Retrospectiva 2015

Crise testou o respeito do país à Constituição Federal e às instituições

Autores

  • Luís Roberto Barroso

    é ministro do Supremo Tribunal Federal professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor visitante do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

  • Aline Osorio

    é mestre em Direito Público pela UERJ e assessora de ministro do Supremo Tribunal Federal.

28 de dezembro de 2015, 12h20

PARTE I
*(Clique aqui para ler a segunda parte deste texto)

A RAZÃO E AS PAIXÕES

1. A vitória das instituições
Foi um ano difícil para todo mundo, na política, na economia, nos tribunais e na sociedade. Todos dominados pela sensação melancólica de que a vida ficou pior e mais confusa, com litígios em todos os níveis. Crises são o grande teste para a Constituição e para as instituições que ela cria. Constituições e instituições existem para nos proteger de vendavais, tempestades e enchentes. Todas as democracias estão sujeitas a intempéries. O que diferencia as grandes nações das republiquetas é o modo como lidam com os infortúnios inevitáveis. Sob esse aspecto, por paradoxal que pareça, foi um ano de grande sucesso. Em outras épocas, tentações golpistas, messiânicas e populistas já teriam aflorado, e a legalidade constitucional teria sucumbido. Isso já não acontece mais! Varremos os aventureiros desastrados para a margem da história. A crise assustadora que nos assombrou em 2015 encontrou um país que amadureceu e superou diversos ciclos do atraso institucional. Na vida sempre há o que comemorar.

É verdade que a economia desandou e a política nos desagregou.  Porém, demos o primeiro passo para mudar o patamar ético do país. E o primeiro passo para curar qualquer doença é o diagnóstico certo. Uma combinação lamentável entre mediocridade, esperteza e desrespeito às normas éticas e jurídicas nos trouxe até aqui. Estamos infelizes com o que somos e queremos mudar. É um bom começo, mas não é fácil. Todos acham que quem precisa mudar são os outros. Por isso, continuam a cobrar preços diferentes com nota ou sem nota, colocam valores subfaturados nos imóveis que vendem, deixam os filhos dirigirem sem carteira antes da idade legal e não assinam a carteira da empregada doméstica. Nos debates públicos, não apresentam ideias ou argumentos, mas insultos e provocações. Pior: quando chegam nos cargos de poder, tornam-se as pessoas contra quem nos advertiam. Precisamos mudar na ética pública e na ética privada. Precisamos melhorar como sociedade, como povo, como projeto civilizatório. A verdadeira transformação virá quando introjetarmos um dos melhores insights do grande libertador pacifista que foi Mahatma Ghandi: “Seja você a mudança que deseja para o mundo”.

2. Judicialização sem ativismo
Para entender a atuação do Supremo Tribunal Federal no Brasil dos últimos anos, é imperativo compreender a distinção que existe entre judicialização e ativismo judicial. Judicialização significa que algumas das grandes questões sociais, políticas e morais da sociedade estão tendo o seu último capítulo (às vezes, até o primeiro) de discussão perante os tribunais. É um fenômeno mundial, em alguma medida, e que no Brasil é potencializado por duas circunstâncias: (i) uma constitucionalização abrangente e (ii) um sistema de controle de constitucionalidade que permite que quase todas as questões constitucionais sejam levadas ao Judiciário. De fato, constitucionalizar uma matéria significa, de certa forma, retirá-la da política e trazê-la para o Direito. E a Constituição brasileira assim fez, ao cuidar dos temas mais variados com grande grau de detalhamento. Além disso, um longo elenco de legitimados pode propor ações diretas perante o STF para discutir praticamente qualquer questão. E o Tribunal não pode negar jurisdição e recusar-se a apreciar o processo. Sem surpresa, a vida brasileira se judicializou de fora a fora, do impeachment à importação de pneus. A judicialização, portanto, é um fato, decorrente do arranjo institucional brasileiro. Quase tudo pode ser judicializado.

Porém, a despeito da judicialização ampla, o STF, como regra geral, não é ativista, mas autocontido. As pessoas nem sempre percebem, mas na grande maioria dos casos, embora a matéria chegue à Corte, ela mantém a decisão política do Legislativo ou do Executivo. Foi assim com pesquisas com células-tronco embrionárias, cotas raciais ou a Lei da Copa, em que se preservou a validade da lei editada; foi assim, igualmente, com a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, quando se validou a portaria do ministro da Justiça, homologada pelo Presidente. A compreensão desta distinção entre judicialização e ativismo, que nem é tão sutil, é indispensável para interpretar adequadamente o que se passa no Brasil.

