Opinião

Novas regras de arbitragem em S.A. podem prejudicar os minoritários

Autor

  • José Romeu Garcia do Amaral

    é advogado e professor de Direito Societário e Governança Corporativa doutorando e mestre em Direito Comercial pela USP com LLM pela Northwestern University Pritzker School of Law. É membro do Conselho Editorial da Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários.

12 de agosto de 2015, 6h55

Artigo produzido por especialistas do Insper. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Recentemente, o vice-presidente da República sancionou a Lei 13.129, de 26 de maio de 2015, cujo objetivo é ampliar o espectro de aplicação da Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) e disciplinar o direito de retirada do acionista dissidente no caso de inserção de convenção de arbitragem no estatuto social.

Desde 2001, com a inclusão do parágrafo 3º no artigo 109 da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.), o direito societário admite a sujeição à arbitragem de litígios entre os acionistas e a companhia, ou entre os próprios acionistas, confirmando a regra geral de que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”[i].

Muito se discutiu na doutrina a respeito da “arbitrabilidade subjetiva”, ou seja, a possibilidade de vinculação de todos os acionistas à cláusula compromissória inserida no estatuto social pela vontade da maioria.[ii] Entende-se, neste caso, que a deliberação que aprova a inclusão da arbitragem no estatuto social, como meio de solução dos litígios societários, vincula os ausentes e dissidentes em decorrência do princípio majoritário.

Por outro lado, sob os argumentos de que a arbitragem traria mais transparência (curiosamente o procedimento é sigiloso) e melhoraria as relações societárias, ganhou força a corrente favorável à adoção da arbitragem em matéria societária. Daí que a BM&F Bovespa passou a exigir a adoção da cláusula compromissória estatutária em seus segmentos de listagem. Atualmente, os regulamentos do Bovespa Mais, Bovespa Mais Nível 2, Novo Mercado e Nível 2 preveem a obrigatoriedade da adoção de cláusula compromissória em que a companhia, o acionista controlador, os demais acionistas da companhia, os administradores e os membros do conselho fiscal comprometem-se a resolver toda e qualquer disputa ou controvérsia que esteja relacionada ou seja proveniente do regulamento de listagem, do contrato de participação, do regulamento de sanções, das cláusulas compromissórias, em especial, quanto à sua aplicação, validade, eficácia, interpretação, violação e seus efeitos, por meio de arbitragem, perante a Câmara de Arbitragem do Mercado, nos termos do regulamento daquela Câmara.[iii]

Para dirimir — ainda que parcialmente — as dúvidas existentes sobre a validade da cláusula compromissória em face dos acionistas ausentes ou dissidentes, a Lei 13.129/2015 introduziu o artigo 136-A na Lei das S.A. com a seguinte redação: “a aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45.”

O dispositivo citado cria, portanto, mais uma hipótese de retirada do acionista mediante reembolso do valor das ações, além daquelas já previstas no artigo 136 da Lei das S.A. Além da inovação no âmbito do direito de recesso, a própria lei excepciona a regra em duas situações: (i) cumprimento de condição para admissão à negociação de valores mobiliários da companhia em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% das ações de cada espécie ou classe, ou seja, em outras palavras, em caso de listagem no Novo Mercado da Bovespa; e (ii) inclusão em estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do artigo 137 da Lei das S.A.

Apesar da alteração legislativa ser importante para dirimir as dúvidas até então existentes, principalmente sobre a possibilidade do exercício do direito de retirada do acionista dissidente, algumas situações exigem que a eficácia da cláusula compromissória seja relativizada, evitando-se que a faculdade de inserção deste tipo de cláusula no estatuto social acabe por gerar “esquemas de vedação ao acesso à justiça e de ´encarceramento societário´”, como bem alertam Walfrido Jorge Warde Jr. e Fernando Antonio Maia da Cunha.[iv]

