Guerra às drogas

Supremo decidirá se Brasil pode seguir caminho mais justo e humano

Autor

  • José Gregori

    é advogado e foi secretário nacional dos Direitos Humanos e ministro da Justiça no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

9 de agosto de 2015, 11h35

Artigo publicado na edição deste domingo [9/9] do jornal Folha de S.Paulo

O Supremo Tribunal Federal deve julgar nesta semana o Recurso Extraordinário 638.659. No centro da disputa, encontra-se o disposto no artigo 28 da chamada Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), que criminaliza a aquisição e a posse de drogas para consumo pessoal.

No julgamento, os ministros do STF deverão decidir se essa regra colide com o direito fundamental à intimidade e à vida privada, assegurado pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

Evidentemente, o tema é de enorme relevância social, atingindo diversos processos criminais em todo o país, razão pela qual o STF já reconheceu a existência de repercussão. Em abril de 2013, entreguei em mãos ao ministro Gilmar Mendes, relator do processo, carta subscrita por mim e por outros seis ex-ministros da Justiça que atuaram nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

No texto, manifestamos nossa posição pela inconstitucionalidade da repressão penal ao porte de drogas para uso próprio. Faço questão de repetir: para uso próprio.

É inequívoco o fracasso da guerra às drogas que adota como estratégia a criminalização do usuário. Os debates mundo afora têm se concentrado na refundação das políticas de combate ao consumo de drogas, deixando de lado a perspectiva puramente repressiva, em favor de uma visão mais humana, voltada à redução de danos.

É essa a rota que vem sendo seguida por países como Alemanha, Portugal, Espanha, Colômbia e até mesmo por alguns Estados norte-americanos mais recentemente.

Na contramão da experiência internacional, recrudesce no Brasil uma pressão por aplicação de sanções maiores aos usuários de drogas. Assim, a decisão do STF reveste-se de importância ainda maior, na medida em que pode reconhecer a incompatibilidade dessa criminalização com os direitos humanos assegurados constitucionalmente, como a privacidade, a vida privada e a dignidade da pessoa humana.

A declaração da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, além de contribuir para a economia da enorme quantidade de recursos gastos na perseguição de consumidores de entorpecentes, abrirá portas para que finalmente se garanta aos usuários acesso a um tratamento digno, sem que a sanção penal se interponha entre médico e cidadão, o que hoje constitui um enorme obstáculo aos trabalhos de recuperação dos dependentes químicos.

Não se pode, porém, parar por aí. Infelizmente, mesmo o fim da criminalização do porte de drogas para uso pessoal terá efeito limitado se não forem estabelecidos critérios objetivos que permitam distinguir usuários de traficantes.

A definição desses parâmetros é um debate que deve envolver toda a sociedade, mas um primeiro passo pode ser a fixação de limites quantitativos mínimos, abaixo dos quais a posse de entorpecentes não possa ser enquadrada como tráfico.

Se isso não for feito, os usuários serão sempre reféns da discricionariedade policial, sendo que a própria sujeição do indivíduo a um longo e tormentoso processo criminal, ainda que culmine em absolvição, é incompatível com os princípios que norteiam a vida democrática.

O Brasil encontra-se, portanto, diante de dois caminhos. De um lado, podemos persistir na trilha da repressão e da criminalização. De outro, podemos caminhar para novas soluções, mais humanas, reduzindo os danos provocados por esse mercado nefasto e disponibilizando recursos para o tratamento digno dos dependentes químicos.

A decisão do Supremo Tribunal Federal poderá fazer a balança pender para um lado ou para o outro –espero que o faça para o lado positivo. De todo modo, a luta pelos direitos humanos não para, e no dia seguinte à decisão, seja ela qual for, teremos ainda um longo caminho a trilhar na construção de um Brasil mais justo e humano, no enfrentamento dessa difícil questão.

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    é advogado e foi secretário nacional dos Direitos Humanos e ministro da Justiça no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

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