3. A razão serena
Fizemos muito progresso nesses 30 anos de poder civil e democracia. Mas o terceiro-mundismo e o subdesenvolvimento ainda cobram o seu preço. Um deles se materializa na seguinte atitude: se a lei atender ao meu interesse, ela deve ser cumprida adequadamente e quem a aplica é bom. Se a lei não atender ao meu interesse, ela não precisa ser cumprida e quem a aplica é mau. Ainda precisamos de algum tempo para superar este déficit civilizatório e espiritual. Em meio à turbulência das paixões políticas e desatinos verbais que elas deflagram, o Supremo Tribunal Federal contribuiu para manter o domínio da razão e da serenidade.

Quem defendia o impeachment queria que o Tribunal mudasse as regras fixadas em 1992, de modo a facilitar a destituição da presidente. Quem defendia a permanência da presidente desejava que o Tribunal criasse novas dificuldades, para inviabilizar o afastamento da presidente. A maioria expressiva dos ministros, no entanto, optou por seguir à risca, sem desviar um milímetro, a jurisprudência e os ritos que valeram para o impeachment  do presidente Collor. E devolveu o assunto para a política. Regras claras, estáveis e definidas anteriormente aos fatos são componentes essenciais da segurança jurídica e do Estado Democrático de Direito. Sempre lembrando que a Constituição e as leis existem, sobretudo, para proteger os adversários.

Há mais de uma década escrevo esta retrospectiva acerca do ano no direito constitucional e no Supremo Tribunal Federal. A deste ano foi elaborada com a colaboração valiosa de Aline Osório, uma das alunas mais brilhantes que tive ao longo dos anos, e que trabalha como minha assessora no Tribunal. Dividimos o texto em duas partes. A Parte I traz uma reflexão sobre dois temas que assinalaram a atuação do STF este ano: as interações com outros Poderes e a proteção dos direitos fundamentais. A Parte II contém a seleção de alguns dos principais casos julgados pelo Tribunal em 2015, com um breve resumo da hipótese e do que foi decidido. Elas podem ser lidas autonomamente.

Parte I

O STF entre a pauta “quantitativa” e a “qualitativa”
O Supremo Tribunal Federal recebe e julga milhares de processos por ano. Em 2015, os 11 ministros da Corte receberam 93 mil novos processos[1] e proferiram pouco mais de 116 mil decisões, sendo cerca de 98,3 mil monocráticas e 17,7 mil colegiadas[2]. Destas, aproximadamente 96,6 mil decisões (84%) se deram no exercício de competência recursal. Os números demonstram que, do ponto de vista estatístico, o STF é um tribunal recursal e monocrático[3]. Boa parte do tempo e dos recursos escassos dos ministros e de seus gabinetes é gasta para lidar com o “volume”, e isso com pouco proveito para o sistema, já que há dados que indicam que 94,6% das decisões em recursos extraordinários, agravos de instrumento e agravos em recursos extraordinários mantêm as decisões proferidas pelas instâncias inferiores[4]. Apesar de todo o esforço, a Corte ainda possui um acervo de 54,4 mil processos[5].

Por trás desta expressiva judicialização “quantitativa”, esconde-se uma judicialização “qualitativa”, relativa ao julgamento dos casos de maior relevância jurídica, moral, política, econômica e social para o país. É esta última que ganha as páginas dos jornais, que toma conta do debate público e que vira assunto nas redes sociais. É sobre ela que tratará a presente retrospectiva, que, com inevitável dose de subjetividade, apresentará a seleção das decisões mais importantes do ano do Supremo Tribunal Federal, acompanhada de breve comentário geral e de resumo delas.

Em um ano de grandes decisões, a pauta “qualitativa” do STF foi marcada por duas temáticas principais. De um lado, por intensas interações — e, por vezes, tensões — com as instâncias representativas tradicionais, em especial o Poder Legislativo. De outro, pela proteção de direitos fundamentais, com destaque para a tentativa de equacionar a crise do sistema prisional e tutelar os direitos das pessoas encarceradas.

