Opinião

Empresas são despreparadas para lidar com a questão da obesidade

Autor

  • Christiani Marques Cunha

    é advogada e consultora. Professora de Direito pela PUC-SP. Mestre e doutora em Direito das Relações Sociais (PUC-SP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

14 de agosto de 2015, 6h52

A expressão “plus size” gerou polêmica na imprensa durante as últimas semanas. Grandes magazines foram questionados quanto à possível discriminação dos obesos. As modelos gordinhas também sofrem preconceitos. Penso que o mesmo pode ocorrer com as magras. Será? O Judiciário vem sendo questionado com pedidos de indenização decorrentes da discriminação estética e moral. Por outro lado, alguns médicos se preocupam com o fato de que a moda “plus size” faz esquecer o perigo da obesidade. Até uma campanha contra o termo foi noticiada pelos portais de internet, com a hashtag #DropThePlus. A proibição da hashtag "#curvy" (#comcurvas) no Instagram, que, segundo a rede social, era usada para exibir conteúdo sexualmente explícito, acabou gerando um protesto a favor das mulheres “plus size”. Diversas blogueiras e ativistas adotaram as hashtags "#curvee" (#curva), "#bringcurvyback" (#tragacomcurvasdevolta), "#everybodyisbeautiful" (#todomundoébonito) e "#curveegirl" (#curvafeminina) para promover a beleza das gordinhas.

Mas como as empresas tratam esse assunto? Qual a consequência da obesidade nas relações de trabalho?
Em 2014, ficou conhecida a reprovação da candidata A.C.M.[1] por obesidade, em perícia de concurso para professor na rede estadual paulista. Docente em química, foi aprovada no concurso para a educação básica; porém, reprovada na perícia médica. No total 155 candidatos foram considerados inaptos pela perícia, sendo 39 desses por obesidade. Considerar a candidata inapta pela estética (peso) para o cargo de professor, nos leva a crer que a reprovação foi discriminatória posto que ocorreu por motivo diverso da sua qualificação.

Muito antes disso, em 2002, M.S. e C.C.[2], respectivamente, não puderam assumir o cargo de cozinheira e auxiliar de serviços gerais, porque a perícia indicou serem obesas, apesar de terem sido aprovadas no concurso para a prefeitura de Blumenau.

O representante comercial T.T., 130 kg e 1,80 diz que ”a discriminação foi do bailinho ao emprego. Ele lembra que deixou de ser promovido no Banco em que trabalhava para o cargo de auxiliar de gerência, pois o chefe disse que precisava de uma pessoa com melhor aparência”.[3]

A candidata à caixa deixou de ser selecionada por causa do seu sobrepeso. Houve denúncia e se tonou objeto de ação civil pública contra uma rede de supermercados, em Brasília. Decisão liminar inédita[4]. E, ao final, foi homologado acordo judicial, encerrando o processo.

Inúmeros são os casos, fora as situações de apelidos com sentido pejorativo: “Garfield”; “Gato Gordo”; “Dumbo”; “Ocioso”; “Lerdo”; “Gordo”; “Bonachão”; “Tartaruga”; “Acomodado”; “Gordinha”[5] alguns deles objeto de ações[6] por dano moral decorrente do assédio moral. E o que tiveram em comum? Depressão em razão das humilhações, transtornos de humor e stress relacionado a obesidade, além de prejuízos na ascensão da carreira profissional e inúmeros constrangimentos.

As situações relatadas ilustram que o candidato ao emprego[7] e ou empregado têm violados os princípios fundamentais (constitucionais) da dignidade da pessoa humana, da isonomia, e o valor social do trabalho, posto que contaminadas de vício pelo padrão estético magro como melhor, belo e perfeito, e o mais importante sem observar o critério fundamental e lógico, ou seja, a qualificação para o exercício da atividade profissional, violando também o objetivo constitucional da inclusão, previsto no artigo 3º, inciso IV, ao discriminar a pessoa simplesmente por um critério estético. É mais fácil, porém é não inclusivo e preconceituoso. Há um despreparo da sociedade e muito pouca vontade nesse sentido.

Sob a ótica dos Recursos Humanos, há sofrimento íntimo, complexo de inferioridade, e a sensação de constrangimento, vivenciados pela pessoa em consequência do excesso de peso associado à discriminação. E portanto, nos dias atuais, no mercado competitivo que vivenciamos, há o risco da pessoa deixar-se vencer pelo desânimo, em nítida perda de desempenho, inclusive em equipe.

