Segunda Leitura

As lições do técnico Tite para os profissionais do Direito

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

6 de dezembro de 2015, 7h01

Spacca
Vladimir Passos de Freitas [Spacca]Acalmem-se os ânimos, o que aqui será dito não é tema de futebol, mas sim de comportamento e liderança. E nesse campo, inegavelmente, o técnico Tite, que levou o Corinthians a vencer o Campeonato Brasileiro, tem muito a dizer. Sua vitória não se restringe aos jogos, vai além, alcança, pelo exemplo, as mais diversas profissões, inclusive as jurídicas.

A primeira observação que se faz é aparentemente simples. Mas só aparentemente. Entrevistado pela revista Veja sobre o segredo do sucesso, respondeu o treinador: “Não há segredo. É trabalho”.i E mais adiante : “trabalhar a equipe toda e não somente os onze…”. Duas lições importantes ele transmitiu: a) é necessário sacrifício para alcançar o sucesso; b) para mantê-lo e avançar mais, é preciso cuidar de toda a equipe e não apenas dos mais próximos.

O recado é decisivo para estudantes. Mas o exemplo será o de um advogado que deu tudo de si para realizar o seu sonho. Depois de 15 anos de formado e de muito trabalho, ostenta boa posição. Respeitado, economicamente estável, instalado em imóvel próprio, lidera vinte e cinco profissionais, entre advogados, estagiários e funcionários. Tal situação só persistirá se souber conduzir com sabedoria o grupo que comanda, se souber prestigiar os que começam e dar suporte aos da área administrativa. Sem isso poderá sucumbir aos poucos, por força da concorrência dos mais novos e do seu próprio envelhecimento, pois as novas gerações tendem a procurar os profissionais da sua idade.

Mas, além do trabalho é preciso liderar o grupo. E conduzir um time de futebol importa em trabalhar com jogadores de temperamentos diferentes, salários díspares, desavenças pessoais, vaidades, disputas internas para manter-se no primeiro time, diretoria com metas às vezes divergentes, campeonatos exaustivos e tudo o mais. Será diferente no âmbito das profissões jurídicas? Não, por certo.

Imagine-se presidir um tribunal. Um bom presidente terá que atender seus colegas, mas precisará de habilidade para conviver com um grupo derrotado nas eleições e que lute contra seus projetos, bons ou maus. Deverá estar atento para as vaidades, a começar pela sua. Convidado para tudo, poderá sentir-se especial e não perceber que aquele é um momento apenas. Servidores poderão disputar influência em suas decisões, exatamente como sempre ocorreu e ocorre em qualquer centro de poder. Apaziguá-los e não perder os bons valores é imprescindível para conduzir a política interna. Precisará acostumar-se às reivindicações do sindicato, às quais, muitas vezes, não poderá atender.

Administrar situações de crise é essencial, no futebol e nas profissões jurídicas. Na disputa do campeonato mundial no Japão, véspera do jogo contra o forte Chelsea, os jogadores intimidados com o adversário, Tite reuniu-se e, olhando nos olhos de cada um, aumentou o tom de voz e depois de algumas palavras disse: “Ninguém veio aqui para se acovardar”. Apelou aos brios da equipe. Não será diferente em crises institucionais no serviço público. Nos maus momentos, a tendência é o chefe atribuir a responsabilidade aos outros, sem dúvida uma saída errada e mais cômoda. Ao inverso, o que se há de fazer é a chefia convocar todos para, juntos, enfrentarem e superarem o problema.

Por exemplo, um delegado de Polícia assume uma delegacia com quinhentos inquéritos policiais atrasados, prazos vencidos, o Ministério Público cobrando medidas. De nada adiantará culpar seu antecessor, assunto esse a cargo da Corregedoria. O que se tem a fazer é reunir os funcionários, pedir colaboração, criar um plano estratégico de ação onde casos graves terão prioridade e os banais serão concluídos sem maior rigor, e baixar as estatísticas. A vitória será do grupo, cuja autoestima crescerá em pouco tempo. Os resultados serão visíveis.

Não tripudiar sobre o adversário é outra lição do treinador. Após ter ganho de 3 a 1 do Atlético Mineiro, Tite ouviu do técnico da equipe mineira críticas sobre arbitragens que beneficiariam o Corinthians. Entrevistado a respeito, calou-se. Poderia ter revidado e aí a desavença cresceria. Que vantagem teria? Nenhuma. Exatamente igual é a situação de um advogado que é atacado pessoalmente pelo colega que defende a parte contrária. Se responder à crítica, o processo tomará outra direção e isso certamente desviará a atenção do juiz e retardará o julgamento. Em poucas palavras, a energia deve ser guardada para as coisas importantes e não desperdiçada com discussões estéreis.

A vitória exige comprometimento e isso, levado com seriedade, vai acabar prejudicando alguém. Tite, na referida entrevista, revelou: “Pelo futebol, deixei de conviver intensamente com a minha família. É uma mágoa que tenho”.

Esse tipo de sacrifício é requisito do sucesso e o importante é que ele seja discutido com os envolvidos e que seja temporário. Por exemplo, um promotor de Justiça poderá optar em ser por décadas mais um dos cinquenta promotores da capital e assim ir até a aposentadoria. Porém, se quiser deixar a marca de sua passagem, seu empenho terá que ultrapassar o horário do expediente e estará vulnerável a situações indesejáveis. Por exemplo, se estiver participando de uma operação através do Gaeco e ela atingir pessoas importantes, terá sua vida fiscalizada. Não poderá cometer o menor deslize. Imagine-se se for apanhado por uma blitz policial dirigindo com álcool no sangue. Desmoralização total. Ou seja, o comprometimento exige dedicação total, o que significa renúncia a muitas coisas. É o preço do sucesso.

É preciso ter sabedoria para aproveitar os bons momentos. Tite faz essa revelação ao dizer que gosta de cinema. Perfeito. Um profissional do Direito que viva 24 horas por dia as suas funções e que não saiba desfrutar os bons momentos que a vida lhe oferece, não tem a inteligência emocional. Imagine-se um defensor público, envolto em estafante trabalho e sem a estrutura necessária. Se ele ficar a falar desses problemas o tempo todo, dentro e fora da repartição, por certo não encontrará companhia sequer para uma caminhada no parque sábado de manhã. Não motivará o seu pessoal e nada de especial conseguirá na sua carreira.

Outro aspecto: a conduta certa não tem prazo de validade, deve ser permanente. Em entrevista para o jornal “O Estado de São Paulo”, ao responder sobre os dois últimos jogos do campeonato, com o título de campeão já assegurado, Tite respondeu: “… vamos ser dignos até o final”.ii Esse é um conselho para os mais velhos. Alguns, após uma vida profissional exemplar, deixam de lado sua rica história para sucumbir diante de uma proposta indecente.

Finalmente, perguntado sobre o “prazo de validade” de um atleta, em entrevista para o mesmo jornal, respondeu: “O prazo de validade do atleta é quando ele não se sentir desafiado, com o olho brilhando para evoluir profissionalmente”. A resposta cai como uma luva para aqueles profissionais do Direito que espalham pessimismo, desestimulando os que lhe são próximos, principalmente os jovens. Os que perderam o brilho nos olhos, estejam nos tribunais, procuradorias, Ministério Público, na academia ou outros órgãos, tal qual os que atuam na advocacia privada, fariam um bem a si próprios e à sociedade deixando o posto para os que desejam lutar.


i Revista Veja, ed. Abril, 48, 2 de dezembro de 2015, p. 19.

ii O Estado de São Paulo, 27 de novembro de 2015, A34.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!