Estratégia de parlamentares

STF abriu brecha para controle preventivo de leis, aponta pesquisador

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5 de janeiro de 2015, 8h08

O controle de constitucionalidade das leis exercido pelo Supremo Tribunal Federal pode estar indo além do permitido pela Carta Magna. É o que alerta o estudo de Evandro Proença Süssekind, que a Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro lançou recentemente na quinta edição da Coleção Jovem Jurista.

Divulgação/FGV Direito Rio
O pesquisador (foto) verificou que cada vez mais parlamentares apresentam Mandados de Segurança no Supremo para verificar a opinião da mais alta corte do país sobre as propostas de emendas constitucionais apresentadas no Congresso. E concluiu: o STF vem exercendo, por meio desse instrumento, o controle preventivo de constitucionalidade.

O problema é que essa atividade não foi prevista pelo constituinte. “O controle repressivo tem no nosso ordenamento jurídico todo um arcabouço: a ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a arguição de descumprimento de preceito fundamental, entre outras. Todas dão a entender que o constituinte queria que fosse exatamente desse jeito”, explica.

“Se o nosso constituinte fez um arcabouço tão bem trabalhado para o controle repressivo, ele poderia aceitar que um parlamentar inconformado viesse acionar o Supremo, por meio de Mandado de Segurança, para fazer exame de constitucionalidade? Veja, o próprio instrumento pelo qual isso vem acontecendo, o Mandado de Segurança, um remédio constitucional, mostra que o nosso arcabouço não estava preparado para isso. Analisei os anais da Assembleia Nacional Constituinte e os debates. Percebi que os constituintes não previram isso.”

A pesquisa mostra que o Supremo não fugiu ao novo chamado. O primeiro Mandado de Segurança para questionar a constitucionalidade de proposta de emenda constitucional chegou à corte antes mesmo da Constituição de 1988. E na ocasião o tribunal admitiu a competência para exercer esse tipo de controle.

No entanto, a corte nunca chegou às vias de fato. Apesar de afirmar sua autoridade para exercer o controle preventivo, nunca determinou a suspensão da tramitação de uma proposta de emenda por entender que era inconstitucional. “Mas, ao admitir que tem o poder de fazer, deixou a entender que está à espera de um dia receber um caso que realmente contenha violação”, afirma o pesquisador.

O tema é controvertido. Segundo Süssekind, há quem possa alegar que o controle de constitucionalidade preventivo pelo STF quebra o equilíbrio entre os Poderes. “Mas, se o próprio Congresso vem às portas do Supremo com Mandado de Segurança, os ministros podem dizer que não existe uma causa interna corporis do Congresso”, adverte.

O pesquisador conta que o controle de constitucionalidade preventivo decorre de uma interpretação de um dispositivo da Constituição que veda a promulgação de emendas que violem às cláusulas pétreas. Contudo, o último Mandado de Segurança analisado por Süssekind visava barrar o andamento de um projeto de lei ordinária. “Estamos começando a virar a página de algo que sequer está pacífico”, afirma.

Com 23 anos de idade, ele é sobrinho neto de Arnaldo Süssekind, jurista responsável pela elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho.

Leia a íntegra da entrevista:

ConJur — Quais são as competências que a Constituição não delegou, mas o STF acabou avocando para si?
Evandro Proença Süssekind —
Temos visto nos últimos anos uma espécie de protagonismo do Poder Judiciário. Vimos o Supremo julgar o aborto de fetos anencefálicos, as cotas para as universidades, o uso das células-tronco, o mensalão… Esses casos passam ao cidadão a sensação de que o Supremo Tribunal Federal está mais ativo. No entanto, não existe uma evidência científica de que isso esteja realmente acontecendo. Então resolvi estudar um instrumento que o STF vem fazendo uso nos últimos anos, mesmo que de forma controvertida, e o comparei com a forma como a Assembleia Nacional Constituinte o via e o planejou, para ver se ocorreram discrepâncias.

ConJur — O que você analisou?
Evandro Proença Süssekind —
O nosso controle de constitucionalidade é repressivo, acontece após a promulgação de uma lei ou emenda à Constituição. Não analisei uma matéria específica, como saúde ou educação, nem o entendimento dentro desse controle repressivo. Percebi que o STF vem fazendo o controle preventivo, o que torna a situação um pouco mais delicada porque não se trata de um entendimento dentro do controle repressivo, mas do controle preventivo onde toda uma gama de novos entendimentos podem surgir. Essa é uma ferramenta totalmente nova e curiosa. Uma das justificativas do STF para exercer esse tipo de controle seria a de que o Poder Legislativo se omite em algumas demandas, como saúde e educação, por exemplo. Mas não se trata exatamente de uma omissão. No nosso ordenamento jurídico, o controle preventivo é feito pelas comissões de constituição e justiça (das casas legislativas), assim como pelo veto presidencial. Então a omissão não pode ser alegada.

