Opinião

Ingerência do Judiciário piora situação de empresas em recuperação

Autor

  • Renaldo Limiro

    é advogado especialista em recuperação judicial de empresas. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo (editora DelRey) Recuperação Judicial a Nova Lei (AB Editora) e Manual do Supersimples (com Alexandre Limiro editora Juruá). É membro da ACAD Academia Goiana de Direito.

15 de agosto de 2015, 11h18

Com os pedidos de recuperação judicial em alta, devido a uma série de problemas na economia brasileira, nada mais oportuno do que uma análise da aplicação da Lei 11.101/05 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências) pelo Judiciário. E no sentido de dois dos princípios que a precederam: a celeridade e a economia processual, tanto nos processos em andamento quanto nas centenas dos que necessariamente baterão às portas dos juízes brasileiros.

Entretanto, o que se tem observado em processos de recuperação judicial, quando os administradores societários são destituídos, é exatamente o contrário dos dois princípios acima citados (a celeridade e a economia processual). Isso porque, decorrente de interpretação errônea, o Judiciário colabora para a lentidão do trâmite das recuperações judiciais, o que fatalmente contribui para o prejuízo de todos os atores do respectivo processo. Sem contar os possíveis danos a credores e ao próprio recuperando, que pode ser objeto de ação de indenização por danos materiais ou até danos morais.

Na hipótese citada – a destituição dos administradores societários durante o procedimento da recuperação judicial em decorrência de qualquer das irregularidades previstas no caput do artigo 64 da Lei 11.101/05 —, o correto caminho processual, ou seja, a correta interpretação do respectivo artigo é a substituição desses administradores em conformidade com o disposto nos atos constitutivos da sociedade empresária.

Ou, se for o caso, conforme o disposto no plano de recuperação judicial, em plena e perfeita obediência ao que prescreve o parágrafo único deste mesmo artigo 64, ou seja: “Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial”.             

No entanto, rotineiramente, o Judiciário, ao invés de obedecer às disposições legais acima citadas, utiliza das disposições do artigo 65 (que tem por alvo exclusivamente o devedor empresário individual, pessoa natural) e determina a convocação de assembleia geral de credores para a escolha do gestor judicial para assumir as funções de administrador da sociedade recuperanda.

Esse não é o procedimento correto, porque, no caso da destituição dos administradores pelo juiz, a Lei de Recuperação Judicial (parágrafo único do art. 64) manda que os mesmos sejam substituídos em conformidade com o disposto nos respectivos atos constitutivos do devedor (o recuperando).

Ao invocar o artigo 65, muitos dos juízes brasileiros, além de não estarem cumprindo a lei, estão também causando morosidade ao andamento do processo (e isso reflete em todos os atores). Da convocação à realização de assembleia geral de credores para se deliberar sobre o nome do gestor judicial, por exemplo, um tempo considerável é demandado, assim como ônus financeiro ao recuperando (que terá que arcar com os custos da publicação dos respectivos editais que convocam a assembleia geral de credores, além dos custos financeiros do local onde esta se realizará, se em primeira ou segunda convocação, bem como as filmagens necessárias, os lanches, cafés, etc).  

Pior: eleito o gestor judicial, o recuperando terá também de arcar com a sua remuneração — que, sabemos, não é pouca coisa para quem se encontra no estado de recuperação judicial —, além de possíveis auxiliares que o mesmo solicitará ao juiz do feito para o desempenho de suas funções.  

E que funções são essas a serem exercitadas pelo gestor judicial e seus auxiliares, a não ser aquelas que, se aplicada a lei corretamente (o parágrafo único do art. 64), seriam praticadas por outros sócios da recuperanda ou por estes indicados em conformidade com o que diz o respectivo ato constitutivo, talvez sem qualquer ônus? Além disso, destituídos os administradores e substituídos conforme o ato constitutivo do devedor, não haverá perda de tempo e nenhum ônus financeiro. É vida que segue.

Apimentando mais a situação diante da aplicação errônea da Lei 11.101/05 pelo Judiciário, pode ocorrer que este gestor judicial meta os pés pelas mãos e, sob sua administração, ocorra a convolação da recuperação judicial em falência. Isso pode ser irreversível. Indaga-se, portanto, qual o maior prejuízo que uma sociedade empresária pode sofrer além de sua própria falência?

Os efeitos são imediatos, como a própria inabilitação para exercer qualquer atividade empresarial até a extinção das suas obrigações, além da anotação da falência e da expressão “Falido” no Registro Público de Empresas (a Junta Comercial). Os seus ativos, por consequência, até mesmo os intangíveis, por certo, perderão os reais valores, dentre outros pontos negativos.  

Quem responderia por tudo isso? O Estado. Este é o responsável por indenizar o “falido” e até mesmo seus sócios ou acionistas, desde que devidamente comprovados os atos falhos do gestor judicial à frente da administração, vez que foi nomeado pelo Judiciário em completa desobediência aos mandamentos legais. Daí decorrem os danos patrimoniais por acaso sofridos com a má administração do gestor judicial que levou a recuperanda à falência, assim como os danos morais.

Sintetizando, a responsabilidade do Judiciário frente aos problemas existentes com relação aos processos de recuperação judicial, assim como quanto às centenas de futuros outros que se avizinham, não é pequena, mas tem sido subestimada. Se o Judiciário aplicar com correção a lei conforme acima exposto, contribuirá para a celeridade e economia das recuperações judiciais, assim como poderá evitar que o Estado não seja chamado para responder por eventuais prejuízos decorrentes de atos ilegais.

Autores

  • Brave

    é advogado especialista em Direito Empresarial com foco em recuperação judicial de empresas, sócio fundador do escritório Limiro Advogados Associados, membro da Academia Goiana de Direito e assessor jurídico do Movimento Goiás Competitivo. Escreveu as obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo (DelRey, 2015) e Recuperação Judicial de Empresas (AB Editora, 2005)

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