Opinião

Convocação do Conselho da República é oportuna para enfrentar crise

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  • Heleno Taveira Torres

    é professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e advogado.

10 de agosto de 2015, 16h45

O ajuste fiscal é urgente. Desde o início do ano foram propostas diversas medidas tributárias e de responsabilidade fiscal as quais, se aprovadas em tempo, ainda que acompanhadas de modificações, teriam surtido os efeitos desejados para retomada do crescimento econômico e equilíbrio das contas públicas. O fato é que a crise política se impôs, ganhou forças e as medidas fiscais projetadas ou não foram aprovadas ou perderam o momento ideal de sua aprovação. Neste cenário, tornou-se prioritário superar a crise política, em favor da estabilidade das instituições democráticas.

Nas crises políticas, as soluções devem advir da Constituição, nunca dos desejos pessoais ou de crenças de grupos voluntariosos, mas da estabilidade das regras seculares forjadas para solucionar e resistir a crises, ao promover a continuidade do Estado como princípio. Esta é a tarefa das normas constitucionais em todas as sociedades: prover os meios para a normalidade.

A Constituição brasileira, ao fundar nosso Estado Democrático de Direito e suas instituições, incorporou o “Conselho da República”, que é importante órgão superior de consulta previsto em diversas outras constituições, em geral, parlamentaristas, como o “Conselho de Estado” de Portugal, Itália ou Espanha. Trata-se de valioso órgão de assessoramento a ser convocado pelo presidente da República, enquanto chefe de Estado, para estabelecer pautas consensuais de superação de crises ou dificuldades excepcionais, em favor da governabilidade.

O Conselho da República surge pela primeira vez no Brasil nos artigos 89 e 90 da Constituição de 1988, com competências para se pronunciar sobre intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio, bem como sobre “questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas”. Está regulado pela Lei 8.041/90, mas nunca foi convocado por nenhum dos presidentes.

A norma de competência do Conselho outorga poderes ao presidente da República para presidir os trabalhos e dele participam: o vice-presidente, o presidente da Câmara dos Deputados, o presidente do Senado Federal, os líderes da maioria e da minoria na Câmara, os líderes da maioria e da minoria no Senado, o ministro da Justiça, seis cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos de idade, sendo dois nomeados pelo presidente, dois eleitos pelo Senado e dois eleitos pela Câmara, todos com mandato de três anos, vedada a recondução. O Chefe da Casa Civil é o seu Secretário Executivo (Lei 9.649/98). E ministros de Estado podem ser convocados, mas apenas para auxiliar ou prestar informações. 

A convocação do Conselho da República seria, pois, o exercício de um poder constitucional que visa a superar crises pela busca de soluções políticas em favor da normalidade. Suas decisões, vertidas em pareceres ou aconselhamentos, em nada reduzem os poderes do Presidente. Ao contrário, propicia condições para o consenso e reforça compromissos com o diálogo e com os valores democráticos, bem assim com as obrigações de fielmente cumprir a Constituição. 

Para governar em crises são necessários estadistas: homens ou mulheres que pensam, com responsabilidade e comprometimento, sobre os fins e destinos do Estado. E mais, que estes assumam a atitude de afirmar a força da Constituição para impor-se acima das circunstâncias e os interesses episódicos.

Lamentavelmente, tudo concorre para desgastar essa força normativa do texto constitucional. Dentre outros, as sucessivas aprovações de “PECs”, em profusão nunca vista, para pretensas reformas as quais poderiam ser feitas por textos legais ordinários. Esquece-se que a Constituição consagra no artigo 2º que os poderes devem agir “harmônicos entre si”, como condição para o exercício da “independência” que os qualificam.

Não há dúvidas que o Estado brasileiro atravessa uma crise de diálogo entre os políticos, o que tem inibido a aprovação de medidas de superação da crise econômica que se propaga, e o povo, perplexo, segue à espera de soluções urgentes, a sofrer no caldo de intolerância e radicalismos que aflora. Diante do cenário de crise política, preferível evitar a irresponsabilidade fiscal ou enfrentamentos que contaminam a ordem social e a economia, para estabelecer uma pauta de consenso pela governabilidade do Estado.

Neste momento, o verdadeiro estadista será aquele que saiba promover a superação dos desafios com a constituição aberta em suas mãos, serenidade para construir consensos e os olhos fixos no porvir de normalidade e avanços. Assim, oportuno seria a convocação do “Conselho da República”, na convicção do papel de estadista que todos os seus membros devem honrar, para construção de uma pauta de consenso em favor da estabilidade democrática e econômica do país.

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