ConJur — Como o STF vem exercendo o controle de constitucionalidade preventivo?
Evandro Proença Süssekind —
Esse é o ponto chave. O controle repressivo tem no nosso ordenamento jurídico todo um arcabouço: a ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a arguição de descumprimento de preceito fundamental, entre outras. Todas dão a entender que o Constituinte queria que fosse exatamente desse jeito. Como então o controle preventivo vem acontecendo ao longo dos anos? Existe no artigo 60, parágrafo 4º, da atual Constituição, assim como havia no artigo 47 da Constituição de 1969, a previsão de que “não poderão ser deliberadas projetos de emendas tendentes a abolir cláusula pétrea”. Então, alguns parlamentares vêm entrando com Mandados de Segurança para alegar que eles têm o direito de não deliberar sobre cláusulas às quais eles acreditam serem pétreas ou de direito fundamental. Isso soa um pouco indigesto.
Se o nosso constituinte fez um arcabouço tão bem trabalhado para o controle repressivo, ele poderia aceitar que um parlamentar inconformado viesse acionar o Supremo, por meio de Mandado de Segurança, para fazer exame de constitucionalidade? Veja, o próprio instrumento pelo qual isso vem acontecendo, o Mandado de Segurança, um remédio constitucional, mostra que o nosso arcabouço não estava preparado para isso. Analisei os anais da Assembleia Nacional Constituinte e os debates. Percebi que os constituintes não previram isso. Há quem possa argumentar “não é constituinte à quem a gente obedece, é à Constituição”.  Então será que a Constituição não aponta que esse controle preventivo está realmente lá?

ConJur — Aponta?
Evandro Proença Süssekind —
Acredito que os ministros do STF tenham competência e qualidade de análise inúmeras vezes melhores que a minha, mas, quando eu vejo que não há um enunciado tão claro quanto ao controle preventivo…  O artigo 60, parágrafo 4º, que trata das cláusulas pétreas, está tão distante do artigo da Constituição que dispõe do controle de constitucionalidade… Esse controle preventivo é típico do modelo francês, onde a corte suprema atua como um órgão de consulta. Ou seja, se a gente tiver o controle preventivo e repressivo, vamos ter o controle em dois momentos diferentes, antes e depois da promulgação da lei. E isso por um mesmo órgão.

ConJur — Teríamos com isso um Supremo com superpoderes?
Evandro Proença Süssekind —
Acho que essa seria uma afirmação muito forte. Até porque um ministro do STF poderia alegar que esse poder nunca foi usado ao longo dos anos. Desde o Mandado de Segurança 20.257, que foi o primeiro e ficou marcado pelo entendimento célebre do então ministro Moreira Alves.

ConJur — Qual era o tema desse Mandado de Segurança?
Evandro Proença Süssekind —
Havia uma proposta de emenda para que o mandato de prefeito, na época de dois anos, fosse estendido para quatro. O Mandado de Segurança veio para dizer que isso feria a antiga cláusula pétrea da Constituição de 1969, sobre a República. Isso foi em 1982, 1983. A jurisprudência começa aí. Na ocasião, o Supremo disse que poderia conhecer dessas ações. É verdade, ele não as deferiu, pois não achou que a emenda violava a cláusula pétrea. No entanto, dali por diante a corte entendeu que poderia conhecer. Ou seja, que tem poder para, de fato, fazer esse controle de constitucionalidade de emendas que, se promulgadas, poderiam violar as cláusulas pétreas.

ConJur — Qual caso mais lhe chamou a atenção?
Evandro Proença Süssekind —
Foi o último Mandado de Segurança, o de número 32.033. É o mais enigmático de todos. É o único que estudei que não trata do controle preventivo de constitucionalidade de emendas, mas de leis ordinária. Ele demonstra como esse controle pode evoluir no futuro. Nesse caso, somente os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli votaram a favor.

