Jurisprudência Fiscal

Carf, a revisão judicial de suas decisões e outras questões tributárias

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

19 de fevereiro de 2015, 7h00

Spacca
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz [Spacca]A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional foi provocada a se manifestar sobre proposta de Delegacia da Receita Federal, que aventou medida judicial a ser tomada contra decisão do Conselho de Contribuintes, atualmente Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Em questão, um acórdão que cancelou uma autuação fundamentando-se em erro na indicação do sujeito passivo, decisão que alegadamente teria cometido um erro na aplicação do direito.

Inicialmente a PGFN manifestou-se pela suspensão de qualquer medida, no aguardo do julgamento do RE 535.077; momento em que o STF se pronunciaria sobre decisão do STJ no MS 8.810, que concedeu a segurança para determinar que o Ministro da Fazenda se abstivesse de processar, a título de controle administrativo (artigos 19 e 20 do DL 200/67), recurso hierárquico para cassar decisão do antigo Conselho de Contribuintes em outro caso. Então, a análise constitucional do STF no RE 535.077 seria se o STJ suprimiu a competência que tem um ministro de Estado para exercer a supervisão dos órgãos de sua competência (artigo 87, parágrafo único, ‘I’, do artigo 87 da CRFB/88).

Todavia, como o STF negou seguimento ao RE, aduzindo que a “controvérsia não transborda os limites do âmbito infraconstitucional”, a PGFN arrematou agora sua manifestação sobre a questão, endossando análise interna apontando a inviabilidade de ser proposta medida judicial contra Acórdão do Carf no caso concreto apresentado, principalmente para preservar a segurança jurídica dos contribuintes; assim fundamentada:

Nota PGFN/CRJ 118/2015 (publicada em 10.02.2015)
“5. Com a negativa de seguimento do RE 535.077, restou mantido o acórdão proferido pela 1ª Seção do STJ no MS 8810/DF e consagrada a tese de que o mérito das decisões proferidas pelo então Conselho de Contribuintes, hoje Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, não pode ser objeto de recurso hierárquico dirigido ao Ministro de Estado da Fazenda.  

6. Assim, descartada a hipótese de recurso hierárquico ao Ministro da Fazenda, cabe a esta PGFN definir se dará concretude à possibilidade de a União questionar judicialmente o mérito de decisões definitivas proferidas pelo CARF.

7. E desde logo pode adiantar-se que o entendimento desta PGFN é no sentido de que a suspensão dos atos mencionados no item 4 da presente Nota deve perdurar. (…)

9. A afirmação do item anterior se alicerça no fato inegável de que, uma vez que o contribuinte obtivesse uma decisão definitiva favorável aos seus interesses no âmbito do processo administrativo fiscal, restar-lhe-ia, por pelo menos cinco anos, uma dúvida fundada se ele poderia vir a ser acionado judicialmente pela União, tendo por objeto dessa ação a exigência do mesmo tributo do qual ele fora desonerado administrativamente. 

10. A insegurança daí decorrente seria evidente e os custos inerentes a ela não seriam desprezíveis. Para um sistema tributário já deveras complexo e que demanda custos elevados de compliance, não há necessidade de se acrescentar novos elementos que agravem esse quadro.  

11. Para a administração tributária, a aplicação dos atos da PGFN também seria um elemento de desassossego. Diz-se isso porque seria tentador a cada derrota sofrida no CARF, a PGFN levar a questão para a apreciação do Poder Judiciário, contribuindo para a já elevada litigiosidade, justamente na contramão do que preconiza o Planejamento Estratégico da PGFN e a prática deste órgão (vide PORTARIA PGFN/Nº 294/2010).  

12. Tais elementos justificam a necessidade de que os atos mencionados no item 4 da presente Nota permaneçam suspensos.  

13. Esclareça-se, por fim, que não se sugere a revogação das Notas e da Portaria acima aludidas, pois permanece a convicção de que elas veiculam entendimento jurídico escorreito. Tal, todavia, não elide outra convicção da mesma envergadura, no sentido de que a aplicação dos referidos atos seria mais danosa ao interesse público do que a suspensão dos seus efeitos. (…).”