I.1) O STF e interações com os demais Poderes
Em relação à primeira temática, o Supremo Tribunal Federal foi instado, com maior frequência, a ocupar a posição de árbitro dos conflitos entre os Poderes Executivo e Legislativo e entre as diferentes correntes partidárias[6]. Este aumento de “demanda” resultou, em especial, de uma reorganização de forças no quadro político nacional. Neste ano, a fragilidade da Presidente Dilma Rousseff e a ausência de uma sólida base de sustentação do governo foram responsáveis pela desestruturação do modelo de presidencialismo de coalizão[7]. Sem ampla maioria parlamentar, o Executivo enfrentou dificuldades para governar e os conflitos com o Legislativo tornaram-se mais acirrados. Tal cenário conferiu ao Congresso Nacional um protagonismo e possibilidade de controle da agenda política sem precedentes no pós-Constituição de 1988.

Ao longo de 2015, a Câmara dos Deputados e o Senado foram palco de intensas disputas em meio à crise econômica e à necessidade de promover o ajuste fiscal; aos escândalos de corrupção que vieram à tona com a operação Lava Jato; e à imposição de uma pauta conservadora. Em matéria de direitos fundamentais, por exemplo, estiveram em discussão (i) a redução da maioridade penal (PEC 171/1993, já aprovada na Câmara), (ii) o estatuto da família, que define família como a união entre homem e mulher (PL 6.583/2013, também já aprovado na Câmara), (iii) a criação de entraves a novas demarcações indígenas a partir da transferência de competência para o Congresso (PEC 215/2000, aprovada por comissão especial na Câmara), (iv) o restabelecimento do financiamento empresarial de campanhas (PEC 182/2007) e (v) a ampliação da terceirização (PL 4330/2004, aprovada pelo Plenário da Câmara), entre muitas outras. Todas essas proposições normativas ganharam grande cobertura na mídia e nas discussões na sociedade e evidenciam o aumento da influência do Legislativo na vida nacional.

Porém, o maior espaço ocupado pelo parlamento no debate público não foi acompanhado de uma retração do papel do STF no equacionamento das grandes controvérsias. Muito pelo contrário, a Corte foi constantemente chamada a arbitrar as disputas internas e externas do Congresso, muitas vezes por iniciativa dos próprios atores políticos. A título exemplificativo, foi assim com a tentativa de suspensão da tramitação da PEC que reduz a maioridade penal (MS 33.697, Rel. Min. Celso de Mello) e do projeto de lei sobre terceirização (MS 33.557, Rel. Min. Gilmar Mendes). O mesmo ocorreu com o questionamento da votação das contas presidenciais em sessão separada pela Câmara dos Deputados (MS 33.729, Rel. Min. Luís Roberto Barroso), com as impugnações ao relator de procedimento contra o Presidente da Câmara perante o Conselho de Ética (MS 33.927, Rel. Min. Luís Roberto Barroso; e MS 33.942, Rel. Min. Rosa Weber), e com o questionamento da natureza secreta da deliberação sobre a ordem de prisão do Senador Delcídio do Amaral (MS 33.908, Rel. Min. Edson Fachin).

De forma ainda mais acentuada, as forças políticas judicializaram diversas etapas do rito do processo de impeachment perante a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, incluindo (i) a possibilidade de recurso da negativa de seguimento a denúncias (MS 33.558, Rel. Min. Celso de Mello), (ii) a validade do ato do Presidente da Câmara dos Deputados que disciplinou o procedimento naquela Casa (MS 33.837, Rel. Min. Teori Zavascki, e MS 33.838, Rel. Min. Rosa Weber); (iii) a legitimidade da abertura do processo de impedimento contra a Presidente Dilma Rousseff pelo deputado Eduardo Cunha (MS 33.920, Rel. Min. Celso de Mello e MS 33.921, Rel. Min. Gilmar Mendes), e (iv) a recepção pela Constituição de 1988 de diversos dispositivos da Lei 1.079/1950, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade (ADPF 378, Rel. Min. Edson Fachin).

Como assinalado na Introdução, e diversamente de um certo senso comum que se criou, em boa parte das oportunidades em que foi chamado a moderar o jogo político, o Supremo adotou uma postura autocontida, de deferência às escolhas majoritárias, evitando intervenções em procedimentos definidos no interior das Casas Legislativas. Entre todos os casos citados acima, apenas 4 tiveram pedidos de liminar deferidos: o MS 33.908, em que se determinou a deliberação por voto aberto sobre a prisão de Senador, os MS 33.837 e MS 33.838, ambos para suspender os efeitos do ato do Presidente da Câmara que disciplinou o procedimento do impeachment, e a ADPF 378, em que o STF reafirmou as regras aplicadas ao impeachment do Presidente Collor, conforme comentário na Parte II, abaixo. No primeiro deles, a intervenção do STF sequer chegou a se concretizar, já que, independentemente da decisão, os próprios senadores deliberaram pelo escrutínio aberto. Nos últimos três, a atuação do Supremo se deu no sentido de garantir o respeito às regras do jogo democrático, em um contexto de manifesta insegurança sobre o rito aplicável ao processo de impedimento do Presidente da República. Todos os demais processos ou tiveram o pedido de liminar negado, ou sequer foram conhecidos pela Corte.

