Opinião

Projetos de lei podem decretar o definhamento do Carf

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27 de agosto de 2015, 13h55

Uma dezena de artigos têm sido publicados em defesa do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), outros tantos em sentido contrário, alguns até sugerindo a extinção do referido Tribunal Administrativo.

Não nos é ainda possível apontar até onde há certeza ou equívoco nas opiniões externadas, até por quê em curso pela Polícia Federal uma operação denominada Zelotes, uma Comissão Parlamentar de Inquérito pelo Senado Federal, e, não menos importante, o processo de reabertura do próprio Carf sob novas luzes regimentais.

Ocorre, entretanto, que os responsáveis e protagonistas de ações que visam dar um novo norte àquele Tribunal Administrativo talvez não tenham se dado conta da importância de seus movimentos para com a sociedade e, mais ainda, para com a devida transparência e segurança jurídica a ser observada no momento da apresentação de proposições sobre tal tema.

Neste sentido cabe-nos aqui fazer um alerta sobre dois Projetos de Lei do Senado (PLS) de autoria da senadora Vanessa Grazziotin, recentemente apresentados e em trâmite em Comissões do Senado Federal, queremos crer, projetos esses frutos do trabalho que a mesma vem fazendo à frente da CPI do Carf.

O excesso de zelo contido nessas duas proposições legislativas parece-nos não só estar eivadas de vício, mas, também, ser instrumentos que — em aprovados — poderão decretar se não o fim, o definhamento do Carf.

O primeiro deles é o PLS 543, de 2015,  tendo por escopo inserir o artigo 100-A ao Código Tributário Nacional (CTN), para estabelecer que os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas são de observância obrigatória em qualquer instância administrativa, independentemente de vinculação do órgão àquele que editou a norma. Referido PLS está aguardando designação de relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), desde 20 de agosto.

Com tal projeto cria-se obrigação aos conselheiros julgadores do Carf à estrita e expressa observação e aplicação aos atos normativos expedidos pelo Poder Executivo na seara tributária, podendo ser eles: instruções normativas (IN), portarias ministeriais e atos declaratórios normativos.

É sabido que em matéria tributária, em face até da complexidade de nosso sistema, verifica-se com certa frequência um abuso por partes das autoridades responsáveis pela edição de tais atos administrativos; sendo mais certo ainda que a correção desses desvios, em tempos de hoje pode e deve ser feito pelo Carf, como aliás já o fez:

"Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL Ano-calendário: 2003 CALCULO DO PREÇO PARÂMETRO. MÉTODO PRL-60 PREVISTO EM INSTRUÇÃO NORMATIVA. INAPLICABILIDADE. A função da instrução normativa é de interpretar o dispositivo legal, encontrando-se diretamente subordinada ao texto nele contido, não podendo inovar para exigir tributos não previstos em lei. Somente a lei pode estabelecer a incidência ou majoração de tributos.A IN SRF n° 243, de 2002, trouxe inovações na forma do cálculo do preço parâmetro segundo o método PRL-60%, ao criar variáveis na composição da fórmula que a lei não previu, concorrendo para a apuração de valores que excederam ao valor do preço parâmetro estabelecido pelo texto legal, o que se conclui pela ilegalidade da respectiva forma de cálculo." (Acórdão 1202-000.971)

Ora, caso aprovado o mencionado PLS 543/15 e promovida a alteração ao CTN nos moldes em que proposta, os julgadores daquele Tribunal Administrativo, mesmo que constatados flagrantes vícios e ilegalidades não poderão afastar em hipótese alguma tais atos normativos (portarias, instruções normativas e atos declaratórios), devendo a partir de então obediência cega aos mesmos.

Mais grave ainda, obrigará ao contribuinte que se sentir lesado buscar guarida junto ao Poder Judiciário contra tal afronta e ilegitimidade:

"As instruções normativas, editadas por órgão competente da administração tributaria, constituem espécies jurídicas de caráter secundário. Cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Essas instruções nada mais são, em sua configuração jurídico-formal, do que provimentos executivos cuja normatividade esta diretamente subordinada aos atos de natureza primaria, como as leis e as medidas provisórias, a que se vinculam por um claro nexo de acessoriedade e de dependência. Se a instrução normativa, editada com fundamento no art. 100, i, do Código Tributário Nacional, vem a positivar em seu texto, em decorrência de ma interpretação de lei ou medida provisória, uma exegese que possa romper a hierarquia normativa que deve manter com estes atos primários, viciar-se-á de ilegalidade e não de inconstitucionalidade." (STF, Plenário, AGRADI 365/DF, Min. Celso de Mello, nov/90).

