Terceirização em debate

Assim que for aprovada a lei sobre tericeiração a Sumula 331 não vale mais

Autores

30 de abril de 2015, 8h31

ministro Barros Levenhagen, do TST
Em audiência pública no Senado, no dia 13 de abril, o presidente do TST, ministro Barros Levenhagen, afirmou que a regulamentação da terceirização chega em boa hora, já que hoje, o único parâmetro normativo sobre a matéria é a Súmula 331 do TST. O enunciado é que estabelece como legal a terceirização de trabalhadores de atividade meio, o que inclui trabalhadores da limpeza, de vigilância e de atividades especializadas. O ministro também entende que uma lei deve estabelecer limites à pratica. Ele defende que seja estabelecido um percentual máximo para o número de terceirizados em relação ao número de contratados e outro percentual mínimo entre os salários pagos aos terceirizados em relação aos contratados.

Em entrevista ao Anuário da Justiça do Trabalho e à revista eletrônica Consultor Jurídico, o presidente do TST falou sobre terceirização:

ConJur — Qual a posição da Justiça do Trabalho sobre a terceirização de mão de obra?
Barros Levenhagen —
Enquanto não houver uma regulamentação pelo Parlamento, nós estaremos aplicando a nossa súmula, mas no momento em que sobrevier uma lei regulamentando a terceirização evidentemente que nós vamos nos adaptar e acatar a lei do Congresso Nacional. Porque seria também uma insanidade institucional o juiz ser refratário a uma lei proveniente do Parlamento. Porque o Parlamento legisla e o Poder Judiciário interpreta e aplica as leis, e o Executivo dá a execução às leis, cada qual com a sua atribuição específica.

ConJur — Como cidadão, como o senhor vê a questão?
Barros Levenhagen —
Em audiência pública na Câmara dos Deputados fiz observar que se a terceirização pode contribuir para a maior produtividade do Brasil, da economia brasileira, não se pode descurar do outro lado a necessidade de preservar os trabalhadores em direitos mínimos que enalteçam a dignidade da pessoa humana, de que ele também é possuidor. Historicamente, foi nos governos conservador de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos que se passou a dar uma ênfase muito grande ao capital em detrimento do trabalho. E isso se espalhou pelo mundo e veio para o Brasil.

ConJur — Foi para se contrapor a essa tendência que o TST editou a Súmula 331,  estabelecendo critérios para a terceirização?
Barros Levenhagen —
Quando a Súmula 331 foi editada, em 1993, eu nem era ministro do TST. Não tínhamos, então, uma lei que tratasse dessa situação e a lei de introdução ao Código Civil e o Código de Processo Civil  de 1973 exigem do magistrado que não se exima de decidir alegando lacuna na lei. Então, pressionado por esse preceito de que devemos decidir ainda que haja lacuna, nós nos valemos, na ocasião, de princípios gerais de Direito, a analogia legis, no sentido de dar uma satisfação para um fenômeno econômico despido de roupagem jurídica e dentro do contexto do Direito do Trabalho, que é protecionista. Se entendeu na melhor das boas fé de que se devesse proteger o empregado quando da terceirização, naquilo que se convencionou chamar de atividade fim. O fenômeno econômico da terceirização, quando chegou ao Brasil, nem era precarizante de direito, era, na verdade, uma terceirização predatória. Do dia para a noite, criava-se uma empresa que fornecia empregados não qualificados para outra empresa contratante. A empresa contratada não tinha estrutura econômico financeira para suportar o pagamento dos direitos trabalhistas e, com frequência, abandonava os trabalhadores a meio caminho, retendo consigo o dinheiro pago pela terceirização. Por isso se disse que era ilegal exercer terceirização na atividade fim, exatamente porque não havia uma garantia para o empregado. Mas não se legislou, absolutamente não se legislou.

ConJur — Mas, até hoje essa é a a única “norma” sobre o  assunto.
Antonio Barros Levenhagen —
É. Mas não é uma norma, é uma construção jurisprudencial a que fomos obrigados a deliberar, em razão do imperativo de que o juiz não pode se eximir de julgar alegando lacuna na lei. No momento em que foi deflagrado o processo legislativo de regulamentação da terceirização, assim que a lei for aprovada e sancionada pela presidência da República, se estiver em contraposição à súmula, a súmula cai naturalmente, porque há de prevalecer a lei que tiver sido votada soberanamente pelo Congresso Nacional.

