Selo de qualidade

Estado e empresas podem aliviar Judiciário caso se obriguem a reduzir litígios

Autores

  • José Renato Nalini

    é doutor e mestre em Direito pela USP desembargador aposentado ex-corregedor geral da Justiça ex-presidente do TJ-SP e reitor da UniRegistral.

  • Wilson Levy

    é advogado doutor em Direito pela PUC-SP com estágio de pós-doutoramento pela Mackenzie e diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninove.

22 de abril de 2015, 12h37

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta quarta-feira (22/4) com o título Novos amigos para a Justiça]

O Judiciário brasileiro enfrenta um enorme desafio: a cultura do litígio. De acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), estão em andamento mais de 100 milhões de processos judiciais no país.

Fazendo uma contabilidade simplória, se cada processo envolver ao menos duas partes, é como se todos os 200 milhões brasileiros estivessem a litigar, inclusive as crianças, os interditados e os inimputáveis nos termos da lei. É evidente que o cálculo não espelha a realidade. O percentual de ações envolvendo indivíduos é ínfimo se comparado aos movidos pelos clientes habituais do sistema Justiça: o poder público e as empresas prestadoras de serviços.

No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ­SP), o quadro não é menos complexo: são 44,2 mil servidores, 2.000 juízes e 352 desembargadores responsáveis por gerir 21,3 milhões de processos. Todos premidos por um Orçamento de cerca de R$ 9,5 bilhões, dos quais 95,7% estão comprometidos com a folha de pagamento. Como lidar com esse cenário?

A resposta fornecida pelo senso comum aponta para a equação mais processos/mais servidores/mais juízes. Só que não há almoço grátis: se essa opção for levada a sério, a sociedade pagará a conta. Daí a necessidade de repensar a cultura corporativa e o aprofundamento do diálogo com toda a sociedade.

É o que pretendem os programas Empresa Amiga da Justiça e Município Amigo da Justiça. Instituídos pelas portarias nº 9.126 e nº 9.127, ambas de 2015, são políticas públicas judiciárias orientadas a estabelecer uma nova forma de o TJ­SP se relacionar com as instituições.

Articuladas com a Estratégia Nacional de Não Judicialização, do Ministério da Justiça, e a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, do CNJ, os programas têm como foco o estabelecimento de compromissos de redução de ações judiciais novas, por meio de metas construídas de maneira dialogada com os participantes –empresas e municípios.

Ao aderir à iniciativa, os parceiros receberão um selo estilizado. Essa certificação poderá ser utilizada na divulgação das marcas e na prestação de contas dos gestores públicos.

O setor produtivo já incorporou novos valores, como a responsabilidade ambiental e a proteção das crianças. Nos EUA, empresas se engajam na defesa de questões que vão do estímulo a uma vida saudável à defesa do casamento gay.

Por que não instituir como novo valor corporativo a responsabilidade judicial, baseado na opção por não recorrer ao Judiciário? Que tal considerar o grau de responsabilidade judicial de uma empresa no cálculo de seu valor, inclusive no mercado de capitais?

A medida está adequada aos novos modelos de governança corporativa e regras de "compliance", que impõem políticas internas rigorosas para o relacionamento das empresas com clientes, investidores e o poder público. Conciliação, mediação e as formas alternativas de solução de conflitos convergem para esse fim.

Já o programa destinado aos municípios terá importante função pedagógica. É importante que a população saiba quanto custa manter o Judiciário e que possa avaliar como seu prefeito trata o assunto. Por que não optar pelo protesto da dívida ativa junto aos cartórios, celeiros de eficiência e inovação? A taxa de recuperação de crédito nessa modalidade é maior do que no sistema judicial das execuções fiscais, que custam, de acordo com o Ipea, cerca de R$ 4,4 mil e têm tramitação de quase dez anos.

A Justiça do século 21 não pode mais se fechar em si mesma, o que sempre deu margem a incompreensões sobre seu papel. Deve se abrir à sociedade civil e chamá­la ao exercício da cidadania, sendo parte de seu processo de aperfeiçoamento. Deve, portanto, contar com o auxílio de novos amigos.

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