7. Pelo exposto, não há viabilidade de adoção de qualquer medida judicial contra a decisão proferida pelo Conselho de Contribuintes, atual CARF, em relação ao Auto de Infração (AI) nº 0716600/00153/00, pelo que se sugere o envio da presente nota, juntamente com os autos do Processo Administrativo nº 10768.005993/2001-87 à Divisão de Controle e Acompanhamento Tributário – Dicat, da Delegacia Especial da Receita Federal do Brasil de Maiores Contribuintes do Rio de Janeiro – Demac/RJO (Superintendência Regional da 7ª Região Fiscal – SRRF07), para ciência e adoção das medidas que entender cabíveis.


Serviço de advocacia estrangeira
Turma do Carf julgou caso de PIS e Cofins importação, especificamente a parte de uma autuação que versou sobre uma prestação de serviço advocatício que teria resultado em benefício para um exportador, hipótese de incidência que se enquadraria no inciso II, parágrafo 1º, artigo 1º da Lei 10.865/04 (“os serviços a que se refere o caput deste artigo são os (…) executados no exterior, cujo resultado se verifique no País”).

O contribuinte argumentou que o serviço foi prestado para viabilizar receita de exportação, que é imune (inciso I, parágrafo 2º, artigo 149 da CRFB/88), e assim a autuação indiretamente tributou a parte da receita da exportação destinada a fazer frente à despesa. Também apontou que juridicamente não poderia haver importação de tal serviço, pois era um escritório de advocacia estrangeiro que não tinha autorização da OAB para consultar no que tange ao direito brasileiro; ficando claro que o serviço foi de consultoria de direito estrangeiro, para cliente sediado no exterior, real beneficiário do serviço.

Todavia a Turma manteve a autuação, considerando que o contribuinte brasileiro foi quem se beneficiou do resultado do serviço, não apreciando a questão suscitada da imunidade; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 3302-002.777 (publicado em 12.02.2015)
IMPORTAÇÃO DE SERVIÇOS – SERVIÇOS JURÍDICOS – INCIDÊNCIA

As empresas brasileiras que operam internacionalmente e precisam consultar advogados locais para a prestação de seus serviços, incorrem na importação dos serviços jurídicos para obter os necessários conselhos legais. O resultado do serviço jurídico importado é usufruído no Brasil pela empresa que o solicitou. O ato de os escritórios estrangeiros não atuarem nas leis brasileiras não influencia o serviço contratado, vez que a empresa pretende, justamente, atuar em outros países.

Voto (…)

Os serviços jurídicos contratados, por sua vez, tiveram sua tributação justificada em razão de serem correlatos às operações administrativas da Recorrente. (…)

Não concordo com a alegação de que este serviço é tributado por ser correlato ao transporte internacional de mercadorias, a meu sentir é serviço individualizado e deve ser desta forma analisado.

Entretanto, concordo com a alegação da decisão recorrida de que o serviço jurídico é aproveitado, usufruído no Brasil, inclusive que produz resultados para a empresa brasileira. Neste aspecto, o fato de os advogados estrangeiros não poderem analisar a legislação brasileira ou atuar no Brasil não faz qualquer diferença, até porque o que se analisa nos presentes autos é justamente a importação de serviços jurídicos.

Parece-me evidente que os consultores jurídicos foram contratados para auxiliar a empresa brasileira acerca de suas operações internacionais para o fim de analisar a estratégia negocial da empresa. Os efeitos imediatos deste serviço é exatamente este, munir os executivos da empresa das informações necessárias para a tomada de decisões, neste aspecto, o serviço produz resultados no Brasil e deve ser tributado.


Intimação real
A Lei do Processo Administrativo Fiscal (Decreto-Lei 70.235/72) veicula as regras para os contribuintes do fisco federal terem um domicílio tributário eletrônico, ficando como questão importante o momento em que se daria a intimação e começo de contagem de prazo recursal; havendo a previsão de ocorrer, de forma ficta, com o decurso de 15 dias após a disponibilização da intimação no sistema, independentemente de efetivo conhecimento do contribuinte (alínea ‘a’, inciso III, parágrafo 2º do artigo 23 do DL 70.235/72).

