Confisco civil

Tribunal dos EUA proíbe apreensões definitivas sem condenação judicial

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22 de dezembro de 2015, 9h13

No que foi considerado uma “vitória significativa para o devido processo e ao direito de propriedade”, o Tribunal Superior de Iowa, nos Estados Unidos, decidiu colocar um fim a um “poder abusivo da Polícia” conhecido como “confisco civil” (ou “civil forfeiture") – uma prática constante no estado. O “confisco civil”, que começa com uma ação policial, permite ao estado fazer apreensões definitivas de dinheiro, carros e outros bens, mesmo que o proprietário nunca seja condenado por um crime.

O processo julgado pelo tribunal superior se refere às ações de um policial rodoviário de Iowa, que parou um veículo com placa da Califórnia para advertir o motorista sobre uma pequena infração de trânsito. Para o policial Eric VanderWiel, o motorista e o passageiro estavam nervosos e o carro tinha um purificador de ar – um produto que, segundo os policiais, é usado para disfarçar o cheiro de maconha.

Diante dessas suspeitas, o policial interrogou o motorista e o passageiro, separadamente, por 25 minutos, depois do que buscou a assistência de um cão farejador de drogas. O cão farejou e o policial encontrou uma pequena porção de maconha no carro e, no lado do passageiro, uma sacola com US$ 33.100 em dinheiro.

Ele confiscou o dinheiro, que pertencia ao passageiro Robert Pardee, sob a conclusão de que era produto de tráfico de drogas. O estado moveu uma ação criminal contra Pardee, por posse de maconha, e uma ação civil para tornar definitivo confisco do dinheiro, de acordo com a decisão do tribunal superior, repercutida pela revista Forbes e pelo jornal The Des Moines Register.

Um ano depois que o policial parou o carro com o objetivo de advertir o motorista sobre uma possível infração de trânsito, Pardee foi declarado “não culpado” da acusação criminal por um tribunal federal. Mas não recebeu o dinheiro de volta.

Diferentemente de casos criminais, que requerem a produção de provas além de uma dúvida razoável pela Promotoria, os casos de confisco civil em Iowa requerem apenas uma “preponderância de provas” (isto é, mais provavelmente do que não) de que há uma conexão entre a atividade criminal alegada e a propriedade confiscada.

Assim, um tribunal de primeiro grau e um tribunal de recursos decidiram que o estado estava certo em confiscar o dinheiro. Porém, Pardee encontrou a redenção no tribunal superior do estado.

Um dos argumentos da corte foi o de que o carro ficou detido por 25 minutos, antes de o cão ser utilizado para farejar a droga. No entanto, não seriam necessários mais do que 12 minutos para o policial concluir o procedimento de advertência do motorista, como o próprio policial admitiu no julgamento do caso em primeiro grau.

Isso significa, diz a decisão, que o policial violou o direito constitucional dos ocupantes do carro, previsto na Quarta Emenda à Constituição. Essa emenda proíbe buscas e apreensões “não razoáveis” e exige a obtenção de um mandado judicial, baseado em causa provável. Por isso, a prova obtida com a ajuda do cão farejador de drogas não poderia ser usada em qualquer julgamento, o que invalida os argumentos do estado para manter o confisco.

A corte também concordou com o argumento da defesa de que o simples fato da polícia parar um veículo, sob o pretexto de uma infração do trânsito, para fazer uma busca e apreensão sem mandado judicial viola a Constituição.

A decisão deverá ter uma grande repercussão em todo o estado, dizem as publicações. No ano passado, uma reportagem do jornal The Washington Post causou furor na população ao revelar que, em um período de pouco mais de dez anos, os órgãos estaduais fizeram, com a ajuda da polícia, 320 confiscos civis, sem sequer apresentar acusações criminais.

Isso teria permitido aos órgãos estaduais e municipais manter mais de US$ 19 milhões dos confiscos realizados. Muitas dessas apreensões foram feitas graças ao costume da Polícia de parar carros para fiscalizar pequenas infrações de trânsito, que terminam com buscas e apreensões sem mandado judicial.

Um caso famoso, que rendeu manchetes nos jornais, foi o confisco de US$ 100 mil de dois jogadores profissionais de pôquer, durante uma fiscalização de infração de trânsito. Desde então, os jogadores conseguiram recuperar US$ 90 mil, mas tiveram que mover uma ação judicial para receber os US$ 10 mil restantes.

De acordo com a organização “Institute for Justice”, os órgãos governamentais podem receber até 90% das receitas de confiscos civis e os restantes 10% são destinados à Associação de Promotores do Condado de Iowa. Só de 2009 a 2013, os órgãos de manutenção da ordem pública coletaram US$ 15,7 milhões, com base na lei estadual de confisco civil.

Segundo os jornais, a comunidade jurídica está pressionando o Legislativo do estado para reformar essa lei, para equipará-la a de outras sete unidades federativas (Minnesota, Montana, Novo México, Nevada, Wisconsin, Missouri e o Distrito de Colúmbia). Nessas unidades federativas, a lei requer uma condenação criminal para que o estado possa manter o confisco.

De acordo com o jornal The Des Moines Register, os oponentes à lei de Iowa argumentam que ela força o cidadão a ir a um tribunal para provar que o dinheiro ou quaisquer bens confiscados foram obtidos legalmente. Isso transfere para a defesa o ônus da prova, que deveria caber à acusação.

Os defensores da lei, por sua vez, argumentam que o confisco de bens ajuda a enfraquecer as gangues de traficantes e sindicatos do crime. E que o confisco através da fiscalização do trânsito exerce um papel importante para combater o contrabando de drogas, o tráfico humano e outros crimes praticados com o uso das rodovias do país.

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