ConJur — O senhor continua levando em conta o critério de atividade-fim/atividade-meio pra definir se a terceirização é legal?
Barros Levenhagen —
Eu sou contrário à terceirização na atividade fim, porque temos a súmula. Quer dizer, como magistrado, ministro, presidente do TST, seria um contra-senso que eu dissesse que seria favorável a uma regulamentação da terceirização na atividade fim. Porque a súmula é a consolidação de repetidas decisões e nós devemos observá-la para dar garantia, segurança jurídica,. Então, seria muito estranho que ministros do TST, enquanto em vigor a súmula, passassem a deixar de aplicá-la sem que houvesse uma lei regulamentando a terceirização. Agora, como será a regulamentação é papel do Congresso Nacional.

ConJur — É papel da Justiça do Trabalho proteger o trabalhador?
Barros Levenhagen —
É uma pecha injusta que se atribui à Justiça do Trabalho. Injusta porque ela não é, por si só, protecionista. Ela aplica uma legislação que é protecionista. E o Direito do Trabalho é, na essência, um direito que protege o economicamente mais frágil na relação de emprego frente ao poderio econômico do empregador. Então, isso é algo que vem se perpetuando no tempo, embora nesses últimos dois anos isso tenha se arrefecido. A sociedade de um modo geral, tanto a ala empresarial quanto a ala profissional, tem entendido que o magistrado do Trabalho é isento. Todos nós somos imparciais, porque o magistrado que não o seja, não merece o nome de magistrado. Mas vai uma distância muito grande entre imparcialidade e aplicar uma legislação protecionista. Não significa que o ramo do Judiciário encarregado dessa aplicação seja acoimado injustamente como um ramo do Judiciário que protege sistematicamente o empregado. A sociedade precisa entender que não é a Justiça do Trabalho quem o quer, é a legislação que determina que as decisões sejam protecionistas daquele economicamente mais frágil.

ConJur — O que a Constituição diz sobre a relação entre trabalho e capital?
Barros Levenhagen —
Há uma norma constitucional da Constituição Cidadã, que é o artigo 1º, inciso 4, que diz ser princípios da República Federativa do Brasil a livre iniciativa e a valorização social do trabalho. O que pretendeu o constituinte de 1988? Que esse antagonismo que é natural, que existe entre a categoria econômica e a categoria profissional, não seja um antagonismo irascível, um antagonismo de terra arrasada. Ao contrário, são observados e garantidos os interesses de cada uma dessas categorias, a solução dos problemas que os afligem deve observar esses dois valores, porque no momento em que um sobrepuja o outro se perde esse equilíbrio que o constituinte de 88 pretendeu vigorar nas relações de trabalho. Hoje se dá invulgar relevo à preservação da empresa, ou seja, a proteção que a consolidação de leis avulsas dá ao empregado não pode ser exasperada a ponto de comprometer a viabilidade das empresas, porque são irmãos siameses. Sem empresa não há empregado, sem empregado não há empresa. Então não há como fugir desse binômio que os mantém unidos.

ConJur — Qual a melhor maneira de se garantir esse equilíbrio?
Barros Levenhagen —
  A adoção das convenções coletivas de trabalho. Porque são os próprios protagonistas das relações coletivas, que melhor sabem dos seus interesses, onde realmente a categoria profissional precisa de vantagem e até aonde a categoria econômica pode ceder a essas vantagens. Por isso, se deu essa invulgar importância à convenção até para evitar a intervenção do Judiciário do Trabalho, porque nessa seara é humanamente impossível que um ministro ou um desembargador possa conhecer a múltipla variedade das realidades das categorias econômicas e profissionais do país. Por isso mesmo é que o constituinte derivado colocou em patamar constitucional esse instrumento normativo, convenção e acordo coletivo, porque eles têm normatividade própria, valem como lei entre as partes. E deixou para uma última instância, quando as tentativas de negociação se revelarem absolutamente infrutíferas, aí sim vir ao Judiciário, mas sabendo bem que a solução talvez não atenda satisfatoriamente nem a um, nem a outra das partes.

ConJur — Quer dizer que a melhor solução não é a do Judiciário?
Barros Levenhagen —
  A sociedade precisa ter em mente, que o Judiciário tem como característica o fato de não poder decidir pelo empate nas contendas, seja qual for o ramo, ele ou julga procedente ou improcedente, ou procedente em parte a ação. E é da natureza humana que aquele que sucumbe ou perde a ação se sinta um pouco indignado. Eeu posso falar aqui de cadeira porque fui promotor de Justiça, juiz de direito, e toda vez em que se decidia uma ação criminal, cível, comercial, aquele que perdia nutria sempre uma certa desconfiança sobre a justiça da.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!