Jurisprudência Fiscal

Carf, a denunciação caluniosa fiscal e outras questões tributárias

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

8 de janeiro de 2015, 7h02

Spacca
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz [Spacca]A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional recebeu, para analisar, um ofício do Ministério Público Federal versando um tema relevante para a Receita Federal: se em tese fica caracterizada uma denunciação caluniosa (artigo 339 do CP) quando um Auditor Fiscal da Receita Federal encaminha, para o MPF, Representação Fiscal para Fins Penais descrevendo uma conduta tida como atípica.

No caso concreto, a conduta atípica seria apontar contrabando ou descaminho nos casos em que a jurisprudência venha aplicando o princípio da insignificância; assim relatado:

Nota PGFN/CAT 1.551/2014 (publicada em 29.12.2014)

“A presente nota técnica trata do Ofício/MPF/DRS/MS/MADA/Nº 107/2013 de Procurador da República no Município de Dourados/MS (cópia em anexo) encaminhado ao Inspetor-Chefe da Receita Federal do Brasil (RFB) em Mundo Novo/MS, que versa sobre ‘Recomendação’ para que a citada Unidade da RFB não encaminhe ao MPF representações fiscais para fins penais relativas à apreensão de mercadorias contrabandeadas (p. 5 do Ofício) ou descaminhadas (p. 2 do Ofício) cujo valor dos tributos elididos sejam inferiores a R$ 10.000,00, por entender que inexiste tipicidade material, apontando ‘a tese de que a remessa de representações sobre fatos atípicos se subsuma à conduta prevista no artigo 339, do Código Penal’ e afirmando que necessário se faz ‘a adequação da conduta do agente fiscal a este entendimento.’ (p. 5 do Ofício, grifado).

1.2. Para justificar esse entendimento, o signatário do ofício cita jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região acerca da aplicação do Princípio da Insignificância ou da bagatela apontando para a atipicidade material da conduta relativa ao descaminho, tendo em vista que o art. 20 da Lei nº 10.522/2002, com a redação dada pela Lei nº 11.033/2004, afastou a execução de débitos fiscais de valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (a Portaria MF nº 75/2012 majorou o mencionado valor para R$ 20.000,00).”

Sendo estes os trechos do ofício do MPF encaminhado à Receita Federal:

“Nessa senda, inexistindo lesão relevante ao bem juridicamente tutelado, não se justifica a aplicação da norma penal, que deve funcionar como a ultima ratio do ordenamento jurídico, cuidando apenas de condutas consideradas graves, potencialmente capazes de gerar um estado de crise social que não pode ser solucionado por normas jurídicas outras com poder sancionador mais brando. […]

Por óbvio a remessa de representações fiscais baseadas em tais valores, cujos delitos são flagrantemente atípicos, fere o princípio da eficiência da Administração, uma vez que não haverá desdobramento juridicamente relevante de seu processamento, com gastos desnecessários ao erário, relativos ao seu transporte e exame nas esferas judiciais e administrativas.

Não seria razoável também o pedido de arquivamento, por parte deste Órgão Ministerial, perante à (sic) Justiça Federal, haja vista que isso implicaria no envio ao judiciário de diversas representações fiscais que resultariam na instauração de diversos feitos processuais, cujo resultado final seria, inevitavelmente, o arquivamento, tomando tempo excessivo de servidores e do magistrado, além dos gastos desnecessários que isso implicaria.

Por derradeiro, é igualmente importante apontar a tese de que a remessa de representações sobre fatos atípicos se subsuma à conduta prevista no artigo 339, do Código Penal.”

Ficando também registrada na Nota PGFN/CAT 1.551/2014 a posição e preocupação da Receita Federal:

“8.2.1 a existência de recomendações de órgãos locais do MPF dirigidas a órgãos locais da RFB que contém manifestações favoráveis ao não cumprimento de atos normativos emanados do órgão central da RFB, tendo em vista que se trata de situação que poderia resultar em atuação diferenciada da RFB em determinadas localidades, o que poderia ferir o Princípio da Isonomia; (…)

9. Diante do aspecto destacado no item 8.2.1, cabe sugerir a tomada de providências junto à Procuradoria-Geral da República e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para dar um tratamento adequado a esses casos, inclusive a fim de dar segurança jurídica aos servidores públicos da RFB.”

Todavia, pela matéria não ser tributária, a apreciação da PGFN sobre a questão só será produzida em momento futuro, sob a ótica disciplinar:

“Compulsando os documentos que instruem o presente expediente, entendemos que a questão em exame diz respeito a assunto de natureza exclusivamente disciplinar, razão pela qual sugerimos o seu encaminhamento à d. Coordenação Jurídica de Ética e Disciplina (COJED), nos termos do art. 31, I, do Regimento Interno da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pela Portaria MF nº 36, de 24 de janeiro de 2014, por intermédio de sua respectiva adjuntoria.”


O formal que era material
Quando uma autuação é anulada por vício formal (exemplo dado no Parecer PGFN 278/2014: erro de fato na identificação do autuado), o CTN concede ao fisco cinco anos para substituir esse lançamento por outro, sem o vício formal (artigo 173, inciso II). Já quando uma autuação é cancelada por vício material (exemplo dado no Parecer PGFN 278/2014: erro de direito na identificação do sujeito passivo), não há reabertura de prazo, só podendo haver novo lançamento se não tiver transcorrido cinco anos do fato gerador.