Contudo, não é somente a pessoa obesa que sofre pressão profissional e pode ser objeto de discriminação; a magra, também. Vejamos:

A modelo P.R., 15, tem suas medidas monitoradas desde os 11 pelas agências de modelos em que trabalhou. Com 1,81 m, 57,5 quilos de 17,4, um pouco abaixo do mínimo tido normal (18,5% IMC), contabiliza 89 cm de quadril e 59 cm de cintura. Conta ela: uma vez sai da medida, fiquei com 94 cm de quadril e meu `broker´ (agente) quase me matou. Ele ficou apavorado: Como assim? Eu chorei um monte, mas depois emagreci. (…) quando chamam para uma pizzaria, prefiro não ir. Se comer à noite, me sinto mal, fico com a consciência pesada. ” [8]

As corporações investem milhões em treinamentos pelo ambiente de trabalho saudável, pela correta inter-relação entre os profissionais e na formação de “times” e lideranças, mas se esquecem do quanto o padrão estético pode influenciar as decisões.

Há também os riscos à saúde que muitas empresas não querem assumir em suas apólices coletivas de saúde, posto que a inatividade aumenta risco de doença (diabetes, hipertensão arterial, risco cardiovascular), aumentando a sinistralidade dos Planos, e causando reajuste de preço.

A humanização das relações é meta contemporânea nas empresas. Deixar de lado a questão da obesidade aumenta o risco empresarial e gera discriminação estética no ambiente de trabalho. Uma visão que, a médio prazo, penalizará a empregadora, seja pelo ponto de vista social ou econômico.

Portanto, a falta de equilíbrio e bom senso decorrentes de posições antagônicas e radicais, geram o conflito pela busca do corpo perfeito e a discriminação estética, diante da ausência da aceitação e da busca pelo bem-estar, de forma saudável, para alcançar uma vida digna e sem consequências na saúde, de forma inclusiva.

Luiz Felipe Pondé, ao escrever sobre As feias e os covardes, traz uma abordagem sobre o significado da beleza e inveja, alertando inicialmente que as pessoas não são iguais, umas são melhores do que outras, mais inteligentes, mais bonitas, mais generosas. Diz, o filósofo e escritor, “a acusação de que toda mulher bonita seja burra é a esperança das feias, sua pequena vingança contra a beleza que não têm. Não é apenas o homem inseguro que teme a inteligência numa mulher bonita, as feias também temem. Elas as feias, ficam, à noite ou pelos cantos do escritório, tramando como jogar sobre a bela e inteligente colega a suspeita de que a inteligência reconhecida no trabalho se deve à cama. (…) a beleza (como signo do que desperta inveja) é sempre minoria no mundo, e todo mundo quer destruí-la por que não a tem. O ódio pela beleza é um fato científico. Isso não é ideologia, é ciência. ”[9]

As pessoas deixam de ser incluídas em projetos profissionais, pois há no inconsciente coletivo de nossa sociedade (i) o uso do capital erótico (composto primeiramente pela beleza, sensualidade, habilidades sociais, vivacidade, apresentação e sexualidade); e, (ii) “efeito aura”, ou seja, a beleza é associada a características positivas como inteligência, caráter e liderança.

Stress: Fator cooperação à obesidade
O ambiente de trabalho competitivo nas empresas e as metas, cada vez mais presentes, inquestionavelmente geram stress, o qual também pode colaborar para a obesidade e considerado a epidemia do século pela Organização Mundial da Saúde. Está na hora de compreender e verificar o que pode ser feito a esse respeito.

O conceito de stress foi desenvolvido, na década de 1930, pelo médico endocrinologista e químico Hans Selye, e segundo ele consiste em três fases sucessivas: Reação de Alarme, Fase de Resistência e Fase de Exaustão, sendo que esta última é atingida apenas nas situações mais graves e normalmente as reações são nocivas e o indivíduo pode ter doenças graves como: enfarte, hipertensão ou úlceras.[10] Voltamos aqui à questão dos planos de saúde e a sinistralidade.

