Voo solo

Mutirão carcerário só de defensorias analisa 9 mil processos no Paraná

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6 de janeiro de 2015, 6h31

O Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege) fez seu primeiro mutirão de atendimento em "voo solo" — sem estar vinculado a ações de outros órgãos da Justiça brasileira. A intervenção ocorreu no estado do Paraná em presídios de Foz do Iguaçu, Cascavel, Londrina e Francisco Beltrão e reuniu 56 defensores públicos de vários estados.

Entre os dias 5 e 21 de novembro de 2014, foram analisados 9.132 processos de cerca de 10 mil presos. Destes, 4.112 tiveram suas demandas analisadas pessoalmente pelos defensores que participaram do mutirão. Em Foz do Iguaçu, todos os presos foram atendidos pessoalmente, diz o defensor público Arthur Corrêa da Silva Neto (foto), coordenador adjunto da Comissão de Execução Penal do Condege.

Esse é o primeiro mutirão de atendimento carcerário feito e idealizado só por defensores públicos. Nos quatro últimos —desde 2010 — as defensorias trabalharam como parceiras do Conselho Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça ou de ambos.

Segundo a presidente do Condege, Andrea Coelho, a iniciativa aumenta o protagonismo que a defensoria deve ter no trato com os apenados brasileiros. Isso porque a Lei de Execuções Penais (7.210/1984), aponta a Defensoria Pública como a instituição responsável diretamente pelo atendimento jurídico dos presos.

Rebelião traumática
A ação no Paraná partiu de uma rebelião ocorrida em agosto de 2014. O motim durou poucos dias, mas deixou cinco presos mortos e dois decapitados. Além disso, várias celas e parte da estrutura do presídio estadual foram destruídas, o que “abalou o sistema penitenciário” da região, diz o defensor Eduardo Pião Ortiz Abraão (foto), coordenador de execuções penais do Paraná e um dos coordenadores do projeto. Segundo

ele, o presídio tinha cerca de mil encarcerados e foram transferidos em torno de 800 para outros presídios. Boa parte foi para Londrina, “que é a segunda maior população carcerária do estado, com 4,5 mil presos”, afirma Abraão.

Articulação nacional
A ideia do primeiro mutirão nacional articulado pelo Condege começou a tomar corpo logo depois que foi organizado, pelo Ministério da Justiça, o mutirão no complexo de Pedrinhas, no Maranhão. O caso tomou proporções internacionais pela brutalidade e pela divulgação midiática da rebelião — em novembro último, a Corte Interamericana de Direitos Humanos cobrou que o país garantisse direitos humanos mínimos no complexo prisional.

Somente no ano de 2013 foram registradas 60 mortes, várias por decapitação. Isso acabou por forçar o Ministério da Justiça a fazer uma ação de emergência em outubro de 2013 para tentar frear o problema. Apesar da força-tarefa ter ocorrido por 18 dias junto com as defensorias, a situação continua complicada.

Segundo o defensor Arthur Corrêa, as conversas dentro do Condege se desenvolveram até que, “no mês de maio, (2014) foi assinado o termo de cooperação em Salvador”. O acordo previa uma articulação “operacional e técnica entre as defensorias naquelas unidades em que houver necessidade de uma colaboração mútua”. Corrêa afirma que a integração com os colegas foi muito proveitosa para o desenvolvimento da defensoria do Paraná, pois ela está em funcionamento há cerca de um ano. Ele avalia que, com as reuniões mensais do Condege e essa primeira experiência, “a comunicação e a articulação devem ser facilitadas”.

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Agilidade e know how
De acordo com o relatório do Ministério da Justiça sobre o caso de Pedrinhas, “não foi observada a prerrogativa de intimação pessoal do defensor público, conforme o artigo 128, inciso I, da Lei Complementar 80/1994”. Segundo a presidente do Condege, Andrea Coelho (foto) o grande diferencial da Defensoria sem Fronteiras está na “expertise e agilidade” que a defensoria, como órgão responsável pela manutenção da execução penal, deve conseguir dar a novos mutirões que se mostrarem necessários.

A eficácia do procedimento também tem a ver com o planejamento, de acordo com a defensora cearense Aline Lima de Paula, uma dos três coordenadores do mutirão e coordenadora da Comissão de Execução Penal do Condege e supervisora do Núcleo de Execuções Penais da Defensoria Pública do Ceará. Segundo ela, foram traçadas metas diárias para que se alcançasse toda a população carcerária.

