Reflexões Trabalhistas

Tabela Susep não se destina a indenizações por acidente de trabalho

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

11 de dezembro de 2015, 7h01

Spacca
Não raro, juízes do trabalho aplicam unicamente a tabela da Susep (Superintendência de Seguros Pessoais) para fixar indenizações decorrentes da responsabilidade civil por acidentes do trabalho em face dos empregadores. Todavia, não me parece acertado essa prática, uma vez que a tabela da Susep, constante Circular  29/91 destina-se à fixação das indenizações devidas pelas seguradoras ao segurado, em percentual proporcional à importância segurada, definidas conforme a espécie de lesão, quando da verificação de invalidez permanente (artigo 5º).

Essa tabela destina-se, portanto, ao mercado de seguros privados, estabelecendo um percentual fixo, sem levar em consideração as condições peculiares e particulares de cada caso concreto, que, por isso, não pode ser aplicada nos casos de indenização por danos decorrentes de acidente de trabalho em face do empregador, por conta da responsabilidade civil deste, que atualmente está regulada no Direito Brasileiro pelo artigo 7º e inc. XXVIII da Constituição Federal e artigo 950 do Código Civil, que estabelecem o quanto segue:

Art. 7º – “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: …

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.

Art. 950 – “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu (grifados)”.

O artigo 950 do Código Civil determina que a pensão deve corresponder à importância do trabalho para o qual a vítima se inabilitou, levando em conta, conforme o caso, a depreciação que a vítima sofreu, o que será analisado pelo julgador em cada caso concreto e não genericamente.

Logo, a tabela da Susep não pode ser considerada como critério único para aferição do grau de incapacidade laborativa decorrente de acidente ou doença do trabalho para efeito de fixação da pensão devida à vítima pela responsabilidade civil, porque, como induvidoso, essa tabela considera critérios genéricos de incapacitação para o seguro privado, baseada na importância que a vítima pagou do seguro e, não, a sua profissão, a incapacidade para o trabalho, as dificuldades para a vítima obter e se manter no emprego, o tempo de serviço na empresa, a sua idade e outros fatores relevantes para a situação concreta.

Para demonstrar a incongruência da tabela da Susep em relação à reparação civil decorrente de acidente do trabalho, vejamos os seguintes exemplos:

a) perda total do uso de um dos dedos indicadores, que na tabela da Susep leva a uma indenização de 15% sobre a importância segurada, percentual esse inadmissível em termos de reparação civil, se a vítima for um pianista ou violoncelista, que se tornará totalmente incapacitada para a atividade respectiva!

b) encurtamento de um dos membros inferiores de 5 centímetros, que corresponde a 15% de redução na tabela da Susep, mas que, a princípio, não comprometeria profundamente a capacidade laborativa de uma vítima que trabalha sentada.

A tabela Susep, como se vê, aplica-se à finalidade para a qual foi concebida, qual seja, determinar o valor da indenização a cargo da seguradora com base no prêmio pago pelo segurado, mas não pode ser considerada como critério para estabelecer o grau de incapacidade laborativa decorrente de acidentes e doenças do trabalho e para estabelecer os valores das indenizações decorrentes, por absoluta evidência da sua incongruência com o tema da reparação civil, que na forma do artigo 950 do Código Civil leva em conta a importância do trabalho para que se inabilitou a vítima, ou da depreciação sofrida.

A pensão devida à vítima de acidente de trabalho a cargo do empregador deve ser estabelecida pelo juiz no caso concreto, levando em conta não somente a conclusão do laudo pericial, mas, a incapacidade da vítima para o trabalho, as dificuldades para obter e se manter no emprego, o tempo de serviço na empresa, a sua idade, rendimento útil no trabalho, grau de instrução, segurança e risco na prestação de serviço, deslocamento até o local de trabalho e outros fatores relevantes para a situação concreta. Trata-se de um juízo de valor e não de uma mera equação matemática, como se infere da decisão a seguir ementada, do TST:

EMENTA: “PRELIMINAR DE NULIDADE ao do laudo pericial,POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL – DEFINIÇÃO DO GRAU DE REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA – OMISSÃO 1 – O acórdão regional, soberano no exame dos fatos e provas, descreve os danos sofridos pelos Reclamantes em decorrência do acidente de trabalho, apontando de forma precisa as seqüelas daí decorrentes. 2 – A determinação do grau de redução da capacidade de trabalho não envolve explanação matemática, mas, sim, juízo de valor fundamentado, segundo a persuasão racional do magistrado. A ciência jurídica preocupa-se, antes, com a justa reparação do dano sofrido, do que, especificamente, com a precisão matemática dos cálculos. 3 – Segundo o princípio do livre convencimento motivado, cumpre ao magistrado examinar e qualificar as provas produzidas e juntadas aos autos, fundamentando sua decisão. A obrigatoriedade de fundamentação dos atos judiciais, no entanto, não exige que o magistrado destaque, entre os componentes do quadro fático-probatório, uma ou outra prova em que especificamente baseou sua decisão. Recurso não conhecido. (…)” (ED-E-ED-RR – 93000-46.2001.5.08.0010 , relatora ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 11/02/2004, 3ª Turma, data de publicação: DJ 19/3/2004).

Nesse sentido preleciona Sebastião Geraldo de Oliveira (Indenizações por acidente do trabalho e doença ocupacional, 5ª edição, p. 310, LTR, 2009), citando Gustavo Tepedino, Heloisa Helena e Maria Celina Bodin (Código civil interpretado conforme a Constituição da República, v. II, 2006, p. 877, Renovar, Rio de Janeiro, 2006) que:

“A lesão raras vezes gera uma imediata redução salarial. A diminuição da capacidade laborativa repercutirá, pouco a pouco, na estagnação profissional, na perda de oportunidades, na ausência de promoções e na indiferença do mercado em relação à vítima”.

Acrescenta o mesmo autor que “a análise da questão nos domínios da responsabilidade civil agrega outros pressupostos importantes. Diferentemente do benefício acidentário e dos seguros privados, a indenização por responsabilidade civil busca a reparação total do prejuízo, dentro do multicitado princípio da retitutio in integrum ou da equivalência matemática”.

Autores

  • é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das relações sociais pela PUC/SP. Professor de Direito e de Processo do Trabalho. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.

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