I.2) O STF e os Direitos Fundamentais
Paralelamente à interação com os demais Poderes, em 2015, o Supremo Tribunal Federal voltou a ter uma atuação mais destacada na insubstituível tarefa de defesa dos direitos fundamentais, em especial de minorias impopulares e estigmatizadas. Em relação a esta segunda temática principal, a Corte empreendeu esforços significativos no sentido de conter a crise do sistema carcerário. A agenda do Tribunal nesta seara incluiu: (i) o reconhecimento de que o Poder Judiciário pode determinar aos governos estaduais que realizem obras emergenciais nos presídios, de modo a garantir os direitos fundamentais dos detentos (RE 592.581, Rel. Min. Ricardo Lewandowski), (ii) a possibilidade de aplicar o princípio da insignificância no caso de reincidência delitiva (HCs 123734, 123533 e 123108, Rel. ministro Luís Roberto Barroso), e (iii) a declaração de constitucionalidade de ato que regulamentou as “audiências de custódia”, por constituir direito já assegurado pela Convenção Americana de Direitos Humanos (ADI 5.240, Rel. Min. Luiz Fux).

Além destes casos, o STF iniciou o julgamento da existência do dever de indenizar presos em condições desumanas (RE 580.252, Rel. Min. Teori Zavascki), e da possibilidade de cumprimento da pena pelo sentenciado em regime mais benéfico quando não houver vagas no regime adequado (RE 641.320, Rel. Min. Gilmar Mendes). Ambos, porém, foram interrompidos por pedidos de vista e encontram-se ainda pendentes de conclusão.

A mais emblemática das decisões sobre o tema foi, sem dúvida, o reconhecimento pelo STF de que as graves disfunções crônicas e estruturais do sistema carcerário brasileiro, decorrentes de um conjunto de ações e omissões dos poderes públicos, configuram um “estado de coisas inconstitucional”, que promove a violação massiva da dignidade humana e demais direitos fundamentais dos presos (ADPF 347, Rel. Min. Marco Aurélio)[8]. Com a “importação” desta categoria, desenvolvida inicialmente pela Corte Constitucional da Colômbia, o STF abre espaço para a adoção de técnicas decisórias mais flexíveis, que permitam o enfrentamento sistêmico de problemas estruturais, por meio de ordens complexas, dirigidas a diferentes órgãos e instâncias de poder, que envolvem a (re)formulação de políticas públicas. Embora a ação ainda se encontre em estágio inicial, o STF já avançou (ainda que de forma tímida) no equacionamento do problema, ao conceder algumas medidas cautelares, conforme será explicitado na Parte II, a seguir.

Os direitos decorrentes da dignidade humana dos presidiários não foram, porém, os únicos tutelados pela Corte no ano. Também ganharam destaque discussões envolvendo os direitos: (i) à liberdade de expressão, no caso das biografias não autorizadas (ADI 4.815, Rel. Min. Cármen Lúcia); (ii) à igualdade, nos julgamentos sobre a recepção do crime militar de pederastia pela Constituição de 1988 (ADPF 291, Rel. Min. Luís Roberto Barroso); sobre o direito de transexuais a serem tratados de acordo com a sua identidade de gênero (RE 845.779, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, ainda não concluído); e sobre a impossibilidade de paciente do Sistema Único de Saúde pagar para ter acomodações superiores ou médico de sua preferência (RE 581.488, Rel. Min. Dias Toffoli); (iii) à igualdade política, no caso em que se declarou a inconstitucionalidade das normas que autorizavam doações de empresas a campanhas eleitorais (ADI 4.650, Rel. Min. Luiz Fux); e (iv) à liberdade/autonomia, na análise da constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo pessoal (RE 635.659, Rel. Min. Gilmar Mendes, não concluído).

Na quase totalidade desses casos, a decisão da Corte representou a invalidação (ainda que parcial) de leis e atos normativos, emanados tanto do Legislativo quanto do Executivo, promoveu a integração de lacunas normativas ou supriu omissões inconstitucionais, de modo a evidenciar o papel de maior protagonismo da jurisdição constitucional no contexto nacional.