Tratando dessa matéria, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf apreciou caso em que, apesar de ter havido anterior anulação por vício formal, portanto sendo disponibilizados mais cinco anos para ser refeito o auto de infração, ocorreu que, no novo procedimento, o lançamento só conseguiu ser aperfeiçoado com a agregação de novos elementos; o que levou a CSRF a concluir que se tratava, na verdade, de correção de vício material; e, sendo assim, não havia mais prazo para o novo lançamento; assim ementado:

Acórdão 9202-003.185 (publicado em 19.05.2014)

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DECADÊNCIA. LANÇAMENTO DECLARADO NULO. LANÇAMENTO SUBSTITUTIVO OU NOVO LANÇAMENTO.

No presente caso a nulidade do primeiro lançamento foi declarada em face da ausência da perfeita descrição do fato gerador do tributo, em virtude da não caracterização da existência da cessão de mão de obra, o que caracteriza violação ao art. 142 do CTN. Não se está aqui a reapreciar a natureza do vício declarado por ocasião da anulação do primeiro lançamento, mas sim, a conformidade do novo lançamento com o lançamento a que pretende substituir.

Sob o pretexto de corrigir o vício formal detectado, não pode o Fisco intimar a contribuinte para apresentar informações, esclarecimentos, documentos, etc. tendentes a apurar a matéria tributável. Se tais providências forem efetivamente necessárias para o novo lançamento, significa que a obrigação tributária não estava definida e não há que se falar em lançamento substitutivo, mas, sim, em novo lançamento. Assim, no momento em que foi lançado, o crédito tributário a que se referia já se encontrava extinto pela decadência.


Verdade versus forma
Em autuação de omissão de rendimentos em conta bancária, um contribuinte apresentou, na fase recursal, documentos novos que provariam que os valores da sua conta corrente eram gastos por pessoa jurídica, o que mostraria que não era o titular da movimentação de entrada e saída da conta corrente; portanto quem deveria ser autuada era a pessoa jurídica.

Todavia, a CSRF do Carf manteve a impossibilidade de ser analisada a prova nova, dissertando que, em ponderação de princípios, a verdade material não prevalece necessariamente sobre a preclusão da oportunidade de apresentação de provas; assim fundamentado:

Acórdão 9202-002.626 (publicado em 06.06.2014)

NORMAS PROCESSUAIS. PROVA DOCUMENTAL. MOMENTO APRESENTAÇÃO. APÓS RECURSO VOLUNTÁRIO.

Tanto o princípio da verdade material como o princípio da preclusão são princípios aplicáveis ao processo administrativo fiscal.

Os princípios, em específico, não estão submetidos, tão-somente, a um juízo de validade, mas especialmente a uma ponderação, a um balanceamento; não se declara válido ou não válido um princípio, não há uma norma de exceção. A solução é diversa: as circunstâncias concretas motivadoras da aplicação dos princípios conflitantes devem ser analisadas, observando-se qual o princípio prevalecerá no caso concreto, uma vez que eles têm peso diferente. Na escolha do princípio a incidir deverá ser utilizada a máxima da proporcionalidade.

Não há verdadeira hierarquia entre os princípios, uma vez que ora poderá prevalecer um ora outro, deve ser feito o teste de proporcionalidade, para decidir qual regerá o caso concreto. Há, pois, uma hierarquização em função do caso concreto.

É abusiva a juntada da prova após o trintídio do recurso voluntário, que se referia à cópia de cheques de emissão do recorrente, buscando comprovar que os débitos nas contas auditadas tinham favorecido pessoa jurídica, já que a infração estava associada aos créditos na conta corrente, os quais não tiveram suas origens comprovadas, e não a eventuais débitos, o que acarreta a restrição prevista no art. 16, § 4º, do Decreto n° 70.235/72.


Decisões variadas
No Acórdão 9101-001.836 (publicado em 05.06.2014), a CSRF do Carf decide que, para fins de prazo decadencial, havendo aplicação concomitante das multas de 75% e 150%, toda a contagem, inclusive para a parte da autuação com 75%, deve seguir a regra do art. 173 do CTN se houve fraude; assim ementado: “verificado a ocorrência de fraude em parte das infrações, a contagem do prazo decadencial deve ser feita na forma do art. 173 do CTN também para os fatos geradores tributados com multa de 75%”.

No Acórdão 9303-002.875 (publicado em 29.05.2014), a CSRF do Carf decide que os pagamentos feitos após a importação não devem compor a valoração aduaneira, sendo vencido voto que apontava que os pagamentos eram benefícios indiretos para o exportador; assim ementado: “os valores relacionados com as mercadorias objeto de valoração, que o comprador deva pagar, direta ou indiretamente, a título de comissão pelo uso da marca, publicidade, garantia, treinamento e assistência técnica, não deverão ser acrescentados ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas. Tais rubricas se materializam após a internalização dos produtos no Brasil e suas remunerações são destinadas a uma pessoa jurídica brasileira, não havendo possibilidade de integrar o valor aduaneiro”.

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    é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

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    é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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