Olhar Econômico

Tratado internacional só é executório no Brasil depois da promulgação e publicação

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

24 de dezembro de 2015, 7h00

Spacca
Todos os estudiosos do Direito, não importa de que ramo jurídico, devem saber quando e como um tratado internacional passa a ser executório em nosso ordenamento interno. Os tratados são cada vez mais frequentes em um mundo globalizado, em que avulta a cooperação entre Estados; cooperação essa que se efetiva nos mais variados quadrantes do direito.

O tratado internacional é um dos instrumentos jurídicos mais antigos. Na mais remota antiguidade, os suseranos de circunscrições territoriais utilizavam-se do tratado para acordarem entre si, bilateralmente. Sua importância, então, pode ser aquilatada pelo fato de serem gravados em pedra, o que não acontecia com documentos corriqueiros. Com a criação da doutrina da soberania absoluta, com o advento dos Estados e com o surgimento do direito internacional público, por volta de 1500, continuaram os tratados a serem utilizados. A necessidade de se criarem regras internacionais, que obrigassem um número maior de Estados propiciou o aparecimento do tratado multilateral.

Muitas foram as mutações por que passou o tratado, até chegar à sua formulação hodierna, qual seja, a de ser instrumento, regido pelo direito internacional público, pelo qual Estados, organizações internacionais intergovernamentais e outros sujeitos dotados de personalidade internacional e de jus tractuum (direito de tratar) avençam qualquer assunto lícito, podendo muitas vezes estabelecer regras quase universais.

 A regulamentação dos tratados – sua negociação, entrada em vigor, interpretação e terminação etc – foi feita através dos tempos pelo costume internacional, sendo de formulação recente a adoção de regras escritas. A Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, de 1969, que coligiu regras consuetudinárias (codificação propriamente dita) e estabeleceu algumas regras novas (desenvolvimento progressivo) é o principal tratado sobre tratados. Essa convenção, que está entre os tratados que vinculam maior número de Estados, constitui-se em verdadeiro código sobre tratados internacionais.

As fases para a conclusão de um tratado solene ou em forma devida são: negociação, assinatura ou adoção, aprovação legislativa por parte do Estado interessado em tornar-se parte no tratado, ratificação ou adesão.

No século XVII, Grócio e a generalidade dos internacionalistas consideravam que a assinatura pelos plenipotenciários concedia força obrigatória ao tratado. Isso em razão das normas sobre o mandato e da regra romana “qui facit per alium facit per se” (quem faz por meio de outro, faz por si mesmo). Nessa época, a ratificação era mera formalidade, simples ato de cortesia. Os raros casos de recusa em ratificar causavam protestos por violação do dever legal.  Nessa mesma época, por vezes, os mandatários ao redigir a procuração – plenos poderes – incluíam expressamente cláusula de “reserva de ratificação”, retendo o direito de ratificar acordos concluídos em nome dele por seus agentes, após examinar o respectivo texto assinado. Entretanto, até meados do séc. XVIII, a ratificação continuou a ser de rigor, após a assinatura. Essa exceção tornar-se-ia em regra, por força da consagração, na maioria dos Estados, de regimes constitucionais que preconizavam a participação dos parlamentos na feitura dos tratados internacionais. O tratado somente é dado por concluído após a troca das ratificações. Disse-o o Congresso de Berlim, de 1878 – “as ratificações e não só a assinatura … dão aos tratados seu valor definitivo”; tendo a Corte Permanente de Justiça Internacional reafirmado essa regra, em 1929, no caso do Rio Oder. A partir de fins do séc. XIX, outro desenvolvimento ocorreria, a ratificação viria a ser considerada “um ato perfeitamente livre, que o Estado pode dar ou recusar por qualquer razão”[1].