ConJur — O que o Mandado de Segurança questionava?
Evandro Proença Süssekind —
Um projeto de lei para que o parlamentar, quando mudasse de partido, pudesse levar consigo o tempo de TV e a verba eleitoral. O ministro Gilmar estava revoltado com isso porque há pouco tempo o STF havia julgado uma ação direta de inconstitucionalidade sobre o mesmo assunto. E os parlamentares, inconformados com a decisão, apresentaram um projeto de lei para tratar novamente do tema.
Na ocasião, o ministro disse que não fazia sentido o Supremo julgar de novo àquela questão. O curioso nesse caso é que podemos passar do controle preventivo das propostas de emendas para o controle preventivo de projetos de leis. Não passamos. Ao final, diversos ministros, como Ricardo Lewandowski e Teori Zavaski, disseram que o STF não poderia fazer o controle preventivo de lei justamente porque o artigo 60, parágrafo 4º, diz “não serão aceitas emendas tendentes a abolir cláusulas pétreas”. Mas veja: agora estamos a discutir se é possível ou não o controle preventivo de leis. Já se aceitou o controle preventivo de emendas. Estamos começando a virar a página de algo que sequer está pacífico.

ConJur — A consulta ao STF por meio Mandado de Segurança não seria uma forma de o parlamentar evitar que o projeto tenha a constitucionalidade arguida depois que o texto for promulgado?
Evandro Proença Süssekind —
Isso poderia ser alegado. E de fato o ministro Marco Aurélio, em um dos julgados, argumentou que isso não viola a autonomia do Congresso, tendo em vista que é o próprio congressista quem está entrando com o Mandado de Segurança. Mas se observarmos bem, não é o Congresso que está entrando. Geralmente é um parlamentar inconformado. Ao mesmo tempo que isso é possível (evitar o questionamento da lei depois da promulgação), será que não gerará um incentivo grande para que os parlamentares prefiram fazer o controle de constitucionalidade e abandonem, aos poucos, o controle repressivo? É tudo uma possibilidade. O ponto chave do trabalho é que a Assembleia Nacional Constituinte não previu isso e que talvez tenha problemas a argumentação dos ministros do STF de que talvez esse protagonismo venha do arcabouço institucional da própria Constituição.

ConJur — O que mais lhe impressionou nesse trabalho?
Evandro Proença Süssekind —
Foi o julgado, após a Constituição de 1988, no qual o então ministro Moreira Alves se vê preocupado com a interpretação do seu voto no Mandado de Segurança 20.257, o primeiro de todos esses casos. Ele se mostrou preocupado com o avanço do Supremo no controle preventivo com base no precedente dele. Achei esse julgado especial porque vemos o criador do caso paradigmático mostrar que não via isso com bons olhos.

ConJur — Na sua avaliação, essa consulta prévia não evidencia certa desqualificação do parlamento no controle preventivo por meio das CCJs?
Evandro Proença Süssekind —
Pessoalmente vejo nisso um grande erro de cálculo. No curto prazo, é uma alternativa. O parlamentar pode ingressar no STF e conseguir impedir que uma emenda seja votada. Mais uma vez lembro que o Supremo não fez esse uso desse poder. Só admitiu que tem esse poder. Ele conheceu as ações, mas não as deferiu. Então, em curto prazo, isso se mostra um instrumento fácil para conseguir trancar a votação de uma emenda. Mas, a longo prazo, se o Supremo puder fazer a análise de todas as emendas, isso não indicará uma perda do Congresso como um todo para o Supremo Tribunal Federal, feita pelas mãos dos próprios congressistas?

ConJur — Na sua avaliação, essa situação quebra o equilíbrio entre os Poderes?
Evandro Proença Süssekind —
É difícil responder isso. Cada um vai argumentar de uma maneira. Se o próprio Congresso vem às portas do Supremo com Mandado de Segurança, os ministros podem dizer que não existe uma causa interna corporis do Congresso. Os congressistas que terão as emendas de suas autorias sendo analisadas pelo STF, porque um parlamentar inconformado ou a oposição entrou com Mandado de Segurança, vão ter uma opinião diferente. Então depende do lado que você está.

ConJur — O Mandado de Segurança, nesse caso, seria então mais um instrumento para fazer valer a vontade das oposições?
Evandro Proença Süssekind —
Também depende. Muitos diriam que não, pois, apesar de o STF aceitar que tem a competência de fazer o controle preventivo por meio de Mandado de Segurança, ainda não houve um caso no qual ele disse que havia inconstitucionalidade. Até agora o Supremo conheceu (os mandados), mas não os deferiu por entender que a questão não violava cláusula pétrea. Contudo, ao admitir que tem o poder de fazer, deixou a entender que está à espera de um dia receber um caso que realmente contenha a violação.

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