudo indica que apenas a primeira parte (a da ponderação) é conhecida. Em contrapartida, nem sempre o mandamento constitucional de fundamentação das decisões é atendido. Parece-nos que o Novo CPC reconhece esse problema — e isso sim é revolucionário no processo civil brasileiro — quando prevê no parágrafo 1º do artigo 487 as hipóteses em não se deve considerar fundamentada uma decisão judicial.

E esta é, precisamente, a objeção que se faz à positivação da ponderação no Novo CPC. Como já se disse, aqui mesmo na ConJur, o parágrafo 2º é a antítese do parágrafo 1º do artigo 487.

Como se sabe, o STF já utilizou a ponderação para decidir centenas de casos. Para sermos mais precisos, em pesquisa doutoral realizada em 2013, verificou-se que 189 decisões do STF faziam referência expressa à ponderação. Analisadas, uma a uma, verificou-se que a inexistência de decisão em que se tenha aplicado a ponderação nos termos propostos originalmente por Alexy. Além disso, identificaram-se outros problemas de caráter hermenêutico-jurídico que desqualificavam o seu uso em termos de legitimidade (racionalidade) jurídica. A título ilustrativo, trazemos alguns casos para mostrar como a jurisprudência vem “aplicando” a ponderação:

1. Caso Ellwanger (HC 82.424/RS): dois ministros ponderaram e chegaram a resultados completamente diferentes. Um concedeu a ordem; o outro, denegou. O problema é que não se pode precisar quanto valeu cada um dos princípios ponderados.

2. A denegação de pedido de intervenção federal nos Estados por falta de pagamento dos precatórios (IF 2.915/SP): ponderou-se para afastar a regra constitucional que previa a hipótese de intervenção. Isto porque, ponderando-se, a medida seria inadequada. Aliás, não impressiona mais a situação a que chegaram os atrasos nos pagamentos em alguns estados.

3. O uso de algemas (RHC 102.962/MG): alegava-se a ilegalidade no uso da algemas, visto que em desacordo com a Súmula Vinculante 11. Após ponderar, o STF entendeu que o uso foi justificado conforme exigia a súmula. Isto porque haveria justificação escrita que apontava a necessidade de “assegurar a integridade física dos agentes de polícia e do próprio acusado”. A ordem foi denegada, mesmo não sendo possível saber concretamente o que colocava em perigo a integridade física dos envolvidos.

Ora, se no STF a legitimidade das decisões ponderativas apresentam-se problemáticas, em outras instâncias — de menos visibilidade — o problema certamente se agrava. No caso do TJRS, por exemplo, a ponderação vem sendo utilizada para resolver questões de direito privado como indenizações por violação ao direito à imagem, honra e personalidade. Na maior parte das decisões, observa-se a ausência de uma “corrente”, ou mesmo de critérios, capaz de determinar a preponderância de um direito sobre outros, identificando-se, assim, ponderações casuísticas.

Com isto, fica evidente que o (ab)uso da ponderação vem resultando numa série de problemas à aplicação do direito, sobretudo quando se busca uma interpretação das normas que leve em conta a coerência e integridade do sistema jurídico. Dito de outro modo, a vulgata da ponderação enfraquece a normatividade dos direitos fundamentais. Ao ser utilizada sem a devida preocupação com sua fundamentação, ela assume o risco de transformar a prestação jurisdicional numa justiça lotérica.

Em suma: se até então a ponderação era empregada casuisticamente pelo senso comum jurídico, reforçando a discricionariedade dos julgadores; agora, caso a presidente Dilma não vete o dispositivo previsto no Novo CPC, tudo indica que a institucionalização desta “técnica” aumentará o descontrole sobre a subjetividade das decisões e, consequentemente, o grau de decisionismo.judicial no Brasil.

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