Pergunta-se: e já não está o Poder Judiciário assoberbado pela avalanche de ações levadas a seu crivo? Não é papel do Carf servir de órgão auxiliar ao Poder Judiciário face a seu eminente caráter técnico-tributário, evitando assim o aumento dessa litigiosidade fiscal?

Não fosse bastante temos ainda de tratar do PLS 544, de 2015, também de relatoria da senadora Vanessa Grazziotin, cujo objeto é alterar o Decreto 70.235/72, para estabelecer que não possui efeito suspensivo o recurso voluntário em julgamentos em primeira instância, no âmbito do processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União. Tal PLS está desde 21 de agosto aguardando recebimento de emendas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com prazo para a apresentação dessas vencendo nesta quinta-feira (27/8).

Observa-se, por relevante, que uma vez aprovado tal PLS 544 este também impactará ao artigo 151, III do CTN, em face da previsão expressa quanto à suspensão da exigibilidade dos créditos tributários nas hipóteses de haver a apresentação de reclamações e recursos em processos administrativos.

Ora, a extinção da suspensão da exigibilidade do crédito tributário implicará e impactará diretamente na decisão do contribuinte em prosseguir a busca do reconhecimento de seu direito na esfera administrativa-fiscal-tributária, esvaziando o papel do Carf, que não mais se demonstrará interessante, lendo-se interessante nos exatos termos da lição do administrativista José dos Santos Carvalho Filho que, quanto à ampla defesa em esfera administrativa defende que esta nunca deverá ser interpretada de forma restritiva ('in' Manual de Direito Administrativo, 20ª ed., Ed. Lumen Juris, p. 913); sendo que no campo tributário e constitucional a amplitude desta interpretação há de ser reconhecida no efeito suspensivo que se reclama às manifestações de inconformidades e/ou outros instrumentos de defesa apresentados pelos contribuintes.

Mais uma vez, e reclamando perdão pela necessária repetição, questiona-se: não está o Poder Judiciário assoberbado pela avalanche de ações levadas a seu crivo? Não é papel do Carf servir de órgão auxiliar ao Poder Judiciário face a seu eminente caráter técnico-tributário, evitar o aumento dessa litigiosidade fiscal?

A doutrina nos auxilia a responder tal questionamento quando afirma que "o Poder Público, na pendência da solução administrativa, ficará inibido de inscrever a dívida e procurar o Poder Judiciário para requerer seus direitos." (Paulo de Barros Carvalho em "Curso de Direito Tributário", 21ª ed. Saraiva, 2009, 0. 483). Ou seja, o papel do Carf e a suspensão dos efeitos aos recursos que são a esse guindados para exame, tem papel relevante na solução das causas de ordem tributária-fiscal-previdenciária, auxiliando com isso a desafogar o Poder Judiciário.

Por fim, esperamos tenham de fato tais propostas (PLS 543 e 544) – não obstante as impropriedades dos mesmos — o condão de se converterem em instrumentos a provocar mais debates salutares a respeito da importância e efetivo papel do Carf; sendo que, ao contrário, desejamos não sejam os mesmos utilizados como ferramentas a possibilitar outras fontes de arrecadação, em sua maioria injustas, pois sábia é a lição de Montesquieu:

"As rendas do Estado são uma parcela que cada cidadão dá de seu bem para ter a segurança da outra ou para fruí-la agradavelmente. Para fixar corretamente essas rendas, cumpre considerar as necessidades do Estado e as necessidades dos cidadãos. Não se deve tirar das necessidades reais do povo para suprir as necessidades imaginárias do Estado. Necessidades imaginárias são as exigidas pelas paixões e fraquezas dos que governam, a atração de um projeto extraordinário, o desejo doentio de uma glória inútil e uma certa impotência do espírito contra os caprichos. Amiúde, os que, com um espírito inquieto, estavam na direção dos negócios sob o governo do príncipe julgaram que as necessidades do Estado eram as necessidades de suas almas insignificantes. A sabedoria e a prudência devem regulamentar tão bem como a porção do que se retira e a porção que se deixa aos súditos" (MONTESQUIEU, 1982, p. 241).

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