Base frágil

Caso nos EUA expõe riscos da delação premiada, dizem especialistas

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18 de fevereiro de 2015, 13h36

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"Quem pode comprar a liberdade com a palavra dirá a palavra que quiserem ouvir". A afirmação é do advogado Arnaldo Malheiros Filho (foto), do Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado Advogados, ao comentar o caso nos Estados Unidos em que um assassino teve sua imunidade garantida após delatar uma inocente. De acordo com especialistas consultados pela revista Consultor Jurídico, o caso mostra os perigos da delação premiada e reforça o entendimento de que os depoimentos não devem ser a única base para uma condenação, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.

Na história ocorrida nos EUA, os exames de DNA provaram a inocência de uma mulher, depois de ela passar 13 anos na prisão. E que o verdadeiro culpado era seu ex-namorado. No entanto, os promotores não puderam processá-lo, porque haviam garantido a ele imunidade, em troca de seu testemunho contra ela no julgamento.

Para a advogada Sônia Ráo, do Ráo, Pires e Chaves Alves Advogados, "o inusitado dessa notícia — e o impacto que ela provoca — reside no fato de retratar um acontecimento verídico. Não estamos diante de uma discussão teórica sobre os vários aspectos que envolvem o instituto da delação premiada. É a realidade se sobrepondo às suposições, e nos lembrando que as delações são feitas por seres humanos, com todas as suas imperfeições. Desacompanhadas de provas sólidas, podem sim causar impunidade, injustiças e tragédias".

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Incompetência do Estado
Para o jurista Lenio Streck a delação premiada é uma resposta "eficientista" para o problema da incompetência do Estado em combater o crime. Ou, como ele mesmo define, um modo de cortar caminho. "É como as universidades que, em vez de colocarem professores competentes, dão aos alunos a possibilidade de delatar seu professor sem se identificar. É o incentivo para que os alunos não assumam suas responsabilidades", compara. 

Segundo Streck, o caso noticiado pela ConJur não é incomum pois o mote aplicado nessas situações é o de que os fins justificam os meios. "É o utilitarismo penal. Só que as vezes os fins são falsos. Pode haver vingança por parte do delator. E até pode fazer chantagem. Há pouco controle sobre a delação nos EUA. O controle maior é o das eleições do Procurador, na maioria dos casos".  No Brasil, o jurista aponta que a delação vem apresentado problemas, como, por exemplo, as informações do delator serem desmentidas pelos delatados.

A falta de controle a delação premiada faz o jurista levantar uma série de questões: "Poderia o delator receber prêmios (já que é esse o nome do instituto) sem que a finalidade tenha efetivo fundamento? Qual é o controle sobre o objeto das delações? E se não forem confirmadas? Basta um depoimento para condenar alguém? Por exemplo, nos EUA o testemunho foi suficiente. O delator tem presunção de veracidade? Por que, por exemplo, alguém que poderia ser condenado a 200 anos recebe uma benesse de uma pena de menos de cinco anos? E por que não dez anos? Qual é o critério? Qual é o tamanho da régua do MP? Qual é o controle social sobre as delações? Em um país que até hoje não conseguiu criar critérios para aplicar a insignificância no furto, por que acreditar que conseguiremos construir critérios para controlar a delação premiada?," conclui.

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Outras provas
O criminalista Alberto Zacharias Toron (foto), do Toron, Torihara & Szafir Advogados, afirma que o caso americano demonstra com clareza os perigos de se alicerçar uma condenação com base apenas na delação. "Não por acaso, o Pleno do nosso Supremo Tribunal Federal tem importante precedente indicando que 'a delação de corréu e o depoimento de informante não podem servir como elemento decisivo para a condenação, notadamente porque não lhes são exigidos o compromisso legal de falar a verdade' (AP 465/DF, rel. Min. Carmén Lúcia, DJ 30/10/2014)", lembra. 

Na opinião de Toron, a decisão do Supremo é clara no sentido de que não se pode confiar na delação sem outros elementos de prova. Entretanto, para ele, o que o ocorre nas ações penais, como a operação "lava jato", é exatamente o contrário. "Há caso em que se processa determinada pessoa porque produziu notas fiscais para viabilizar pagamentos de propina, mas outra pessoa, com conduta idêntica, vem a ser ouvida como testemunha e, no Brasil, do quanto se saiba, a outorga deste tipo de imunidade processual não tem lugar. O princípio da obrigatoriedade é o que vigora entre nós", complementa Toron, que defende executivos da empreiteira UTC Engenharia na "lava jato". 

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O advogado Rodrigo Dall'Acqua (foto), sócio do Oliveira Lima, Hungria, Dall'Acqua e Furrier Advogados, aponta que é preciso cautela no uso da colaboração premiada. "Qualquer testemunho prestado por meio de recompensa deve ser ser visto com extrema cautela pelo Judiciário e nunca, jamais, pode servir de base para uma condenação criminal. O Estado deve saber que sempre pode estar sendo ludibriado ao barganhar com um criminoso que busca benefícios legais."

No entendimento do promotor de Justiça André Luis Mello há um erro técnico restringir a 'colaboração premiada' apenas à delação, pois ela atualmente engloba também a confissão. "Ou seja, não é apenas delatar outros, mas confessar. O primeiro passo para alguém querer ser 'ressocializado' é confessar seus pecados (crimes). A Lei fala atualmente em colaboração premiada e não apenas em delação premiada".

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