Retrospectiva 2015

Novas regras eleitorais não substituem reforma profunda e necessária do sistema

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30 de dezembro de 2015, 10h49

O ano de 2015 para o Direito Eleitoral ficará marcado como um daqueles em que o Congresso Nacional frustrou-se em fazer reformas profundas no sistema eleitoral, mas editou normas jurídicas em abundância. As Leis 13.107/15 e 13.165/15 despejaram regras novas no cenário eleitoral. A primeira delas alterou dispositivos da Lei 9.096/95. A segunda, fez dezenas de intervenções na Lei 9.096/95, na Lei 9.504/97 e no Código Eleitoral, além de fixar em seu corpo algumas regras permanentes.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, manteve o protagonismo das grandes intervenções no sistema eleitoral, destacando-se a proibição de doações de pessoas jurídicas a partidos e candidatos. A Justiça Eleitoral tomou algumas decisões relevantes, a principal delas sendo a de seguir adiante com a marcha do processo que avalia o cometimento de infrações pela campanha da presidente e do vice-presidente da República.

Acerca das inovações legislativas mencionadas, no breve espaço desta retrospectiva, cabe apenas registrar as mais destacadas, eis que foram dezenas de comandos novos introduzidos e outros tantos revogados.

Uma primeira grande linha de mudanças está nas regras que se voltaram ao encurtamento do período eleitoral, voltando-se à redução do período de campanhas, no afã de reduzir despesas. Antes começada em julho, a batalha por votos agora tem linha de partida em 15 de agosto. Assim se fez porque os gastos nas disputas de 2014 alcançaram montantes estratosféricos, tornando a atividade de captação de recursos tão ou mais importante que a própria busca de votos. O Congresso, à vista disso, buscou reduzir os custos dos candidatos, fazendo com que as campanhas tivessem início posterior e fossem ainda mais restritas em possibilidades que as precedentes. As formas de propaganda estão cada vez mais escassas: comícios, caminhadas, imprensa escrita, rádio e televisão, internet, fundamentalmente.  Mas, cada uma dessas atividades de postulação de votos é disciplinada em pormenores que têm recebido críticas, já que restringem demasiado a liberdade de atuação de candidatos. Receia-se que as campanhas tendam à monotonia e que a participação popular seja severamente estreitada, com benefício de nomes com maior visibilidade (políticos tradicionais, sindicalistas, artistas, esportistas etc.). Além disso, a principal despesa das campanhas, a publicidade em rádio e televisão, foi ampliada em tempo (embora concentrado em um período menor), o que trafega no sentido de aumento das despesas, não de sua redução.

Outro eixo dessa reforma foi o da eliminação das fontes de recursos e limitação de despesas. Agora só doações privadas de pessoas naturais são aceitas. O Congresso até deixou a permissão de doação de pessoas jurídicas a partidos políticos, sob certos limites, mas isso recebeu o veto da Presidência da República, posteriormente mantido no Legislativo, na linha de decisão do Supremo Tribunal Federal. Assim, as pessoas jurídicas estão terminantemente proibidas de doar, inclusive em razão de deliberação da Suprema Corte, o que torna dita vedação difícil de ser superada inclusive por emenda constitucional.

Ainda nessa faixa de mudanças, merece nota que as despesas eleitorais terão seus limites fixados pela Justiça Eleitoral com base em premissas objetivas fixadas pela lei, o que impedirá que esses gastos sigam a trajetória ascendente que vinham traçando. O limite de dispêndios será calculado a partir dos maiores gastos declarados nas eleições anteriores: 70% nas eleições decididas em um só turno; 50% nas eleições decididas em dois turnos. Onde houver segundo turno, será permitido o acréscimo de mais 30%. Nos municípios de até 10 mil eleitores, os gastos serão de até R$ 100 mil nas eleições para prefeito e R$ 10 mil para vereador. Nas eleições para vereador das demais localidades e para deputados, os gastos corresponderão a até 70% da campanha mais cara declarada das eleições precedentes.

Também nessa seara, os partidos, candidatos e coligações deverão divulgar em site da Justiça Eleitoral os recursos recebidos para as campanhas até 72 horas após o recebimento, e, em 15 de setembro, deverão apresentar relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário, os valores recebidos em dinheiro ou nele estimáveis e os gastos realizados. As prestações de contas de campanha em valores limitados a R$ 20 mil, bem como aquelas das eleições municipais em unidades com menos de 50 mil eleitores, serão apresentadas em sistema simplificado, formatado pela Justiça Eleitoral. As contas dos candidatos eleitos deverão ser julgadas até três dias antes das eleições e não mais até 8 dias antes.

Em um outro pedaço relevante das reformas, está a busca de uma ordenação mínima das mudanças de partido. Aquilo que era estabelecido na Resolução 22.610 do TSE, passou a ser objeto da própria Lei 9.096/95, fixadas as hipóteses de migração (mudança substancial ou desvio reiterado de programa partidário e grave discriminação pessoal) e um período de mudança facultada (30 dias no sétimo mês anterior às eleições). O prazo de filiação exigido dos candidatos passou a ser o de 6 meses antes do pleito e não mais o de um ano. A fundação de partido político, assim como a fusão e a incorporação de agremiações, deixaram de ser hipóteses de perda de mandato eletivo. O STF, no entanto, as manteve por força de liminar.

Também ficou posto que em caso de cassação de registro ou diploma de vencedores de eleições majoritárias, deve ser realizada nova eleição, com o que se afasta o deficit democrático da prática atualmente vigente, de entregar ao candidato derrotado a administração, caso o vencedor seja eleitoralmente afastado.

