Violação ao CPP

Estudo mostra prisão excessiva de mulheres com gravidez avançada

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12 de dezembro de 2015, 6h20

O artigo 318 do Código de Processo Penal não deixa dúvidas: o juiz pode substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando a medida se destina a grávidas em estágio avançado. Mas entre a norma e a realidade, a distância é enorme. Um estudo com 41 detentas do presídio feminino Talavera Bruce, no Rio de Janeiro, mostra que pelo menos 16 delas foram encarceradas com mais de seis meses de gestação.

As detentas foram entrevistadas entre junho e agosto deste ano, por Maíra Fernandes e Luciana Boiteux, advogada e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, respectivamente.

Na avaliação de Maíra, o fato de serem rés primárias e estarem em estado avançado de gravidez já garantiria a essas detentas a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, como prevê o CPP, e a substituição da pena em regime fechado pelo semiaberto ou aberto. “Se fossem aplicadas medidas alternativas à prisão, essas mulheres poderiam estar trabalhando ou estudando fora do cárcere, ao invés de permanecer na mais absoluta ociosidade da prisão”, afirmou.

Para a advogada, o Judiciário precisa ter mais sensibilidade ao avaliar essas prisões. “Qualquer gravidez no sistema sempre será de alto risco. Falta sensibilizar os juízes com relação a isso. Tenho a esperança que as audiências de custódia ajudem a diminuir o encarceramento de mulheres grávidas, porque o juiz ficará frente à frente com essa mulher”, afirmou.

Segundo a advogada, as entrevistadas relataram os pedidos de atendimento médico e medicamentos não são levados a sério. Muitas detentas não contam com o devido acompanhamento na gravidez. Maíra conta que o atendimento médico é muito precário e demorado e cita o caso recente de uma grávida que deu a luz em uma solitária — algo que não é um caso isolado.

"A pesquisa mostra que ter o filho na cela ou no carro de transporte [das presas] é algo corriqueiro no sistema penitenciário do Rio de Janeiro. Elas ficam implorando atendimento médico. Muitas vezes não se acredita na urgência do pedido e acaba que não dá tempo. É um milagre que não tenha havido ainda uma grande tragédia com essas mulheres e seus bebês”, destacou.

Jovens e negras
A pesquisa mostra que a grande maioria das presas tem entre 18 e 27 anos (78% do total), é negra ou parda (82%), não chegou a concluir sequer o ensino fundamental (75,6%) e, na época da prisão, trabalhava sem carteira assinada (85%) e era responsável pelo sustento do lar (19% integralmente e 22% em parte).

Sobre a situação jurídica delas, a maior parte é ré primária (70%) e foi presa provisoriamente (73,2%). Nos casos em que houve condenação, as penas mais aplicadas variaram entre cinco e nove anos (44,4%). Segundo o estudo, a imensa maioria entrou no sistema penitenciário já grávida (83,3%). A maior parte por crimes relacionados ao tráfico de drogas (70,9%).

Do total de presos no Brasil atualmente, 37.380 (ou 6,4%) são mulheres. O contingente, contudo, não para de crescer. Segundo as pesquisadoras, o encarceramento feminino aumentou 567,4% de 2000 a 2014 — é mais que o dobro do de homens. 

Na avaliação de Luciana, problemas financeiros são o que levam a maior parte das mulheres a se envolver com o tráfico. E mesmo dentro da atividade criminosa, a maioria exercia papéis irrelevantes e subalternos. “A guerra contra as drogas é uma guerra contra as mulheres pobres, que sofrem com toda intensidade a repressão, e são mais facilmente presas pela polícia. Esse grande encarceramento de mulheres, especialmente de grávidas e mães, em nada altera ou reduz o tráfico, mas afeta de forma dramática essas famílias mais vulneráveis”, constatou.

De acordo com Maíra, os dados comprovam a seletividade do sistema punitivo. “Quando o homem é preso, as mulheres mantêm a família e dão a ele todo o suporte para o cumprimento da pena. Mas quando a mulher é presa, a família se desfaz. Quando inspecionamos unidades masculinas, os homens em geral perguntam sobre seus processos. Já nas unidades femininas, a primeira pergunta é “como está meu filho?”. E no caso das grávidas as perguntas são ainda mais dolorosas: “quanto tempo poderei ficar com meu filho?”. Então, se a prisão é cruel para os homens, ela é muito mais cruel para essas mulheres”, constatou. 

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