Duas são as teorias tradicionais sobre o relacionamento entre a ordem internacional e a ordem interna. A teoria monista que afirma comporem ambas o mesmo âmbito, representada, visualmente, por dois círculos concêntricos; e a dualista, que as considera como dois círculos, quanto muito tangentes, mas nunca secantes. O corolário é que para os países que adotam a teoria monista (ex. Reino Unido), no momento em que um tratado passa a integrar a ordem internacional, ipso facto, já pertence também à ordem interna. Já para aqueles que perfilham o dualismo (ex. Brasil), a ratificação internacional de um tratado faz com que ele passe a figurar no direito internacional brasileiro; sendo necessário uma nova formalidade para inseri-lo no direito interno do Brasil. Se, por acaso, o tratado é ratificado e o país deixa de internalizá-lo, o tratado não é executório nesse país, acarretando-lhe responsabilidade internacional.

A negociação de um tratado, quer seja ela por conversações bilaterais ou, coletiva e plurilateralmente, sob a égide de alguma organização internacional, termina pela assinatura que, via de regra, significa apenas a definição e finalização do texto do tratado. Tal é verdadeiro, com exceção do tratado em forma simplificada, também conhecido por acordo do Executivo, que merece estudo a parte. Se aprovado, o Chefe de Estado, poderá ratificá-lo. Quando um Estado não participou das negociações e não assinou, e inobstante deseja fazer parte do tratado, pode fazê-lo pela adoção. Uma vez assinado, o tratado, é levado pelos signatários aos seus países, para ser encaminhado, em consonância com as respectivas regras internas, para a aprovação pelo Congresso ou similar.

Os poucos artigos das Constituições Brasileiras republicanas sobre a dinâmica interna dos tratados internacionais não mudaram muito, sendo formal e substancialmente semelhantes. A tradição constitucional brasileira, com exceção da Carta de 1937, determina a colaboração entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo na conclusão dos tratados internacionais. A Constituição vigente considera a vontade do Estado com referência aos atos internacionais como ato complexo, sendo necessária a vontade conjugada do Presidente da República e a do Congresso Nacional. O art. 84, Inciso VIII, estabelece como competência privativa do Presidente da República: “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Entretanto, completa o art. 49, inciso I, que tais atos só se tornam definitivos, após a provação do Congresso Nacional.

Uma vez aprovado o tratado pelo Poder Executivo, aprovação essa materializada pela emissão do decreto do Legislativo, assinado pelo Presidente do Senado Federal, o Poder Executivo pode proceder à ratificação internacional, realizada pela troca (em caso de tratado bilateral) ou depósito (no caso de tratado multilateral) de instrumento de ratificação. Chama-se ratificação internacional, pois obriga o Estado que a faz, internacionalmente, com relação ao conteúdo do tratado.

A incorporação do ato internacional à legislação brasileira dá-se, contudo, pela sua promulgação por meio de decreto do Executivo, que torna público seu texto e determina sua execução. A Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores redige o instrumento do decreto, que será acompanhado do texto do tratado e, eventualmente, de tradução oficial. Esse decreto, assinado pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, é publicado no Diário Oficial da União.

Em razão de costume assente, a aprovação dos tratados no Brasil segue o mesmo processo da elaboração da lei. As Constituições brasileiras não se referem à internalização dos tratados no direito interno, continuando, nesse tocante, o Brasil a seguir a tradição lusitana de promulgar o tratado já ratificado por meio de decreto do Executivo.

No direito brasileiro, a promulgação e a publicação compõem a fase integratória da eficácia da lei. A promulgação atesta a adoção da lei pelo Legislativo, certifica a sua existência e o seu texto e afirma, finalmente, seu valor imperativo e executório.

A publicação, que se segue à promulgação, é condição de eficácia da lei. Não prevista constitucionalmente, rege-se pelo artigo 1º do Decreto-lei 4.657/1942, recentemente redenominado Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Para todos os efeitos, a prova de que o Brasil se encontra vinculado a um tratado solene ou em forma devida e de que ele é executório no território nacional deve ser feita pela exibição do decreto de promulgação e pela publicação.


[1] Pallieri, G. B. , “La formation des traités dans la pratique internationale contemporaine”. In Recueil des Cours, 1949, v. 74, p. 500.

Autores

  • Brave

    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!