Considerando o conceito proposto por Hans Selye, o stress está intimamente ligado às mudanças aceleradas. Sendo assim, um dos ambientes em que mais se pode observar os reflexos dessas mudanças é o do trabalho. Os grandes avanços na automação e informática trouxeram modificações nas relações laborais. São fatos demais, ‘e-mails’ demais; a maior parte das pessoas sente-se atordoada com o excesso de informações, sem tempo para ler o que deveria, isso sem contar as demais vias como jornais, tvs, revistas, rádio e internet. Além disso, há uma espécie de pane mental causada por WhatsApp,  celulares, e sites, em que a pessoa perde muitas vezes a noção do que está fazendo. Em outras palavras, a vida neste milênio exige reflexos rápidos.

Modernamente, o conceito de stress está associado a essa tendência ao desgaste organo-funcional gerado por estímulos excitantes (agradáveis ou desagradáveis) que minam a imunidade, extenuam a ação neuro-hormonal e depauperam o psiquismo mental e/ou emocional.

Os estudos apontam que, nos Estados Unidos, segundo o American Institute of Stress, o stress custa entre U$ 150 milhões e U$ 200 milhões por ano, ou seja, aproximadamente 1% a 2% do PIB do país. Os gastos dividem-se em custos de saúde, licenças (150 milhões de jornadas de trabalho perdidas) e perda de produtividade. Na Europa, o relatório Research on Work Related Stress, da agência europeia para a segurança e saúde do trabalho, mostra que aproximadamente um em cada três trabalhadores é atingido por problemas de stress, em grande parte como decorrência de mudanças e insegurança no emprego.[11]

Dr. Kenneth Cooper, como médico, afirma que não é o stress que mata, e sim a forma como se lida com ele.

No mercado de trabalho, as empresas não devem propor mecanismos para acabar com o stress, até mesmo porque ele faz parte do crescimento humano. Mas perceber a forma como a pessoa responde a uma situação de stress, ou seja, não é o evento em si que importa, mas como ele é percebido. Pois a situação de stress crônico, quando já se manifestam os distúrbios de esgotamento, ansiedade e depressão que elevam o consumo de medicamentos ansiolíticos e antidepressivos, retrata a péssima qualidade de vida. E pior, é nesta fase que se aumenta o uso de substâncias como: tabaco, álcool, café e tranquilizantes. As empresas estão investindo cada vez mais em salas de “DETOX”, com ambiente de relaxamento e recreação, que aumenta a criatividade e diminuem o stress nocivo.

Resposta: Atitude positiva

Reflexão e transformação.

É incontroverso que comprovada a discriminação poderemos optar pelo caminho da judicialização da questão de foro tão íntimo. Há o risco da demora na demanda, o que pode aumentar mais ainda o peso da insegurança moral para o indivíduo. E outra vez, presente o litígio em uma sociedade que se torna mais violenta a cada tempo, ao invés da busca pelo consenso e outros caminhos de transformação. Por que não alternativas como mediação e conciliação?

Há resistência à transformação. Falta coragem. Há comodismo. Impera-se o individualismo e o litígio.

Nossa sugestão são as mudanças de hábitos e comportamentos para atingir um bem maior, com bom senso, respeito e crescimento. A exemplo disso, a antroposofia nos ensina que qualquer incorporação de hábito ou mudança do mesmo, o indivíduo deve continuamente executá-la pelo mínimo de quatro fases lunares, cerca de 30 dias.

A adoção de uma nova atitude mental com a prática da meditação é, também, um caminho a seguir. E o grande segredo está simplesmente em adquirir uma visão normal que se incline para o lado positivo. Pense no fracasso e pode estar certo de que se sentirá um fracassado. Pratique, porém, pensamentos estimuladores, faça disso um hábito dominante e acabará desenvolvendo uma forte sensação de capacidade que o habilitará a vencer quaisquer dificuldades.

E concluo compartilhando história que meu avô Juan contava: “Conheço um homem que é muito valioso para sua empresa, não por causa de habilidades excepcionais, mas porque ele sempre demonstra ser possuidor de um espírito animador. Quando seus companheiros encaram com pessimismo certo problema, ele logo emprega um método a que deu o nome de “método aspirador de pó”, isto é, por meio de uma série de perguntas, ele “aspira o pó” do espírito de seus companheiros; arranca-lhes as atitudes negativas. E, depois, serenamente, sugere ideias positivas com relação ao problema, inspirando novas atitudes”.


[1] Jornal Folha de S.Paulo, caderno cotidiano, 17 de maio de 2014, pag.5.

[2] Jornal Folha de S.Paulo, caderno cotidiano, 4 de abril de 2002, p.C7.

