Opinião

Washington Barra dedicou a vida ao Ministério Público

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12 de agosto de 2015, 6h30

“Ninguém é mais ou menos que ninguém,
somos todos iguais e apenas um
pedacinho daquilo que Deus nos permite ser.
Obrigado pela amizade e fraternidade.”

Barra, Washington

É sempre uma alegria realçar as qualidades que marcam a alma de alguém, principalmente quando se trata de um líder que trabalhou para melhorar o serviço público em benefício do público. Washington Barra destacou-se na história do Ministério Público de São Paulo porque moveu a instituição para sedimentar sua autonomia e defendeu ardorosamente a independência de cada um de seus membros em benefício da sociedade.

Coragem, devoção, lealdade e persistência são marcas virtuosas da personalidade deste grande procurador de Justiça que presidiu a Associação Paulista do Ministério Público por cinco mandatos, de modo inédito. Não é apenas o seu carisma que explica esse fato raro, mas sobretudo seu pioneirismo, sua generosidade e seu acolhimento. Por tudo o que ele fez, por sua luta persistente e pelos riscos que correu em nome de um ideal, não é somente o Ministério Público paulista que está de luto por Washington Barra, lamentando sua ausência há sete dias, mas o Ministério Público brasileiro.

Nascido no interior de São Paulo, em São José do Rio Preto, Washington Epaminondas Medeiros Barra foi membro do Ministério Público por 36 anos e faleceu aos 68 anos de idade. As lições que aprendeu com a mãe, Anita, e com o pai, Epaminondas, delegado de polícia, moldaram seu caráter, como ele sempre gostava de lembrar ao enfatizar a importância da lealdade: nunca se abandona um amigo, por mais difícil que seja a jornada. Riscos são inevitáveis.

Ele deixou órfã a família do Ministério Público, de quem sempre foi amigo. Gostamos de lembrar dele como um timoneiro seguro do caminho a seguir, entusiasmado com o ideário a defender, abraçado a valores altaneiros. Ele conquistava lealdade porque não defendia uma pauta pessoal, mas o interesse público.

O sentimento geral entre os colegas é de grande tristeza pela perda de Barra, cuja forte presença no Ministério Público de São Paulo sempre o notabilizou como um dos promotores de Justiça mais carismáticos que já se conheceu. Não fugia da luta, não esmorecia ao primeiro obstáculo, tinha fôlego para as longas distâncias, não se deixava seduzir pelas tentações do poder e não perdia o norte a seguir.

Sua vida é um exemplo de dignidade para os jovens, sobretudo pela determinação em fazer uma carreira honrada em prol do bem público, mesmo com as dificuldades de quem à época residia no interior. Influenciado pelo pai, Barra decidiu estudar Direito e se formou aos 27 anos na primeira turma da FMU, colando grau em 1973. Iniciou sua carreira como advogada na área de seguros, mas logo compreendeu que sua vocação era servir ao público e tornou-se promotor de Justiça no estado do Paraná.

Em 1978, ingressou no Ministério Público de São Paulo, tendo sido promotor de Justiça substituto na circunscrição de Santo André. Foi promotor de Justiça em Palmeira D’Oeste, auxiliar em Santos e na Vila Maria.

Em São Paulo, especializou-se, atuando como curador de Família e Sucessões na capital. Seu notável trabalho passou a ser referência nessa matéria, tendo diversos artigos publicados. Mais tarde, coordenou o Centro de Apoio Operacional de Família, Cível, Idoso e Pessoa com Deficiência, tendo se dedicado intensamente à aplicação concreta da lei que obrigava a realização do exame do pezinho nos neonatais.

Integrou banca de concurso, conselho superior e o Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, com intensa e cotidiana participação na vida política institucional.

O período de liderança associativa, quando assumiu a presidência da Associação Paulista do Ministério Público (APMP) por cinco mandatos (1994-1996, 1996-1998, 2006-2008, 2008-2010 e 2010-2012) foi especialmente notável, não só porque foi um dos que mais mandatos cumpriu como presidente de associação do MP em todo o Brasil, eleito pela classe, mas sobretudo pela pauta que defendeu e pelo modo de sua atuação, tendo participado em Brasília da luta contra a PEC 37.

Na APMP, distinguia-se pela gentileza no gesto e pela sinceridade nos propósitos. Sempre acolheu com carinho os colegas: o problema do colega passava a ser problema de Barra, sempre dedicado e buscando auxiliar e resolver.

Barra acompanhava com grande interesse o amadurecimento do regime democrático, sobretudo na área jurídica, estudando sempre a doutrina e a jurisprudência. Inovador e pioneiro, estava conectado com a mudança social, que exige a constante atualização dos membros do Ministério Público e reflexão sobre temas sensíveis.

Organizou, para isso, eventos e seminários jurídicos sobre temas relevantes para a sociedade, sendo um grande e dedicado anfitrião. Apoiou com entusiasmo e empenho as reuniões dos Grupos de Estudos do Ministério Público paulista, tradicional espaço democrático para análise da atuação institucional, onde surgiram ideias pioneiras e inovadoras como a da proteção de interesses difusos e coletivos pela ação civil pública.

