Sistema inconstitucional

Supremo tem o dever de tirar demais poderes da inércia, diz Marco Aurélio

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27 de agosto de 2015, 19h22

Nelson Jr./SCO/STF
Marco Aurélio votou para autorizar STF a interferir na situação carcerária.
Nelson Jr./SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal tem o papel e o dever de “retirar os demais poderes da inércia” e “catalisar os debates que envolvem políticas, coordenar ações e monitorar seus resultados”. Com este argumento, o ministro Marco Aurélio votou para autorizar o Supremo a interferir na implantação de políticas públicas sobre a situação carcerária do país.

Marco Aurélio é relator do pedido feito pelo PSOL para que o STF interfira no “estado de coisas inconstitucional” do sistema prisional. A petição foi produzida a partir de estudo da Clínica Uerj Direitos, coordenado pelo professor Daniel Sarmento. Nesta quinta-feira (27/8), o ministro votou para conceder a liminar e, dentre outras medidas, proibir o Executivo de contingenciar verbas destinadas ao investimento no sistema prisional. Depois de seu voto, o julgamento foi interrompido.

De acordo com o ministro, “no nosso sistema prisional ocorrem violações diárias dos direitos fundamentais dos presos”. Em seu longo voto, Marco Aurélio recitou algumas das situações a que os encarcerados são submetidos, como decapitações, estripações, falta de condições mínimas de higiene, exposição a doenças infectocontagiosas e, claro, a superlotação das cadeias.

O ministro citou dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, segundo os quais há mais de 600 mil presos no Brasil, 44% deles em encarceramento provisório. Dos presos condenados, 37% o estão sem condenação definitiva. Contados os presos em regime aberto ou prisão domiciliar, a população carcerária sobe para 711 mil pessoas.

“As penas privativas de liberdade convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se lixo digno do pior tratamento possível”, afirmou o ministro. “A inércia [do poder público] configura-se não apenas quando ausente a lei, mas também se inexistente qualquer tentativa de modificação da situação. E esse é o cenário legislativo dos direitos dos presos. As políticas públicas em vigor mostram-se incapazes de reverter o quadro de inconstitucionalidades. Assiste-se ao mau funcionamento estrutural e histórico do poder público.”

O ministro falou em resposta aos argumentos da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral de Estado de São Paulo, segundo os quais a concessão do pedido pelo Supremo seria uma interferência indevida do Judiciário em outros poderes. “O tribunal não pode se apequenar e se tornar ordenador de gastos”, afirmou o representante da PGE-SP, Thiago Sombra.

Marco Aurélio respondeu que “a forte violação de direitos fundamentais justifica a atuação mais assertiva do tribunal”.

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, se insurgiu contra o pedido de se proibir o contingenciamento de verbas. Diz Adams que o Fundo Penitenciário Nacional hoje dispõe de R$ 4 bilhões e que 92% desse valor foram executados. Mas, para o relator, o STF deve “garantir a integridade física dos presos independentemente de dotação orçamentária”. “A intervenção judicial mostra-se legítima presente quadro de omissão estatal.”

O único pedido negado pelo ministro foi para que o Supremo obrigue o Judiciário a “abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos do preso, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena”. Marco Aurélio afirmou que essa questão está definida na legislação processual penal e de execução penal, e o Supremo não pode alterar texto de lei.

ADPF 347

Clique aqui para ler o voto do ministro Marco Aurélio.

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