Crise nos pampas

Para desembargador, falta de recursos faz Constituição se tornar "regra fictícia"

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18 de agosto de 2015, 18h40

A falta de recursos em caixa é um caso de força maior que permite o não cumprimento de Constituição estadual. Com essa tese, o desembargador João Barcelos de Souza Júnior, integrante do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cassou por meio de decisão monocrática uma liminar deferida por ele anteriormente que proibia o governador de parcelar o salário de uma servidora pública estadual.

Segundo o desembargador, o estado informou que o parcelamento não se deu por escolha ou por desrespeito às decisões judiciais, mas pela absoluta falta de recursos públicos para fazer frente à folha de pagamento dos servidores. Os procuradores do estado também esclareceram que o total esgotamento dos recursos públicos disponíveis foi oficialmente reconhecido pela Controladoria e Auditoria-Geral do estado. Houve ainda o bloqueio de recursos da União em função do atraso no pagamento da dívida estadual.

“Frente aos últimos episódios envolvendo a fatídica e caótica situação financeira do estado, revi meu entendimento. Se não tem recurso em caixa, significa que existe situação fática insuperável, o que está acima das regras do ‘dever ser’. É caso de ‘força maior’, que extirpa a opção de cumprir o comando constitucional e o torna, pelo menos neste momento, regra fictícia frente ao atual estado de pobreza do Rio Grande do Sul. Portanto, afasta os efeitos do enquadramento ilegal do ato”, afirmou o relator.

Em julgamento de caso semelhante em junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o parcelamento do salário. O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que essa opção só pode ocorrer desde que governo e os sindicatos firmem um acordo. "Do contrário, alegada impossibilidade de pagamento, por si só, não permite o parcelamento unilateral dos salários”, concluiu o ministro.

Inicialmente, Souza Júnior deferiu liminar e proibiu o governador de parcelar a remuneração da autora ou de realizar o pagamento fora do prazo estabelecido no artigo 35 da Constituição estadual, assegurando o recebimento da integralidade dos vencimentos, proventos e pensões.

Prioridades financeiras
Por meio de demonstração prática, os procuradores do estado explicaram como falta recursos ao Rio Grande do Sul. Informaram que a receita corrente líquida é muito reduzida nos primeiros dias do mês, pois não há vencimento expressivo do ICMS, e as transferências da União ocorrem somente a partir do dia 10.

“A pouca receita gerada no início do mês é praticamente toda utilizada para fazer frente aos sequestros judiciais de RPVs, medicamentos e para o pagamento dos rendimentos financeiros pela utilização de depósitos judiciais, que são diários e inadiáveis. Em agosto de 2015, a receita líquida anterior ao dia 10 somou apenas R$ 73,3 milhões, e a despesa do mesmo período foi de R$ 70,3 milhões. E o valor pendente de pagamento da folha de julho de 2015 era de R$ 360,1 milhões. Portanto, até o dia 10 de agosto a inviabilidade material do pagamento da folha, por absoluta falta de recursos, estava concretizada, conforme previsto. O calendário de atraso só foi antecipado porque a União não executou as garantias pelo inadimplemento da dívida no dia 10 de agosto. Esse risco era enorme, tanto é que já no dia 11 de agosto a União solicitou bloqueios das receitas do estado”, afirmaram os procuradores em sua defesa.

Análise do Supremo
A questão de não cumprir a Constituição estadual por falta de recursos tem sido recorrente no Rio Grande do Sul. No início de junho, o Supremo Tribunal Federal negou o pedido feito pelo governo da unidade federativa para suspender a garantia de que os pagamentos dos servidores públicos estaduais sejam feitos até o último dia de cada mês.

Segundo o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, apesar de a administração pública afirmar que está promovendo as medidas necessárias para regularizar as finanças públicas, “não é possível deixar de tratar os salários dos servidores como verba prioritária, inclusive ante determinação constitucional”. 

Além disso, o próprio Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por meio da desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, estabeleceu que os salários de policiais do estado não podem ser parcelados. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RS.

Processo 70066084476

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