Reformulação legislativa

Projeto de novo Código Penal deveria reduzir prisões, diz René Dotti

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12 de dezembro de 2015, 5h48

Para o criminalista e professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná René Ariel Dotti, o projeto de reforma do Código Penal, do qual foi relator durante três meses, é deficiente na parte técnica, pois o anteprojeto não buscou reduzir as prisões. "Ao contrário, ele estabelece casos de prisão para fatos insignificantes, o que é absolutamente incompatível com a dignidade humana”, afirma em entrevista concedida à Revista da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (Caasp).

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Sociedade e mídia precisam ser esclarecidos sobre Direito Penal, diz Dotti.
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Segundo o professor, a elaboração do anteprojeto foi muito prejudicada pelo interesse do Senado em promover a iniciativa. “Na medida em que os grupos de trabalho discutiam certos aspectos da reforma, em seguida o Senado já distribuía aquela notícia para a imprensa de modo geral, e havia até noticiários de televisão comentando como se fossem reformas já consolidadas.”

Dotti também conta que outro fator que o afastou do projeto “foi a preocupação de manter a pena de prisão para todos os crimes do código penal”. Segundo ele, há a possibilidade de penas alternativas, mas todas ligadas diretamente à detenção em caso de descumprimento.

Ainda sobre o Direito Penal, o professor diz que o brasileiro precisa ser mais educado sobre o assunto. “Não só de esclarecimentos acerca da natureza dos processos, mas também quanto a certos princípios de Direito Penal e de Processo Penal, que não são princípios inerentes ao interesse do acusado, mas do interesse público, porque qualquer pessoa pode, eventualmente, ser processada criminalmente.”

O advogado criminalista argumenta que a imprensa deveria acompanhar todas as fases do processo. “Muitas vezes há uma antecipação de condenação pela natureza da notícia, não há um esclarecimento posterior mesmo quando aquele acusado é absolvido […] a notícia provoca um dano irreparável, muitas vezes sem confirmação de condenação ou retificação com a absolvição”, diz.

Maioridade penal
Muito alardeada pela mídia, a redução da maioridade penal foi amplamente debatida no Congresso Nacional e na sociedade, sendo que muitas vezes a opinião que se destacava era pelo encarceramento comum entre adolescentes e maiores de idade. Porém, René Dotti afirma que esse não é o caminho.

“Entendo que a solução não será reduzir o limite da capacidade penal para 16 anos — há propostas até de 15 ou 14 anos […]. O ideal seria aquela orientação do Senado de aumentar o tempo de prisão em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente”, argumenta o advogado criminalista.

Dotti também afirma que os regimes prisionais para adultos e adolescentes devem ser diferentes, mas ressalta que essa diferenciação não acontecerá em caso de redução. “Vamos supor que se estabeleça a redução da maioridade e se coloque um menor de 17 anos numa prisão comum, haverá um Habeas Corpus a respeito dizendo que ele está em estabelecimento indevido, mas dificilmente a Justiça dará o Habeas Corpus, porque o Estado tende a pedir ao Judiciário que não dê Habeas Corpus, por causa do perigo público que o menor representa.”

Apesar disso, Dotti criticou certos “eufemismos” derivados do Estatuto da Criança e do Adolescente. Como exemplo, ele cita a o fato de o menor não poder ser preso, mas, sim, apreendido. “Usa-se a palavra apreensão para coisas materiais. Quando fala em preso, a Constituição não faz distinção entre menor e adulto.”

Quebra de sigilo
Ao tratar dos casos de quebra de sigilo de advogados, o professor afirma que Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil deveria ser mais atuante nesses casos envolvendo a quebra de sigilo de advogados. Segundo ele, uma situação complicada como essa merecia mais atenção da entidade, mas esse movimento tem sido mais visto em seccionais como a paulista ou a paranaense.

Dotti é assistente do Ministério Público Federal na operação "lava jato" e sustentou na causa que a Petrobras é vítima do esquema de desvio de verbas por meio de contratos com empreiteiras. Com base nisso, ele diz que o dinheiro recuperado com as investigações deveria ser devolvido à companhia. “Nós entramos na causa e sustentamos que, de acordo com o Código Penal, o produto do crime deve reverter em primeiro lugar para a União se não houver vítima, mas, havendo vítima, deve reverter em favor da vítima ou de terceiro.”

Delação premiada
Outro assunto muito comentado por causa da “lava jato” é a delação premiada. Segundo Dotti, a prática tem aspectos positivos e a operação, “abstraindo o problema da legalidade ou não do meio da prova”, está combatendo certas iniciativas praticadas nos últimos anos no país. Apesar do elogio, ele ressalta que a investigação continua sendo parte fundamental das apurações de crimes.

“Se a delação tivesse valor absoluto, nós correríamos um sério risco, porque as investigações por este Brasil todo, feitas por delegados de polícia que não tivessem sensibilidade, utilizariam sempre a violência, a coação, para obter confissões dos crimes”, argumenta.

STF e liberalização das drogas
Ao falar sobre o STF, Dotti diz que a corte é relativamente aberta sobre certos pontos de vista de liberdades fundamentais. “Ele [o STF] tem inclusive linhas que, no meu entendimento, são muito abertas do ponto de vista de liberdades. Nós estamos vendo um debate que ainda não se exauriu quanto ao problema dos tóxicos. Há dois ou três vetos, um ministro considerando que se deve liberar de modo geral os tóxicos, outro ministro reduzindo essa liberação à maconha.”

Segundo Dotti, que lutou contra punição de dependentes durante a ditadura militar, é necessário considerar a cultura da sociedade em atos como esse, pois certas substâncias são aceitas pela sociedade, enquanto outras são contestadas. “Não se pode considerar o problema da droga da mesma maneira que o problema da bebida alcoólica, ou da mesma maneira que o problema do cigarro, porque há limites nisso. Socialmente se admite o cigarro, a não ser em ambientes fechados, mas o fumo não é objeto de uma contestação social. A bebida alcoólica não produz o efeito que a droga produz, salvo nos casos de dependência”, diz.

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