Opinião dividida

Para juízes, processo de impeachment
é político; para advogados, é jurídico

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11 de dezembro de 2015, 13h53

Desde que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o país não fala em outra coisa. Nesse debate acalorado, uma questão tem chamado a atenção: a parcela de participação do Judiciário nesse processo que, pela Constituição Federal, é de inteira responsabilidade do Congresso Nacional. A ConJur ouviu os operadores do Direito sobre o assunto e constatou que o tema divide opiniões.

De modo geral, os advogados ouvidos na reportagem tendem a valorizar o aspecto jurídico do processo de impeachment, enquanto os juízes destacam que a decisão tem um viés político mais acentuado. Os especialistas foram ouvidos na noite desta quinta-feira (10/12), durante o lançamento do Anuário da Justiça do Rio de Janeiro, na sede do Tribunal de Justiça fluminense.

Mailson Santana
Desembargadores Carlos Santos Oliveira e Siro Darlan, desembargador aposentado Raul Celso Lins e Silva e advogados Sergio Tostes e Gustavo Brigagão, no TJ-RJ.

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho sustenta que o processo de impeachment tem aspectos jurídicos mas é de cunho marcadamente político. "O procedimento é jurídico, e por isso torna necessário que seja provado um eventual crime para que haja condenação", diz ele. "Essa vertente jurídica também garante ao acusado o amplo direito de defesa". Mas todo o processo se desenrola no ambiente político. 

Para o desembargador Siro Darlan, o impeachment é um processo iminentemente político e as questões jurídicas suscitadas no debate são usadas de acordo com a conveniência política. “As questões jurídicas muitas vezes ficam em um segundo plano quando há o interesse político. O impeachment do Collor foi tipicamente político. Tanto que ele foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal e condenado pelo Congresso. Todo impeachment de agente político é iminentemente político e não jurídico. Como está acontecendo agora: Qual crime está sendo atribuído à presidente Dilma? O de improbidade administrativa, a possível pedalada… Mas a conveniência será política, até porque neste momento o que está em efervescência não é o Poder Judiciário, mas o político”, opinou.

Na avaliação do advogado Fernando Fernandes, do Fernando Fernandes Advogados, o impeachment pode ter fundo político, mas precisa necessariamente respeitar as normas jurídicas. Por isso não dá para dizer que o processo é predominantemente político. “O mundo político não está absolutamente de carta branca para destituir o presidente da República. Somente nos casos em que há crime de responsabilidade — e nesse caso não há. Portanto, em que pese ser também um processo político, está também atrelado as normas jurídicas e constitucionais”, afirmou.

Para o ex-deputado federal Márcio Braga, a competência para julgar o processo é do Congresso. "Acho que há base jurídica, mas o processo é eminentemente político. Temos que resolver a política para então resolvermos os problemas do país.” Ele entende que o processo obedece a formalidade jurídica, mas a decisão é claramente política: "Se 5 milhões de pessoas saírem às ruas pedindo o impeachment da presidente ela cai, não importa quais sejam as razões jurídicas". Para Braga, o TCU já provou que a presidente incorreu em crime de responsabilidade ao não observar a Lei Orçamentária. 

O juiz Rossidélio Lopes, presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, acha que o processo é mais político do que jurídico e que foi deflagrado também em razão de um sentimento de frustração. “Há um sentimento antigovernista grande, talvez pelo que a presidente tenha falado na campanha eleitoral e que frustrou muita gente. Não é legítimo você fazer uma campanha eleitoral escamoteando situações e fatos. O país saiu polarizado. E agora a questão serve como elemento disfarçadamente jurídico, apesar de ser político no final das contas”.

Para o desembargador Luciano Saboia Rinaldi, o processo do impeachment é hibrido. Tem uma justificativa jurídica, já que o que está em julgamento é um suposto crime de responsabilidade da presidente, mas se desenrola num contexto político.

O desembargador Antônio José Ferreira Carvalho diz que a natureza do processo é jurídica, mas sua aplicação é política. "A decisão é política e o clamor popular também é político". 

Opiniões da advocacia
Já na opinião de Pedro Paulo de Barros Barreto, sócio de Sergio Bermudes Advogados, o julgamento tem conteúdo jurídico porque gira em torno da indagação da existência de um crime de responsabilidade, que é figura de Direito. “Todavia, a Constituição faz do impeachment um fato político porque o entrega às duas casas do Congresso, que é instituição eminentemente política, na pura acepção helênica do adjetivo”, ressaltou.

O criminalista Técio Lins e Silva, do Técio Lins e Silva & Ilidio Moura Advogados Associados, diz que o pedido foi aceito em um "cenário assustador" e que o comportamento do presidente da Câmara "não tem sido republicano". Quanto ao impeachment, ele considera que o processo é tanto político quanto jurídico. “Nesse momento de crise, as pessoas se aproveitam. Há um oportunismo político exacerbado para tirar um partido da situação. Então, tem um conteúdo político imenso que se baseia em um conteúdo jurídico, que seria a irregularidade fiscal do uso dos recursos, as chamadas pedaladas, que evidentemente é um fato que, por si, não justificaria uma punição tão grave de perda do mandato”, ressaltou.

O advogado Sérgio Tostes diz que o processo é tecnicamente jurídico. "Existe motivação legal que é a prática de crime de responsabilidade da presidente por não respeitar a Lei Orçamentária."

O defensor público José Augusto Garcia de Souza entende que o processo é notadamente politico, mas dentro de balizas jurídicas. "O processo segue as formalidades jurídicas mas o mérito do julgamento é político", ele diz.

Para a advogada Hosana Pereira, do Décio Freire Advogados, o Judiciário tem um papel a cumprir na tramitação do processo. “O impeachment está acontecendo em um período de confusão política, ao contrário do que aconteceu com Fernando Collor. Naquela ocasião, o país não enfrentava toda essa problemática financeira e de desemprego, que estamos atravessando. O país está totalmente desestabilizado. O Judiciário tem um papel importante dentro da legalidade processual. Mas até chegar no Judiciário, há várias fases. Acho que hoje está mais na mão do Congresso que no Judiciário”.

Opinião semelhante tem o advogado Gabriel Silva Dias, do Mello e Dias Advogados. “O impeachment é um processo político, que se desenrola nas casas legislativas, mas o Supremo tem que ser chamado quando a formalidade é atropelada. O STF vai ser o guardião da legalidade do processo político. Provocado, o Supremo tem que se manifestar pontualmente nas questões formais”, destacou.

O advogado Antonio Paulo Barça Rodrigues Barbosa, do Escritório de Advocacia Barça e Associados, acredita que o impeachment está sendo judicializado e que a Justiça deve se manter equidistante. “Para mim está claro que é um processo político, mas, no meu entender, está acontecendo a judicialização da política através de todos esses expedientes aos quais o Supremo está sendo instado a dar a última palavra. Não é adequada essa provocação excessiva do STF. Os atores políticos estão judicializando a política. O Supremo tem que ser mais neutro possível e bem pontual”.

Já o advogado Tiago de Melo Cunha, do Mello e Dias Advogados, acha que o Judiciário tem que estar atento aos acontecimentos. “O impeachment é um processo que tem um aspecto técnico-jurídico, mas está sendo manejado de forma política, pelos atores principais da república, no caso o presidente da Câmara. O Judiciário, então, tem que estar atento. Se provocado, tem que intervir”, ponderou. 

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