Fiel ao ideário de participação democrática e de defesa da liberdade de associação e de reunião, essencial em toda democracia, Barra participou ativamente das jornadas associativas em Brasília, como integrante do Conselho Deliberativo da Conamp (Associação Nacional do MP), sendo conhecido por sua combatividade, energia, espírito agregador, disposição e amor infinito e incondicional pelo Ministério Público.

Visionário, sentindo o impacto profundo da reforma previdenciária sobre o Ministério Público, foi um dos principais entusiastas e cofundador da Jusprev, entidade associativa de previdência privada que congrega mais de 56 associações de carreiras jurídicas públicas do país. Barra foi o primeiro presidente do Colégio de Instituidoras da entidade (2007-2012).

Gostava de futebol — era palmeirense — e, na música, admirava Nelson Gonçalves e Jamelão, especialmente quando este interpretava Lupicínio Rodrigues. Apreciava a boa comida, sobretudo porque enseja uma boa conversa, e sempre exaltava São Paulo e a gente brasileira.

Deixou a presidência da APMP em 2012 e colaborou com extrema generosidade na transição para a nova diretoria executiva que assumia, dedicando horas e horas na transmissão de preciosas informações, essenciais para o bem-estar dos associados e para evitar solução de continuidade na gestão da associação.

Nos últimos anos da carreira, dedicou-se à gestão da Procuradoria de Justiça Cível e à atuação em processos complexos. Alinhavava pessoalmente cada argumento do parecer ou do recurso para o STJ ou para o STF, acompanhando atentamente a jurisprudência e sempre cultivava o sentido crítico de quem se interessa por uma justiça mais ágil.

As reuniões mensais da Procuradoria de Justiça Cível que presidia eram sempre muito animadas e energizadas por seu entusiasmo pelo trabalho desenvolvido nas ações judiciais, pelas teses vitoriosas, pela possibilidade de êxito em um novo recurso e infalivelmente contaminadas pelo seu bom humor, o mesmo de quando ingressou na carreira, como se tivesse sido no dia anterior.

Nos seus últimos dias de vida, hospitalizado, recebeu a visita solidária e calorosa de centenas de colegas de trabalho, verdadeiros amigos. Mesmo doente, preservou a gentileza, o bom humor e a alegria que sempre marcaram sua vida. Não chamava a atenção para si. Importava-se com as pessoas: queria saber o que estava acontecendo na vida de cada um e o que se passava lá fora. Sempre perguntava por alguém da família do visitante ou confortava outrem com uma mensagem de esperança. Ensinou-nos o valor dos laços que nos unem.

Alardeava seu irrestrito amor ao Ministério Público, sempre destacando sua importância para a sociedade brasileira. Lia, poucas horas antes de ser sedado, as propostas dos postulantes à Procuradoria-Geral da República e mostrava-se preocupado com o país. Dizia no hospital que se sentia “muito feliz” com o carinho das visitas e mensagens recebidas. Mesmo adoentado, não abandonou seu trabalho na instituição, tendo falecido como membro em plena atividade funcional, razão pela qual devotamos nosso eterno reconhecimento e gratidão. 

Washington Barra tinha grandeza de espírito. Vamos sentir sua falta. Ele deixa um legado de força, dignidade e persistência, de amor infinito ao Ministério Público, de dedicação extrema ao aperfeiçoamento e à evolução da instituição, de busca pela agregação dos colegas, os quais considerava sua família. Isso explica o sentimento de comoção, consternação, perda e tristeza que acomete a todos. Mesmo os que não foram seus amigos íntimos sentem a perda do grande líder, que exaltava o trabalho do Ministério Público por sua importância para a defesa de direitos fundamentais e do regime democrático.

O Ministério Público brasileiro e nossa sociedade estão mesmo de luto, pois perderam um defensor ardoroso, dedicado e generoso. Contudo, amigo Barra, a dimensão do mundo espiritual está em festa ao recebê-lo. Que Deus o abençoe sempre.

Nesta quarta-feira (12/8), a partir das 20h, será celebrada a missa de sétimo dia em homenagem a Barra, na igreja São Luiz (avenida Paulista, 1378).

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– Ana Maria de Castro Garms, promotora de Justiça Cível – Fundações
– Eduardo Roberto Alcântara del Campo, promotor de Justiça da Infância e Juventude
– Felipe Locke Cavalcanti, procurador de Justiça e presidente da Associação Paulista do Ministério Público
– Henrique Nelson Calandra, ex-presidente da Associação Paulista dos Magistrados e da Associação dos Magistrados do Brasil
– José Luís Alicke, procurador de Justiça
– Márcio Fernando Elias Rosa, procurador-geral de Justiça
– Maria Tereza Uille Gomes, procuradora de Justiça do MP-PR
– Norma Cavalcanti, promotora de Justiça e presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do MP)
– Raquel Dodge, suprocuradora-geral da República do MPF
– Roberto Livianu, promotor de Justiça e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático

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