“Planejamos que os primeiros dias seriam de foco nos processos. Pegamos todos os processos nas varas de execução penal e a relação dos presos que iríamos visitar. Esse quantitativo era distribuído numa meta de 25 processos por dia para análise de cada colega. A gente previa esse quantitativo de verificação de processo e 30 presos para serem atendidos por dia”, afirma.

Em busca do Conselho
Ainda segundo Aline Lima, a diferença metodológica traz uma intenção política da instituição para que caminhe com as próprias pernas. “É uma questão política. Por que a defensoria pública, que busca se afirmar como principal atora, pelo menos nos presídios, vai ser levada por outra instituição se tem mais know how nesse tipo de análise? Foi super salutar a gente ter sido valorizado pelo Ministério da Justiça”, afirma a defensora.

Aline diz que há a intenção de transformar o Condege em uma espécie de Conselho Nacional das Defensorias, “assim como o Conselho Nacional de Justiça ou o Conselho Nacional do Ministério Público”, diz. A presidente do Condege, Andrea Coelho, não esconde a intenção de impulsionar um conselho próprio da categoria. “Como o condege não é ainda um conselho como um CNJ ou CNMP mas tem a intenção de ser”, o colegiado “achou por bem criar um pacto de todas as defensorias para ‘startar’ esse processo na linha de frente, porque a gente não é protagonista. Porque não usamos nossa visão?”, questiona.

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Para Patrícia Kettermann, (foto) presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), “quanto mais a gente consegue atuar, mostra a importância da instituição”, afirma. Apesar de concordar com a necessidade “fundamental” da criação de um conselho brasileiro de defensores, Patrícia afirma que “não vai ser um mutirão que vai prover o novo conselho”.

De acordo com o Mapa da Defensoria Pública no Brasil, estudo feito pela Anadep em parceria com o Ipea, das 2.680 comarcas do país, apenas 754 possuem defensores — ou 72% da população. “ O IBGE diz que 82% da população brasileira ganha até três salários mínimos. Um dos critérios objetivos para usar a defensoria é esse”, aponta. Ela acredita que, com a institucionalização de um Conselho, o Estado poderá gastar menos com “advogado dativo, privado para fazer assistência jurídica. É muito mais caro”, afirma.

Eficiência olho no olho
De acordo com relatório de julho de 2014, o sistema carcerário do Maranhão tem 6,5 mil presos. Segundo o relatório da força-tarefa de Pedrinhas, foram analisados 3.240 processos. Destes, 1.782 de forma individualizada, sendo adotadas providências para 4.394 casos. O mesmo relatório diz que os números apresentados pela administração carcerária não eram totalmente confiáveis. A “ausência de cálculos e ausência da própria guia” inviabilizaram uma parte do trabalho direto dos defensores públicos com os presos de Pedrinhas.

Segundo Valdirene Daufemback, (foto) diretora de políticas penitenciarias do Ministério da Justiça, Pedrinhas é apenas um dos seis casos que tramitam na corte máxima de direitos humanos do continente. “Nós vemos com bons

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olhos a defensoria ‘tocar o barco sozinha’”, disse à ConJur.

A percepção de que os presos veem com bons olhos os mutirões é unânime. Tanto os representantes do Ministério da Justiça quanto os defensores que participaram afirmam que só pelo fato de ficarem sabendo que haverá um mutirão, os ânimos na prisão melhoram. “Neste momento, o preso sabe que alguém vai ouvir a história dele e, principalmente, terá as informações sobre o processo que em outros momentos ele não tem ideia de quando saberá”, afirma José Arruda, defensor público do Pará e participou de três dos últimos cinco mutirões de nível nacional.

“A simples notícia do mutirão acalma a casa penal. Você vai ouvir o preso. Você vai analisar o processo dele. E em muitos casos você consegue o direito vencido. Se ele não tem esse direito, ele sabe quando vai ter. Ele tem a informação. Aquele que está sem nenhuma informação ele fica muito estressado”, completou o defensor.

Como o sistema prisional é administrado pelo Poder Executivo, as ações que são lançadas pelo Ministério da Justiça ou encampadas por órgãos de outros estados podem ter resistência inclusive da Defensoria local. Com essa articulação nacional, Arruda avalia que “não adianta chegar com vários defensores e uma equipe de promotores e juízes. Alguns estados podem sentir como uma intervenção indevida”.

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