Opinião

Fortalecer a PGFN é um caminho para superar a crise

Autor

  • Allan Titonelli

    é procurador da Fazenda Nacional membro da Comissão Nacional da Advocacia Pública do CFOAB ex-presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz.

10 de agosto de 2015, 8h21

A atual crise financeira vivenciada pelo país tem provocado um mantra, repetido quase que cotidianamente, sobre a necessidade do Estado reduzir seus custos. De outro lado, a estagnação econômica, o aumento do desemprego, o baixo crescimento da indústria, entre outros fatores, estão resultando na diminuição da arrecadação. Dessa forma, considerando o estado do bem estar social erigido constitucionalmente, o país precisa cada vez mais de receitas. Ante esse contexto, é natural que a primeira medida a ser aventada por qualquer equipe econômica seja aumentar a tributação.

Outrossim, devemos recordar que a atividade financeira do Estado moderno não está atrelada apenas à arrecadação, mas também à boa gestão e execução dos recursos públicos, objetivando, como fim último, a concretização dos interesses da sociedade.

Ocorre que para a construção de um país mais igualitário é primordial que todos contribuam, na medida de suas possibilidades. Entretanto, sempre haverá aqueles que deixam de cumprir com suas obrigações, deixando de pagar deliberadamente os tributos. Fato esse cada vez mais contumaz, vide as recentes declarações do Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, dizendo que as empresas estão deixando de pagar seus tributos em face da crise econômica que vivenciam, uma vez que estão incluindo em seus “planejamentos” acertar as contas com o fisco em um próximo parcelamento, os quais já se tornaram corriqueiros.[1]

Nesse pormenor, estudo publicado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), nominado como Sonegação no Brasil — Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação[2] constatou que, levando-se em conta a média dos indicadores dos tributos que têm maior relevância para a arrecadação (ICMS, Imposto de Renda e Contribuições Previdenciárias) poder-se-ia estimar um indicador de sonegação de 27,6% da arrecadação, o que representaria em torno de 10,1% do PIB e uma perda de arrecadação de R$ 518,2 bilhões, com base no PIB do ano de 2014.

A título comparativo podemos ainda dizer que o desvio provocado pela sonegação é muito maior do que a corrupção, onde estudos da Fiesp constataram que o custo médio anual da corrupção no Brasil pode ser calculado entre R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões, representando aproximadamente de 1,5% a 2,6% do PIB.[3]

Somado a isso, e diante da regressividade do sistema tributário brasileiro, tendo em vista a prevalência da matriz tributária sobre o consumo, a sonegação é ainda mais nefasta para com os mais pobres, os quais, por consumirem praticamente toda sua renda, não possuem meios para sonegar, pagando ainda, proporcionalmente, maior tributação. Isso se comprova pelo fato de que quem ganha até dois salários mínimos paga 49% dos seus rendimentos em tributos, mas quem ganha acima de trinta salários paga 26%. Portanto, o contribuinte de baixa renda além de não ter mecanismos para promover a sonegação, uma vez que grande parte da incidência de sua tributação é sobre o consumo, ainda tem de arcar com o peso da sonegação dos outros.

Enfim, para eliminar essa injustiça fiscal e ajudar nesse momento de crise financeira é essencial que o Estado seja dotado de órgãos de arrecadação bem estruturados para exercer o combate à sonegação. Por essa razão, o Ordenamento Jurídico Brasileiro incumbiu à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a arrecadação dos tributos e demais receitas, não pagas e inscritas em dívida ativa da União.

A cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa da União garantirá a isonomia entre o devedor e o cidadão que paga seus tributos, evitando, também, a concorrência desleal e todas as suas consequências nefastas, como o desemprego.

Um órgão de recuperação bem aparelhado e independente propiciará a diminuição da sonegação, garantindo, consequentemente, maior disponibilidade de caixa para a execução das políticas públicas.

Todavia, a política fiscal do Governo passa ao largo dessa realidade. Primeiro porque o órgão responsável pela execução das dívidas tributárias (PGFN) carece de uma carreira efetiva de apoio, estrutura física, técnica e instrumental adequadas para o exercício das atividades dos Procuradores da Fazenda Nacional, carreira esta que sequer tem seus quadros completos (centenas de cargos vagos não foram providos), os seus sistemas informatizados não são integrados, entre outros problemas.

