Divergência da doutrina

Decisão que encurtou prazo para recolher FGTS impactará questões trabalhistas

Autor

  • Victor Hugo Criscuolo Boson

    Advogado mestrando em Direito do Trabalho no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG. Professor de Direito do Trabalho da Pós-Graduação lato sensu da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

5 de janeiro de 2015, 9h00

A lei que estipula prazo prescricional de 30 anos para recolhimento do FGTS contraria a regra constitucional da prescrição trabalhista, que é de cinco anos. Seguindo este entendimento, firmado pelo ministro Gilmar Mendes, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais os artigos 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS, na parte em que ressalvam o “privilégio do FGTS à prescrição trintenária”, haja vista violarem o disposto no art. 7º, XXIX, da Constituição de 1988.

O Recurso Extraordinário (RE) 709212 foi interposto pelo Banco do Brasil. Após o TST declarar ser “trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o FGTS” (Súmula 362 do TST), o STF reformulou entendimento, consagrado há anos por ele próprio e pelo TST, passando a entender que o prazo prescricional deve ser de cinco anos.

“Entendo que esta Corte deve, agora, revisar o seu posicionamento anterior para consignar, à luz da diretriz constitucional encartada no inciso XXIX do art. 7º da CF, que o prazo prescricional aplicável à cobrança de valores não depositados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é quinquenal”, defendeu o ministro relator, Gilmar Mendes, durante a sessão plenária do dia 13 de novembro de 2014.

O relator destacou que o art. 7º, XXIX, da Constituição é capaz de oferecer, na sua literalidade, proteção eficaz aos interesses dos trabalhadores, revelando-se inadequado e desnecessário o esforço hermenêutico do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido da manutenção da prescrição trintenária do FGTS após o advento da Constituição de 1988.

Até aí, nada além de uma mudança no marco temporal de prescrição do FGTS. Ocorre que a referida decisão acaba por se contrapor à forma como doutrina e jurisprudência articulam hermeneuticamente os direitos trabalhistas previstos no art. 7º e no próprio ordenamento jurídico como um todo.

Há muito, o critério que orienta a hierarquia das normas em direito do trabalho é o da norma mais favorável, caudatário do princípio protetor ao polo hipossuficiente da relação empregatícia. É o princípio da norma mais favorável o critério hermenêutico a indicar que aplicar-se-á ao caso concreto sempre a norma mais favorável ao empregado.

Em Direito do Trabalho, pela peculiaridade principiológica e teleológica do ramo, o vértice da pirâmide normativa é variável e mutável, não sendo, portanto, a Constituição Federal, necessariamente, o vértice. Ou seja, a pirâmide de Kelsen, cujo ápice seria necessariamente a Constituição, não explica a hierarquia das fontes trabalhistas.

A regra é clara: a norma que disciplinar uma dada relação de modo mais benéfico ao trabalhador, prevalecerá sobre as demais, independentemente da sua topografia formal. Uma norma prevista em lei infraconstitucional, ou em uma convenção coletiva da categoria, por exemplo, poderá prevalecer sobre a Constituição se for mais benéfica ao trabalhador.

O Tribunal Superior do Trabalho, pacificamente, sempre reconheceu peso e valor a referido princípio, valendo destacar a seguinte ementa da sua Sessão de Dissídios Individuais 1:

O art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, ao garantir ao empregado o pagamento de indenização pelos danos materiais e morais sofridos em decorrência de acidente de trabalho, quando presente o dolo ou a culpa do empregador, conferiu ao trabalhador um mínimo de proteção, em face do referido acontecimento. Ou seja, não excluiu a criação de outro sistema, ainda que fora da legislação diretamente ligada ao Direito do Trabalho, mais favorável aos empregados. Conclusão diversa ensejaria o vilipêndio ao princípio da prevalência da norma mais benéfica, segundo o qual, caracterizado o conflito entre espécies normativas, prevalecerá aquela que for mais benéfica ao empregado, qualquer que seja a sua hierarquia.

Ocorre que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao tratar do prazo prescricional do FGTS, preteriu a norma mais benéfica, no caso o art. da Lei 8.090/91, que dispõe prescrição de 30 anos para o FGTS, por entender que o art. 7º, XXIX, da Constituição, que garante aos trabalhadores prazo prescricional de cinco anos quanto aos créditos trabalhistas, deve prevalecer, dada a natureza constitucional desta norma. Ou seja, para o STF, a norma menos vantajosa para o trabalhador, porque de índole constitucional, prevaleceu no caso concreto, quebrando com a lógica do referenciado princípio trabalhista da prevalência da norma mais favorável.

E com esse entendimento o julgado trouxe outra novidade. A doutrina sempre indicou no sentido de que o rol de direitos do art. 7º da Constituição Federal, por força do seu caput, concerne a direitos mínimos dos trabalhadores, inclusa a prescrição mínima de cinco anos, sendo possível que a legislação alargue referidos direitos, que devem ser tomados como mínimos, e não como máximos. Ou seja, não sendo direitos dos empregadores, mas garantias dos trabalhadores, podem, sempre, ser objeto de tratamento infraconstitucional in mellius para o trabalhador.

O STF, no entanto, julgou contrariamente a referido entendimento, na medida em que entendeu que a garantia ao trabalhador da prescrição de cinco anos não pode ser ampliada infraconstitucionalmente, como feito pelos artigos 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS.

A ver como a jurisprudência dos tribunais reagirá a essa nova tendência interpretativa do STF, cujos parâmetros hermenêuticos podem ter impactos não apenas restritos à prescrição do FGTS, mas a outros direitos trabalhistas.

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