Repórter sob processo

Polícia Civil diz que escutas telefônicas nascem sigilosas e indicia jornalista

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22 de agosto de 2015, 11h45

A Polícia Civil de São Paulo indiciou, por quebra de sigilo, um jornalista do interior do estado que publicou, em reportagem sobre um sequestro na região de São José do Rio Preto, trechos de conversas entre os acusados do crime e a família da vítima.

Embora o jornalista Allan Abreu, do Diário da Região, afirme que inexistia na época qualquer decisão judicial declarando segredo, a polícia diz que toda escuta telefônica obtida com autorização da Justiça nasce naturalmente sob sigilo. Luiz Roberto Ferrari, advogado da publicação, já entrou com Habeas Corpus pedindo a anulação do procedimento.

Em agosto de 2014, a juíza Gislaine de Brito Faleiros Vendramini, da 3ª Vara Criminal de São Paulo, havia negado um pedido para transformar o processo em sigiloso. O repórter foi ao fórum local com o advogado do jornal e pediu as escutas colhidas na investigação. Seu pedido foi aceito e, no final do mesmo mês, a reportagem foi publicada.  Apenas em novembro do ano passado a situação mudou, quando a juíza Luciana Cassiano Zamperlini Cochito, também da 3ª Vara Criminal, decretou o segredo.

“O delegado diz que utilizei de um ‘esquema fraudulento’ para obter a informação no cartório. Mas não havia segredo de Justiça! Consultei o processo como qualquer cidadão poderia fazer. A polícia justifica que a divulgação das escutas atrapalha o trabalho de inteligência da polícia. Quando as escutas foram divulgadas, a investigação já se encerrara”, afirmou Abreu à revista Consultor Jurídico.

Medida inconcebível
Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) declarou ser “impossível haver crime de quebra de sigilo quando não há segredo” e diz que “o Tribunal de Justiça de SP deve agir com celeridade e reparar a decisão da Polícia Civil paulista, deferindo o pedido de trancamento da ação, que se configura um evidente desrespeito ao exercício da atividade jornalística e à Constituição Federal”.

De acordo com José Eduardo de Souza, secretário do interior e litoral do Sindicato do Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, é inconcebível em um país democrático, com garantia constitucional do exercício da profissão, que ocorra fatos como este.  “De acordo com o jornalista, não houve crime algum, pois o processo judicial onde ocorreu a interceptação telefônica revelada na reportagem estava disponível ao público em cartório por ocasião do seu trabalho de apuração dos fatos. Isso não caracteriza nenhum tipo de ilícito”, argumentou o dirigente.

O ex-ministro do STF Ayres Britto já se pronunciou sobre as questões que envolvem o jornalismo e o sigilo de uma investigação. Britto entende que se o jornalista sabe de algo que está sob segredo de Justiça, e esse algo tem interesse público, não só pode como tem a obrigação de revelar o que sabe. Afinal, a missão do jornalista é informar. E para isso o jornalista deve ter livre acesso, como reza a Constituição no parágrafo 1º do artigo 220, reforçando ainda mais a proteção da liberdade de imprensa: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.

Divulgação de fonte
Não é a primeira vez que o jornalista Allan Abreu vira alvo de processo. A pedido do Ministério Público, a 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto (SP) determinou no ano passado a quebra do sigilo telefônico do jornal Diário da Região e do repórter. O objetivo era descobrir quem foi a fonte que passou informações sobre uma operação da Polícia Federal sobre um esquema de corrupção na delegacia do trabalho local.

A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) foi ao STF contra a medida e conseguiu suspendê-la, por decisão do presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski. Ele concedeu liminar “por cautela”, para resguardar “uma das mais importantes garantias constitucionais, a liberdade de imprensa, e, reflexamente, a própria democracia”. O relator é o ministro Dias Toffoli.

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