Fatos e versões

Youssef confessa lavagem, mas é absolvido por causa de confusão do MPF

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17 de agosto de 2015, 18h08

O doleiro Alberto Youssef assumiu ter repassado “quatro milhões e pouquinho” de reais num esquema que fez a Petrobras contratar navios-sondas entre 2006 e 2007. Acabou, porém, absolvido do crime nesta segunda-feira (17/8), porque a forma de lavagem de dinheiro narrada na denúncia foi diferente do modo relatado por Youssef — o caminho citado pelo Ministério Público Federal, segundo o próprio doleiro, corresponde um fato diferente, envolvendo outras pessoas.

O juiz federal Sergio Fernando Moro, responsável pelos processos da operação "lava jato" em Curitiba, ao assinar a sentença, reconheceu a ocorrência de “uma situação um pouco paradoxal”. “Embora [o doleiro] tenha confessado que lavou dinheiro da propina relativa aos contratos de fornecimento dos navios-sondas”, afirma Moro, “deve ser absolvido, pois não há prova acima de qualquer dúvida razoável de que as operações descritas na denúncia como de sua responsabilidade se refiram à lavagem da propina dos navios-sondas”.

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Segundo Youssef, MPF errou ao explicar forma como dinheiro foi lavado.

Youssef foi o único dos réus beneficiado. O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que comandava a área internacional da Petrobras, foi condenado a 12 anos, 3 meses e 10 dias de prisão.

Também foram responsabilizados Fernando Soares, acusado de usar sua “relação amigável” com Cerveró para intermediar o repasse de propinas, e Julio Camargo, do grupo Toyo Setal, que atuava na outra ponta da intermediação, com o estaleiro coreano Samsung — fornecedor dos equipamentos.

Jornada equivocada
Moro avalia na sentença que uma série de canais foi usada para o dinheiro sair da Samsung e chegar a Cerveró. Um desses canais foi relatado pelo MPF da seguinte forma: duas empresas de Julio Camargo (Piemonte e Treviso) fizeram repasses para suas contas no Banco Merry Linch, em Nova York. A offshore Devonshire Global Fund, controlada por Youssef, fez um empréstimo nesse banco dando como garantia os mesmos valores depositados pelas duas empresas. Esse dinheiro então chegou às mãos de Fernando Soares.

Acontece que Youssef negou essa versão, em depoimento à Justiça. Segundo ele, os repasses a Soares só foram feitos depois que Julio Camargo usou uma conta de outra empresa — a RFY, controlada por um sócio de Youssef —, no HSCB de Hong Kong. O delator disse ainda que o MPF se confundiu com outra operação: ele usou, de fato, a Devonshire, mas em outro processo que beneficiaria a empreiteira Camargo Corrêa.

As declarações do doleiro costumam ser levadas em conta porque, se ficar comprovado que mentiu durante o processo, ele perderia os benefícios negociados no acordo de delação premiada.

O procurador regional da República Orlando Martello, que integra a força-tarefa da “lava jato” e foi um dos autores da denúncia, diz que a acusação havia se baseado no relato de outros delatores. “Quando a gente adota uma versão, a gente adota uma versão baseada num depoimento, não sai da nossa cabeça. Se esse depoimento não se confirma, temos que reconhecer.” De acordo com Martello, entretanto, a força-tarefa ainda vai avaliar se a narrativa de Youssef está correta.

Na sentença, Moro diz que a absolvição de Youssef não impede que seja alvo de nova denúncia com base nas lavagens por ele admitidas. Mas o procurador Martello descarta nova acusação contra o doleiro, porque as condenações contra ele em outros processos já alcançaram o limite de 30 anos de prisão — conforme o acordo de delação, ações e inquéritos contra ele seriam suspensos quando as penas somassem esse prazo.

Youssef foi condenado em ao menos cinco ações penais e já havia sido absolvido em outro caso.

Clique aqui para ler a sentença.

Clique aqui para ler a denúncia.

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