Anistia soberana

Juiz rejeita denúncia contra acusados
de tortura e homicídio na ditadura

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20 de agosto de 2015, 19h24

A Lei da Anistia (6.683/79) eliminou a possibilidade de punição para crimes políticos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Assim entendeu o juiz Alessandro Diaferia, da 1ª Vara Federal Criminal, ao negar prosseguimento de ação contra sete agentes da repressão militar envolvidos na morte de um metalúrgico nas dependências da sede paulista do DOI-Codi.

O Ministério Público Federal montou sua denúncia baseado em três argumentos. O primeiro ponto é que os crimes políticos cometidos pelo regime militar caracterizam um ataque sistemático contra a população civil brasileira. Outro aspecto é que a Corte Interamericana de Direitos Humanos considera torturas e execuções sumárias como graves violações aos direitos humanos, que por isso seriam imprescritíveis. Também alegou que, quando o fato ocorreu, o Brasil já tinha estipulado o conceito de crime contra a humanidade.

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Manoel Fiel Filho, que, segundo denúncia, foi torturado e morto em janeiro de 1976.
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Segundo a denúncia, Manoel Fiel Filho foi torturado e morto em janeiro de 1976 pelo comandante de destacamento Audir Santos Maciel, junto com os também militares Tamotu Nakao, Edevarde José, Alfredo Umeda e Antonio José Nocete. Estavam ainda envolvidos no processo o perito Ernesto Eleutério e o médico legista José Antonio de Mello, que falsificaram os laudos sobre a morte de Fiel Filho a fim de esconder os aspectos que envolveram o homicídio.

O crime aconteceu menos de três meses depois do homicídio do jornalista Vladimir Herzog, que ocorreu no mesmo local e também com práticas de tortura.

Lei irrevogável
Alessandro Diaferia entendeu que não há amparo legal para a denúncia, porque o crime foi cometido durante "regime por muitos denominado ditadura militar", e a anistia extinguiu a punição de crimes políticos cometidos nesse período.

"A Anistia é uma forma de punição que se caracteriza pelo esquecimento jurídico dos crimes e foi concedida pelo Congresso Nacional por meio de lei, não suscetível de revogação e que possui como decorrência a extinção de todos os efeitos penais dos fatos, remanescendo apenas eventuais obrigações de natureza cível", escreveu o juiz.

Argumento hiperbólico
Em relação aos argumentos do Ministério Público, Diaferia os contestou para explicar o motivo de não dar prosseguimento à denúncia. Sobre os crimes políticos terem sido ataques sistemáticos à população brasileira, o juiz considerou essa afirmação exagerada. Ele citou os genocídios de Ruanda e contra o povo armênio como exemplos de ataque sistemático a uma população e concluiu: “Não se pode dizer que a repressão a opositores do regime de exceção, por mais dura que tenha sido, tenha se estendido à grande massa da população brasileira. O argumento peca pelo caráter hiperbólico”.

Diaferia também evocou a violência atual no Brasil, que causou 56 mil mortos em 2014, como ponto de reflexão. “Tal cifra indica a grande violência e medo que a população tem de aprender a conviver nos tempos presentes. Estaríamos, então, diante de uma situação análoga a de uma guerra? Há o risco do Brasil ser responsabilizado em âmbito internacional à conta de tal dado estatístico, já que o compromisso assumido é o de proteger e assegurar a vida do ser humano? Poderia o popular leigo, de mediano conhecimento, afirmar que é bem mais 'perigoso' viver nos dias atuais do que na época do regime de exceção? Tais provocações têm a mera finalidade de proporcionar reflexão mais detida e contextualmente mais ampla sobre o tema.”

Sobre o fato de o Brasil ser membro da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o juiz ponderou que regras estabelecidas pelo órgão devem ser respeitadas, mas não são retroativas  —  a entrada brasileira na corte foi em 1992, e o crime, em 1976.

Pacificação social
Alessandro Diaferia fez questão de demonstrar que sua decisão não é tentativa de encobrir crimes políticos. “Não se trata, aqui, de acobertar atos terríveis cometidos no passado, mas sim de pontuar que a pacificação social se dá, por vezes, a duras penas, nem que para isso haja o custo, elevado, da sensação de ‘impunidade’ àqueles que sofreram na própria carne os desmandos da opressão”, explicou. Por fim ressaltou: “Lembre-se que não apenas opositores do regime de exceção pereceram durante aquele difícil período”.

Devido ao falecimento, o Ministério Público deixou de prestar denúncia contra Ednardo D'Avilla, Dalmo Lúcio Muniz Cyrillo, Harim Sampaio D'Oliveira, Luiz Shinji Akaboshi, Moacyr Piffer, Paulo Pinto, José Henrique da Fonseca, Murillo Fernando Alexander e Orlando Domingues Jerônymo. 

Consenso com jurisprudências
A decisão da 1ª Vara Federal Criminal vai de acordo com outras que a Justiça brasileira vem tomando em casos semelhantes. Em 2014, o Supremo Tribunal Federal suspendeu tentativa de responsabilizar cinco militares pela morte do deputado federal Rubens Paiva, ocorrida em 1971. Também no ano passado, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ) trancou Ação Penal contra seis acusados de participar de um plano de atentado no Riocentro, em 1981. O Tribunal Federal da 1ª Região tomou mesma atitude com denúncia contra coronel do Exército Sebastião Curió. E a Justiça Federal em São Paulo já considerou prescrita a possibilidade de punir o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra por ocultação de um corpo.

Clique aqui para ler a decisão. 
Processo 0007502-27.2015.403.6181.

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