Tal situação fica evidente em litígio entre o acionista controlador, que pretende aprovar a inclusão da cláusula compromissória no estatuto social para livrar-se de potenciais ações judiciais, e os demais acionistas da companhia, principalmente a minoria (acionista não qualificado ou não institucional), que, eventualmente, não terá condições financeiras de instaurar uma arbitragem. Revela-se, assim, um conflito de interesses —aparentemente entre posições individuais —, que poderá resultar em exercício do direito de voto marcadamente contrário ao “interesse social stricto sensu”, ainda mais quando se verificar que a conduta abusiva do controlador coloca em xeque a “realização do escopo social”, entendido como “qualquer interesse que diga respeito à causa do contrato de sociedade, seja o interesse a melhor eficiência da empresa, seja à maximização dos lucros, seja à maximização dos dividendos”, nas palavras de Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França.[v]

Nesse sentido, as exigências dos regulamentos de listagem, que obrigam a inserção de cláusula compromissória nos estatutos sociais, parecem, na verdade, criar situação desfavorável aos acionistas dissidentes — muitas vezes minoritários —, principalmente nos casos em que os acionistas controladores, ou os administradores (na hipótese de controle gerencial), pretendem incluí-la com o propósito de desestimular o ativismo judicial daqueles que lhe são contrários, tanto em razão do custo da arbitragem como pelo caráter sigiloso que lhe é próprio, muitas vezes não servindo de mecanismo de dissuasão (deterrent) das condutas ilícitas.

Por isso que, às vezes, mais vale a publicidade da decisão judicial para desencorajar a permanência dos abusos do que uma sentença arbitral sigilosa, ainda que condenatória, por se tornar inócua do ponto de vista educativo e, consequentemente, não produzir qualquer efeito sanitizador.[vi]

Assim, as alterações introduzidas pela Lei 13.129/2015, por mais que sejam aclaradoras do procedimento de inclusão da convenção de arbitragem nos estatutos sociais e venham a reconhecer o direito de retirada do acionista dissidente, supostamente protegendo-o, podem servir também para reflexão sobre a efetividade da arbitragem societária e das eventuais armadilhas embutidas nesse mecanismo de solução de conflitos, que, no âmbito do direito societário e do mercado de capitais, podem afetar a transparência, a tutela das minorias e o efeito educativo ou dissuasório que advém da publicidade das decisões judiciais.


i Art. 1º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

ii MARTINS, Pedro A. Baptista. A arbitrabilidade subjetiva e a imperatividade dos direitos societários como pretenso fator impeditivo para a adoção da arbitragem nas sociedades anônimas. In: Processo Societário. Obra coletiva coordenada por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 619.

iii Ressalta-se que a Bovespa, além de exigir a inclusão da cláusula compromissória, reserva unicamente à Câmara de Arbitragem do Mercado, instituída pela própria Bolsa, o direcionamento de todas as arbitragens instauradas para solucionar os conflitos societários que venham a envolver as companhias aderentes aos regulamentos de listagem que a exigem.

iv A arbitragem e os limites à atuação do Judiciário nos litígios societários. In: Processo Societário. Obra coletiva coordenada por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 750. Walfrido Warde Jr. e Ruy de Mello Junqueira Neto, ao analisarem a casuística do AC n. 0033878-23.2011.8.26.0068, de 11/12/2012, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, relatado pelo Des. Pereira Calças, extraem a seguinte doutrina: “a cláusula de arbitragem não deve ser manejada em afronta à boa-fé, como técnica de encarceramento societário e para frustrar a concreção da tutelas das minorias, sob pena de se afrouxar ou mesmo afastar a sua força vinculativa” (In: Direito Societário Aplicado. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 74.

v Conflito de Interesses nas Assembleias de S.A. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 68.

vi Como já dizia Louis D. Brandeis, Juiz da Suprema Corte Americana, em sua famosa frase: “Publicity is justly commended as a remedy for social and industrial diseases. Sunlight is said to be the best of disinfectants; electric light the most efficient policeman.” (Disponível em: http://www.brandeis.edu. Acesso em: 29/06/2015).

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    é advogado e professor do Insper. Mestre em Direito Comercial (USP), LLM pela Northwestern University School of Law, especialista em Direito Empresarial (Mackenzie) e pós-graduado em Gestão Empresarial (Unicamp). Membro do Instituto de Direito Societário Aplicado.

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