Repasse ao Executivo

Governo de São Paulo formaliza transferência de depósitos judiciais

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31 de agosto de 2015, 19h39

Os repasses que devem ser feitos pela Justiça paulista à Conta Única do Tesouro do estado de São Paulo foram oficializados pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). A partir de agora, o Poder Judiciário deverá repassar ao Executivo 70% "do valor atualizado dos depósitos judiciais e administrativos, tributários e não tributários, bem como os respectivos acessórios, em que o Estado seja parte", conforme consta no Decreto 61.460/2015, publicado na última quinta-feira (27/8).

Consta no texto oficial que o uso dos valores provenientes dos depósitos judiciais é restrito ao pagamento de precatórios judiciais, de dívida pública fundada e de despesas de capital, desde que a lei orçamentária estadual preveja dotações suficientes para o pagamento de todos os precatórios judiciais exigíveis no exercício, e não remanesçam precatórios não pagos referentes aos exercícios anteriores.

O decreto também permite à administração estadual usar os valores para recompor os fluxos de pagamento e o equilíbrio de fundo de previdência referente ao regime próprio. A norma estadual é resultado da Lei Complementar (LC) 151/2015, sancionada pela presidente Dilma no começo de agosto deste ano.

Depósitos judiciais
Os depósitos judiciais são aqueles feitos durante discussões na Justiça, pertinentes a todos os tipos de litígio. A LC 151/2015, proposta no Congresso pelo senador José Serra (PSDB-SP), vem de um pedido de governadores para aumentar os caixas estaduais e pagar precatórios.

O principal interessado nessa medida é o governo de São Paulo, responsável pela maior fatia da dívida entre público e particular. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tinha, até o primeiro semestre de 2012, R$ 96 bilhões em precatórios, e o estado de São Paulo respondia por R$ 24,4 bilhões — estado e municípios, juntos, chegavam a R$ 51,1 bilhões.

A lei também altera a administração dos depósitos, que só podia ser feita por bancos públicos federais (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil). Segundo balanços sobre o total depositado no primeiro trimestre de 2015, o Brasil tem R$ 174 bilhões em depósitos judiciais — R$ 118,6 bilhões no BB, e R$ 55,2 bilhões na Caixa.

Com a lei complementar, essa responsabilidade ficará dividida entre bancos oficiais federais, estaduais e municipais. O senador José Serra afirmou que a lei resultará numa receita de R$ 21 bilhões aos cofres estaduais e municipais já neste ano e de R$ 1,6 bilhão anuais. Em 2014, por exemplo, os depósitos totais no Banco do Brasil caíram 4,6% se comparados ao mesmo período de 2013, mas os depósitos judiciais subiram 13%, totalizando R$ 115 bilhões. Na Caixa, o crescimento foi próximo dos 20% nesse mesmo período.

Críticas de todos os lados
A LC foi criticada pela comunidade jurídica. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) questiona a norma no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.361. O grupo alegou que a norma viola o devido processo legal, o princípio da separação de poderes e cria um empréstimo compulsório fora das hipóteses constitucionais.

A AMB afirmou também que há risco de judicialização em caso de não devolução. “O Poder Judiciário já tem dificuldade de satisfazer as atuais pretensões dos jurisdicionados. Com a lei ora impugnada, estará sendo criada uma nova fonte de litígios, que não precisa ser criada”, diz a petição. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a entidade que representa os presidentes dos tribunais de Justiça de todo o país solicitaram a entrada na ação como amicus curiae.

Audiência pública
No começo de agosto, o ministro do STF Gilmar Mendes convocou audiência pública para debater o uso de depósitos judiciais no custeio de despesas públicas. O debate está marcado para o dia 21 de setembro.

Na convocação, o ministro ressaltou a necessidade da audiência pública devido às consequências que a decisão do Supremo terá em relação às finanças públicas, com reflexos na execução e no controle orçamentário dos estados. As inscrições terminaram na última sexta-feira (28/8). No evento, cada expositor terá dez minutos para apresentar suas considerações.

Estados na Justiça
Os depósitos judiciais também têm sido discutidos entre entidades da Justiça Federal e os estados. A Procuradoria-Geral da República foi ao STF contra uma lei de Minas Gerais e outra da Paraíba que liberam a transferência dos valores sob guarda do Judiciário. Sobre MG, a ADI 5.353 pede a suspensão da Lei 21.720/2015, que reserva o montante para o custeio da Previdência Social, o pagamento de precatórios e assistência judiciária e a amortização de dívida com a União.

Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a norma afronta diversos artigos e princípios constitucionais, entre eles o artigo 5º, por ofensa ao direito de propriedade, o inciso I do artigo 22, por invasão da competência legislativa privativa da União para legislar sobre Direito Civil e Processo Civil, e o artigo 148 (incisos I, II e parágrafo único) por instituir empréstimo compulsório.

Na Paraíba, a PGR questiona a Lei Complementar estadual 131/2015, que prevê transferência de depósitos judiciais para conta específica do Poder Executivo para pagamento de precatórios de qualquer natureza e para outras finalidades. Segundo o órgão federal, a LC 131/2015 "destina os depósitos judiciais para despesas ordinárias do estado, e não aos titulares de direitos sobre esses créditos". Também há questionamentos similares sobre leis criadas nos estados da Bahia e do Paraná.

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