A nova legislação estabeleceu a previsão de voto impresso, que foi vetada pela Presidente da República, sendo, no entanto, o veto derrubado pelo Congresso Nacional. Dessa forma, até as próximas eleições gerais (2018), essa providência deverá ser adotada.

Foi fixado que o candidato precisará obter um percentual igual ou superior a 10% do quociente eleitoral para preencher vaga que cabe ao partido, aplicando-se  a sistemática do cálculo de sobras para as vagas remanescentes. Para a suplência, não se aplica essa exigência de votação nominal mínima. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, suspendeu esses comandos. Valem, por enquanto, as regras anteriormente estabelecidas.

Haverá voto em trânsito em urnas especiais situadas nas capitais e nos municípios com mais de 100 mil eleitores nas eleições gerais. Os votos serão para todos os cargos em disputa e não mais apenas para Presidente da República, se o eleitor estiver dentro do mesmo Estado em que inscrito. Caso esteja fora, poderá votar na eleição presidencial.

Ficou posto que é vedada a realização de despesas de publicidade de órgãos oficiais no primeiro semestre do ano eleitoral que exceda a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos.

Esclareceu-se que a contratação de pessoal para as campanhas eleitorais não gera vínculo empregatício, devendo os contratados recolher suas obrigações à previdência como contribuintes individuais.

Também está fixado que os recursos ordinários interpostos contra decisões de juízes eleitorais e Tribunais Regionais Eleitorais que resultem em cassação de registro ou diploma, afastamento de titular ou perda de mandato eletivo serão recebidos pelo tribunal competente com efeito suspensivo.

Além desses destaques legislativos — alguns, dentre dezenas de mudanças introduzidas pela nova legislação — é preciso realçar a atuação do Supremo.

Os cargos majoritários não estão sujeitos à regra da perda de mandato por infidelidade partidária, segundo decisão proferida pela Excelsa Corte na ADI 5.081.

O STF decidiu que as doações privadas de campanha e para os partidos, se realizadas por pessoas jurídicas, são inconstitucionais (ADI 4.650). Com isso, toda a estrutura de financiamento eleitoral terá de ser remodelada. A Lei 13.165/15, em confronto com esse posicionamento, chegou a prever a possibilidade de doações para partidos políticos como forma de subsidiar o funcionamento dessas instituições e das campanhas, mas o dispositivo foi vetado pela Presidência da República, ficando este veto mantido pelo Congresso Nacional.

O STF também manteve válidas regras da Lei 13.107/15 que vedavam que eleitores filiados a um partido político pudessem ser considerados na lista de apoiadores da fundação de um novo grêmio e que partidos pudessem ser fundidos ou incorporados antes de cinco anos de existência (ADI 5.311).

O Supremo entendeu inconstitucionais as regras da Lei 12.875/13 que restringiam acesso de partidos novos, criados após as eleições para a Câmara Federal, ao Fundo Partidário e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão (ADI 5.105). Assim, os partidos novos terão contabilizados os seus deputados federais no cálculo das parcelas do mencionado fundo e do espaço de propaganda gratuita, sem distinção em relação aos partidos mais antigos.

Foi decidido pelo STF, no RE 843.455, que o prazo de desincompatibilização de seis meses também se aplica às eleições suplementares. Embora a situação tratada nos autos fosse de inelegibilidade (dizia respeito à candidatura de cônjuge virago à sucessão do varão), o precedente modifica — ou abre portas à modificação — do tratamento dado às inelegibilidades em eleições suplementares.

Na ADI 5.398, o ministro Luiz Roberto Barroso concedeu liminar para permitir que parlamentares possam migrar de partidos nos 30 dias subsequentes à fundação respectiva. Tal hipótese, prevista pela Resolução 22.610, havia sido excluída pela Lei 13.165/15.

O Supremo iniciou, nos autos do ARE 785.068, julgamento no qual se discute o alcance da inelegibilidade prevista pela Lei Complementar 135. Discute-se se a inelegibilidade decorrente de condenação por abuso de poder teria natureza de sanção e, tendo, se uma vez cumprido o prazo de três anos previsto na condenação, poderia ser ele ampliado para 8 anos, por força da redação da Lei da Ficha Limpa. O relator, ministro Ricardo Lewandowski, votou pela limitação da inelegibilidade, nesses casos, no que foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes, estando o julgamento interrompido por pedido de vista do ministro Luiz Fux.

O Supremo deferiu o pedido de liminar feito na ADI 5.394, suspendendo os efeitos de regra da Lei 9.504/97, com redação dada pela Lei 13.165/15, que permitia aos partidos transferir recursos para campanhas eleitorais, sem indicar a procedência, quais teriam sido os doadores.

O ministro Dias Toffoli, na ADI 5.420, suspendeu, monocraticamente, os dispositivos da Lei 13.165/15, que alteraram o Código Eleitoral e fixaram a necessidade de um percentual mínimo de 10% dos votos do quociente eleitoral para que o candidato possa ser eleito.

No âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, merecem ser sublinhadas as decisões que admitiram o registro de novos partidos políticos: o Partido Novo, a Rede Sustentabilidade e o Partido da Mulher Brasileira. Com eles, o sistema partidário brasileiro passa a contar com 35 agremiações registradas.

Também no âmbito do TSE tem importância o julgamento de agravo regimental em ação de impugnação de mandato eletivo no qual ficou decidido que a presidente e o vice-presidente da República devem responder a essa ação. Trata-se, sem sobra de dúvidas, da ação eleitoral mais importante do país, que terá os olhos da sociedade fixos em seu processamento e julgamento.

Que 2016 traga as suas novidades e que todas elas sejam a bem da democracia.

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