Por conta dessa regra, Turma do Carf não conheceu de Recurso Voluntário por intempestividade; mas o contribuinte acionou o Judiciário, obtendo sentença no sentido de que, mesmo no sistema eletrônico, continua a haver intimação somente com o efetivo conhecimento do contribuinte; assim fundamentada:

Mandado de Segurança 57771-96.2013.4.01.3400 (publicada em 10.02.2015)
O Decreto 70.235, de 1972, dispõe que a intimação por meio eletrônico será feita com prova do recebimento, mediante envio ao domicílio tributário do sujeito passivo, devendo ser realizada com prazo de 15 dias a partir da data do comprovante de entrega (art. 23, inciso III, “a” e § 2º, inciso III, “a”). Já nos termos da Portaria 259/2006, considera-se domicílio tributário a caixa postal disponibilizada no Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte (e-CAC), desde que haja autorização do sujeito passivo (art. 4º, inciso I, e § 1º e §2º – fls. 80-1).

2.- No caso, a própria Autoridade afirma que o Impetrante tomou conhecimento do ato vergastado em 29 de novembro de 2012 (“Intimação de Resultado de Julgamento”), as 16:41h, mediante a abertura dos arquivos correspondentes no link relativo ao processo digital, tudo por meio do Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte (Portal e-CAC) (fls. 83).

3.- Assim, não há a menor dúvida de que foi em 29 de novembro de 2012 que a Impetrante foi devidamente intimada, momento esse que deve ser considerado como de efetiva intimação, nos termos do Decreto 70.235, de 1972.

4.- Portanto, não procede a conclusão da Autoridade Impetrada no sentido de que: “Disponibilizada a intimação do resultado de julgamento em 15/10/2012, a ciência se verificou, por decurso do prazo legal, em 30/10/2012, de modo que o recurso voluntário deveria ter sido apresentado até 29/11/2012” (fls. 83). (…)

Acrescento que, nos termos do Decreto 70.235/1972, a intimação do contribuinte somente ocorre quando da entrega da correspondência, mediante comprovante de entrega e, no modo de intimação virtual, nos termos da Portaria 259/2006, este momento continua sendo o do efetivo conhecimento do contribuinte, que, no caso, de fato ocorreu com a abertura do arquivo correspondente à sua intimação em 29/11/2012 (fl. 83).


Decisões variadas
a) No Acórdão 3802-003.953 (publicado em 09.02.2015), Turma do Carf enquadra situação como desacato, para fins de multa; assim ementado: “o proferimento de impropérios contra a autoridade aduaneira caracteriza o desacato, sujeitando-se, pois, o agente, à multa capitulada no inciso III do artigo 107 do Decreto-lei 37, de 1966”.

b) No Parecer PGFN/CRJ 121/2015 (publicado em 02.02.2015), a PGFN analisa qual a medida cabível contra decisão de Presidência de Tribunal que (a) nega seguimento a Recurso Especial ou Extraordinário, com aplicação equivocada das teses firmadas nos Acórdãos representativos de controvérsia para fins de Repercussão Geral e Recurso Repetitivo (Arts. 543-A, B e C do CPC), e (b) simultaneamente inadmite o recurso interposto quanto às outras matérias; sendo produzida a orientação de ser superada a unirrecorribilidade e interpostos dois recursos, caso existam capítulos autônomos; assim resumida: “sugere-se que as unidades da PGFN, interponham, simultaneamente, mas, (a) em primeiro lugar, o agravo regimental, no âmbito do tribunal a quo, para impugnar a aplicação incorreta do precedente, e, (b) após, porém dentro do devido limite do prazo legal de 20 dias, interponham o agravo do art. 544 do CPC para o tribunal superior, a fim de atacar a inadmissibilidade do recurso, com eventual ratificação do agravo do art. 544 do CPC após o julgamento do agravo regimental pelo tribunal de origem, caso se revele necessário”.

Autores

  • é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

  • é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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