Dupla tipificação

STF discute constitucionalidade de regra regimental de prisão para extradição

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1 de dezembro de 2015, 9h03

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal deve julgar nesta terça-feira (1º/12) um caso que trará definições importantes para a jurisdição criminal de estrangeiros residentes no Brasil, mas acusados de crimes em seus países de origem. Trata-se de um pedido de extradição de um alemão acusado de um crime não previsto na legislação brasileira, mas preso por conta do artigo 208 do Regimento Interno do STF.

O artigo diz literalmente: “Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do tribunal”. É a constitucionalidade dessa norma que deve ser levada ao Plenário da corte.

O caso discute espionagem industrial e venda de segredos comerciais e vem ganhando manchetes na Alemanha. Michael Jutsche, o alemão que está no Brasil, é acusado em seu país de origem do crime de malversação, descrito no artigo 266 do Código Penal alemão: abusar do direito de dispor de bens alheios “causando prejuízos àquele cujos interesses patrimoniais devem ser representados”.

A história é que Jutsche foi contratado por dois diretores da varejista NKD para espionar concorrentes em Hong Kong e no Chipre para repassar esses segredos comerciais depois. Portanto, ele é acusado de venda de segredos comerciais, o que, no Brasil, é tratado como um ilícito cível, ou uma infração privada, mas não penal, conforme explica seu advogado, Rodrigo Mudrovitsch.

Inconstitucionalidade
Jutsche está preso no Brasil por ordem do ministro Teori Zavascki, relator de seu caso no STF. O ministro se baseia no artigo 208 do Regimento Interno do tribunal: “Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do tribunal”.

Para Mudrovistch, o dispositivo, de 1980, é desproporcional à realidade brasileira atual, já que a Constituição Federal e o Supremo tratam a prisão preventiva como medida excepcional, e não como condição para o prosseguimento do processo. Por isso, na opinião do advogado, o artigo é inconstitucional. É ele quem assina, ao lado dos advogados Felipe Fernandes de Carvalho, George Andrade Alves e Álvaro Guilherme de Oliveira Chaves, o Agravo Regimental apresentado à 2ª Turma.

De acordo com a petição, a obrigatoriedade da prisão preventiva para extradição era adequada para a realidade de 1980. Mas hoje, diz a defesa, a evolução da tecnologia já permite outras formas de monitoramento do acusado, como a tornozeleira eletrônica ou a obrigação de comparecer em juízo, hoje mais fácil do que há 35 anos.

Os advogados citam um Habeas Corpus julgado em 2007 pelo Plenário do Supremo em que o relator, ministro Gilmar Mendes, discute a questão. Ele expressa o “desejo de que o tema da prisão preventiva para fins de extradição seja revisado”. “Em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos”, votou o ministro Gilmar.

Dupla tipificação
O caso de Michael Jutsche foi enquadrado pelo ministro Teori como lavagem de dinheiro por conta das operações financeiras que ele organizou para poder ser pago. Ele abriu duas empresas, uma no Chipre e outra na Suíça, que segundo o Ministério Público Alemão, “não efetuam operações comerciais”.

A confusão financeira é que uma das empresas de Jutsche recebeu, da NKD, 3,7 milhões de euros e a outra, 1,2 milhão de euros. Depois ele repassou a segunda quantia para a primeira de suas companhias. Para o ministro Teori, as transações foram feitas “com intenção de ocultar a origem ilegal do dinheiro e dificultar a localização deste através da transferência excessiva”.

Para a defesa de Jutsche, Teori errou na tipificação de sua conduta. E esse é um dos motivos de ele ter sido preso. É que o artigo 77, inciso II, do Estatuto do Estrangeiro diz que, para que um estrangeiro seja preso no Brasil para fins de extradição, é preciso que o crime pelo qual ele é acusado seja considerado crime também pela lei brasileira.

E o Código Penal brasileiro não descreve o crime de malversação. O único precedente encontrado pela defesa no caso é do ministro Moreira Alves, de 1980, considerando ilegal a prisão preventiva de um alemão acusado do crime, descrito também como “infidelidade patrimonial”.

Os advogados reconhecem que a descrição do caso pode levar ao entendimento de que se trata de lavagem de dinheiro. Mas Jutsche é acusado com base no artigo 266 do Código Penal da Alemanha, e a lavagem de dinheiro está tipificada no artigo 261.

“Assim, não há que se cogitar que a conduta descrita na ordem prisional seja tipificada, em nosso ordenamento jurídico, como o delito de lavagem de capitais, sob pena de supressão da jurisdição do Estado requerente [Alemanha].”

Ext 1.423

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