I.3) O STF em 2015 e os papéis das Cortes Constitucionais
Em trabalho acadêmico recente, cujas ideias centrais foram publicadas aqui na Revista Consultor Jurídico, o primeiro autor desta retrospectiva sustentou que as cortes constitucionais desempenham três papeis distintos: contramajoritário, representativo e iluminista[9]. O conjunto expressivo de decisões referidas acima nas duas temáticas selecionadas exibe um Supremo Tribunal Federal que atua com maior parcimônia e autocontenção em casos que se limitam a questionar procedimentos internos das Casas Legislativas, mas exercita sem timidez o seu papel contramajoritário quando estão em jogo especialmente as necessidades de proteger direitos fundamentais (como no caso dos presos) e de resguardar os pressupostos de funcionamento da democracia e das instituições republicanas (como no caso do rito do processo de impeachment).

Ademais, é possível perceber que, simultaneamente ao papel contramajoritário tradicional, em alguns desses casos, o STF desempenhou um papel representativo, pelo qual foi capaz de atender demandas sociais relevantes que não foram satisfeitas pelo processo político majoritário. Exemplo emblemático foi a ADI 4.650, na qual o Supremo proibiu o financiamento de campanhas por empresas, em linha com o anseio social majoritário de diminuição do peso do dinheiro no processo eleitoral. Ainda, em outros julgados, a decisão espelhou o comprometimento do Tribunal com o avanço social e civilizatório do país e com a proteção de minorias estigmatizadas e excluídas, cujos interesses não encontram eco nem nos parlamentos, nem na maioria da população, desempenhando o papel iluminista da jurisdição constitucional. Ilustra o exercício desta função o julgamento da medida cautelar na ADPF 347, contra as violações massivas aos direitos dos presos. É também possível que o Supremo venha a exercer este papel no julgamento envolvendo o direito de transexuais serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, atualmente interrompido por pedido de vista.

No tópico que se segue, faz-se um comentário, o mais objetivo possível, de alguns dos casos mais relevantes julgados pelo Supremo neste ano.

 


[2] Ver: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=decisoesgeral

[3] Sobre o tema, v. Joaquim Falcão, “Para ser mais, o Supremo tem que ser menos”, in O Supremo, 2015; e Joaquim Falcão e Adriana Lacombe, “Big data e a reforma do Supremo”, Tribuna do Advogado, n. 244, dez. 2014/jan. 2015: “Primeiro, viu-se que o Supremo é muito mais uma corte recursal do que uma corte constitucional. Isso porque, enquanto os processos de controle abstrato de constitucionalidade – ADIns, ADCs, ADOs –  representaram apenas 0,5% dos processos julgados pelo tribunal entre 1988 e 2009, os recursos representavam 91,69% (o restante é representado pela corte ordinária, composta de processos que têm o Supremo como originário, como ações penais com foro privilegiado). Viu-se também que o STF é uma corte monocrática, muito mais do que uma colegiada. Entre 2008 e 2014, por exemplo, mais de 85% das decisões foram proferidas por um só ministro”.

[4] A estatística foi levantada no gabinete do ministro Luís Roberto Barroso com dados de junho de 2013 até setembro de 2015, mas espelha a média geral do Tribunal.

[6] De D. Pedro II a Ruy Barbosa, autores diversos têm se referido a essa atuação como sendo equiparável à de um “poder moderador”. V. Oscar Vilhena Vieira, Supremocracia, Revista de Direito do Estado 12:55, 2008, p. 60.

[7] ABRANCHES, Sérgio H. H. de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro. vol. 31, n. 1, 1988, pp. 5-34.

[8] A ADPF 347 foi proposta pelo PSOL, a partir de representação da Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ.

[9] V. livro no prelo, organizado por Oscar Vilhena Vieira e Luís Roberto Barroso, A razão sem voto: um diálogo com o pensamento constitucional de Luís Roberto Barroso. Um resumo das ideias principais foi publicado na Revista Consultor Jurídico sob o título “Contramajoritário, representativo e iluminista: os papeis das cortes constitucionais nas democracias contemporâneas” (http://s.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/notas-palestra-luis-robertobarroso-1.pdf).

Autores

  • Brave

    é professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor visitante da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direito pela Yale Law School, Doutor e Livre-Docente pela UERJ, e Visiting Scholar – Harvard Law School (2011).

  • Brave

    é mestre em Direito Público pela UERJ e assessora de ministro do Supremo Tribunal Federal.

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