[3] Jornal Folha de S.Paulo. Caderno Cotidiano. 5 de novembro de 2010, p.C1.

[4] Processo n. 889/2005 – 10ª.Vara do Trabalho/Brasília. Trecho da decisão liminar “Em tempo de finalização, concedo a proteção imediata e defiro parcialmente a liminar pleiteada nestes termos:1. Deverão as requerias absterem-se de fazer qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência em razão de origem, raça, sexo, peso, cor, altura, estado civil, orientação sexual, situação familiar, quantidade e idade dos filhos, estado de saúde, ajuizamento de ações na justiça, aparência física, ou qualquer outra forma de discriminação, de trabalhador potencialmente candidato ao preenchimento de vagas ofertadas pelas Rés, exigindo apenas as informações estritamente relacionadas às atividades profissionais, exceto quando a natureza da atividade a ser exercida, assim o exigir; 2. Deverão as requeridas quando anunciarem a existência de vagas na empresa, não incluirem as exigências discriminatórias enumeradas no item 1 supra; 3. Deverão as requerias se absterem de colher informações sobre a esfera da vida privada do candidato a emprego ou obreiro já empregado, observando-se a as seguintes diretrizes: 1) a realização de entrevistas e questionários deve ser diretamente relacionada com a aptidão profissional exigida para a prestação do trabalho oferecido; 2) deve-se conferir ao candidato o direito de não responder a questões sobre aspectos pessoais, desde que a veracidade da informação não seja de fundamental importância para a execução do serviço; 3) os exames médicos devem respeitar a intimidade do candidato ou obreiro, que não está obrigado a demonstrar ser possuidor de alguma doença; 4) são proibidas perguntas acerca das opiniões políticas, crença religiosa, estado de gravidez, filiação partidária, origem étnica, situação familiar, diversões preferidas, vida social, modo de passar o tempo livre, férias, funções dos familiares e hobbies.

[5] TRT 2ª Região – j. 25/08/2005- processo n. 01836200202902002 – acórdão – 20050580870.Des.Relator: Sérgio Pinto Martins. Ressalta, o relator no voto: “todas as pessoas têm nome, que fica incorporado ao seu patrimônio moral. Tendo nome a autora, não poderia ser chamada de “gordinha”.Certos adjetivos servem para ofender ou ridicularizar as pessoas, sendo que alguns, valendo-se do poder econômico ou social exercem sobre outros, única e exclusivamente para humilhar e constranger seu semelhante. É o que ocorre com o termo “gordinha”, que mostra o menosprezo pela pessoa que tem alguns quilos a mais do que o normal. Será que o Sr. Francisco ou qualquer outro diretor da empresa gostaria que lhe atribuíssem o adjetivo “gordinho” ou qualquer outro com sentido pejorativo? Com certeza, não.”

[6](TST-RR-290-41.2010.5.03.0071) – (TST – AIRR- 269-42.2011.5.15.0024) – (TST-RR-985.2006- 025-03-00.7) – (TST-RR-37600-85.2007.5.04.0030)–(TST-AIRR-265140-10.2005.5.02.0044)–(TST-RR-121200-17.2009.05.03.0012) – (TST-AIRR – 1984440-86.2005.5.09.0016).

[7] “DANO MORAL. FASE PRÉ-ADMISSIONAL. OBESIDADE. DISCRIMINAÇÃO. A empresa não é obrigada a admitir candidato que se apresenta para submeter-se a teste seletivo. Entretanto, excluí-lo do procedimento pré-admissional fundado na sua condição física (obesidade) pratica ato discriminatório que justifica a sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais”. (TST – RR – 410300-79.2008.5.09.0654, 5ª Turma , Relator João Batista Brito Pereira , DEJT em 22/06/2011, p. 1150).

[8] Jornal Folha de S.Paulo, Caderno Cotidiano, 03 de agosto de 2009, p. C3.

[9] Jornal Folha de S.Paulo. Caderno Ilustrada. 07 de dezembro de 2009, p.E11.

[10] www.saudeetrabalho.com.br/estresse,ansiedadeeesgotamento, p.6-7.

[11]       Charly Cungi. Saber administrar o estresse na vida e no trabalho, p.25.

Autores

  • Brave

    é advogada e consultora. Professora de Direito pela PUC-SP. Mestre e doutora em Direito das Relações Sociais (PUC-SP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

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