Punição desnecessária

Uso de drogas não afeta terceiros, afirmam defensores da descriminalização

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19 de agosto de 2015, 18h58

Na primeira parte do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade de tratar como crime a posse de droga para uso pessoal, destacaram-se os argumentos dos que defenderam a descriminalização. O julgamento foi iniciado na tarde desta quarta-feira (19/8) pelas sustentações orais dos representantes dos envolvidos no caso concreto e dos amici curiae. Cada um dos representantes da partes teve 15 minutos para falar e os amici curieae de cada lado dividiram 30 minutos entre eles.

A discussão envolve o artigo 28 da Lei 11.343/2006, chamada de Nova Lei de Drogas. O texto foi editado para diferenciar o tratamento do usuário e do traficante de drogas. Pelo que diz o dispositivo, é crime a posse de drogas para consumo pessoal, mas a pena é tratamento de saúde obrigatório, advertência verbal e prestação de serviços à comunidade.

Pierpaolo Bottini aponta que ao estipular pena, lei estigmatiza usuário de drogas.
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Quem defende a inconstitucionalidade do artigo afirma que o Direito Penal não é a maneira correta de tratar o tema, que é de saúde e não de segurança pública. Segundo o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, que sustentou em nome da ONG Viva Rio, “ainda que não se trate de prisão, é prevista a pena, a estigmatização”.

O recorrente é um presidiário que foi flagrado com drogas dentro de sua cela. Ele é representado pela Defensoria Pública de São Paulo, cujo argumento é o de que o artigo 28 da Lei de Drogas viola o direito constitucional à intimidade e o princípio da lesividade, segundo o qual só pode ser considerado crime o que causa lesão a terceiros.

Conforme falou na Tribuna do Supremo nesta quarta o defensor paulista Rafael Muneratti, “os argumentos ideológicos se sobrepõem aos argumentos técnicos”. “O ato de consumir entorpecentes é uma realidade que acompanha a humanidade desde sua origem e exige gerenciamento, e não punição. Por isso não parece mais sensato buscar esse gerenciamento atrás da punição e da proibição. Tivemos experiências trágicas no passado, como a Lei Seca”, disse, em referência à proibição à venda e consumo de álcool implantado nos Estados Unidos na década de 1920, que muitos apontam como a origem da máfia naquele país.

Bottini concorda com a Defensoria e vai além. Conforme sustentou nesta quarta, o artigo 28 viola o princípio da dignidade da pessoa humana, descrito no artigo 2º da Constituição Federal. “É o princípio que estrutura o nosso sistema e se caracteriza pelo respeito à pluralidade, ao respeito à individualidade de cada um”, disse. “Impedir que as pessoas se despojem da dignidade não é problema do Direito Penal”, completou, citando o jurista alemão Claus Roxin.

O criminalista Cristiano Ávila Maronna falou pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e seguiu a linha da Defensoria e da Viva Rio. Para ele, “comportamento que não afeta terceiro não é bem jurídico digno de proteção penal”. “O Estado não pode criminalizar condutas que não excedam o âmbito do próprio autor, a despeito de todo malabarismo jurídico.”

A pesquisadora Luciana Boiteux, que falou em nome da Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos, foi a última a defender a inconstitucionalidade. De acordo com a advogada, “o uso de drogas não é fenômeno atual na história da humanidade. A criminalização do uso é que é. E o modelo pune usuários e traficantes”.

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