Segundo porque os parcelamentos cíclicos alimentam a sonegação, na medida em que projetam “planejamentos tributários” em que os sonegadores podem de tempos em tempos regularizar sua situação fiscal protraindo o pagamento dos débitos no tempo, o que está em vias de acontecer com os clubes de futebol. Para ilustrar basta tomarmos como referência um dos últimos parcelamentos excepcionais editados pelo Governo Federal, o Refis da Crise. Assim, se um devedor tivesse adotado a prática deliberada de sonegar, aplicando o valor do tributo não pago em renda fixa ou outro investimento similar, e tivesse optado pelo referido parcelamento adotando o pagamento à vista, com desconto de multa, juros e encargos, teria ainda tido lucro com tal operação[4].

Nesse contexto é importante registrar que, mesmo considerando as precariedades existentes, os procuradores da Fazenda Nacional estão cumprindo com seu mister, protegendo o dinheiro do povo, pois através do seu trabalho, durante os últimos três anos foram economizados mais de R$ 1 trilhão aos cofres públicos, bem como arrecadado mais de R$ 60 bilhões. Logo, cada R$ 1 investido no órgão traz um retorno de mais de R$ 700 para a sociedade e o Estado.

Pode-se somar aos dados aqui apresentados o alto índice de vitórias da PGFN nas causas em que há contestação, aqui tomado em sentido lato, chegando a 88% de vitórias, comprovando a alta especialização e dedicação dos Procuradores da Fazenda Nacional.[5]

Inexorável ressaltar que esses resultados foram atingidos a despeito de uma carga de trabalho e condições impostas aos integrantes da PGFN serem bem inferiores àquelas existentes no Poder Judiciário, paradigma em relação aos órgãos/instituições envolvidas com a prestação jurisdicional, o qual conta com cerca de 19 servidores para auxiliar o trabalho de cada juiz federal, enquanto os procuradores da Fazenda Nacional têm uma média de menos de um servidor para apoiar as atividades de cada membro. Isso sem registrar que cada procurador da Fazenda Nacional é responsável por uma média de 7 mil processos judiciais, carga 30% maior que a dos magistrados federais, sem contar as inúmeras atividades administrativas atinentes aos procuradores da Fazenda Nacional.[6]

Esses números demonstram que a realidade existente na PGFN não é condizente com a condição estratégica do órgão, bem como o fato de que a União não tem combatido a sonegação de forma efetiva.

A esse respeito temos que a preservação da função estratégica da atividade de fiscalização e arrecadação da União é garantida desde a criação do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF) por meio do Decreto-Lei 1.437/75, o qual tem como escopo financiar o reaparelhamento e reequipamento das atividades de fiscalização e arrecadação da União, conforme preconiza o artigo 6° da legislação citada. Todavia, a União, a despeito do que determina a Lei 7.711/88, a qual vincula as receitas do fundo, na subconta da PGFN, para reestruturação do órgão, tem contingenciado esses valores para os fins mais diversos possíveis, entre eles a realização do superávit primário.[7]

A falta de cumprimento da lei e os parcelamentos cíclicos evidenciam que o combate à sonegação não tem papel relevante para o Governo Federal. Ao permitir a eternização dessa realidade a administração federal desdenha de milhões de brasileiros que trabalham quase quatro meses por ano para pagar seus tributos.


1 Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/blog/cristiana-lobo/post/lava-jato-contribui-para-frear-economia-avalia-governo.html> Acesso em: 20.07.2015.

2 Disponível em: < http://www.quantocustaobrasil.com.br/artigos/sonegacao-no-brasil%E2%80%93uma-estimativa-do-desvio-da-arrecadacao-do-exercicio-de-2014> Acesso em: 20.07.2015.

3 Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/competitividade/downloads/custo%20economico%20da%20corrupcao%20-%20final.pdf> Acesso em 23.10.2012.

4 PLUTARCO, Hugo Mendes. Tributação, assimetria de informações e comportamento estratégico do contribuinte: uma abordagem juseconômica. 2012. 125 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.

5 Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=12782&Itemid=6> Acesso em 20.07.2015.

7 NUNES, Allan Titonelli. NETO, Heráclio Mendes de Camargo. País deve aplicar receita da PGFN no próprio órgão. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. 23 de agosto de 2011. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2011-ago-23/pais-investir-receita-pgfn-proprio-orgao> Acesso em 20.07.2015.

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  • é procurador da Fazenda Nacional, membro da Comissão Nacional da Advocacia Pública do CFOAB, ex-presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz.

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