Resolução de problemas

Com tribunal "alternativo", Michigan transforma réu em "cliente"

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21 de abril de 2015, 10h50

Em vez de mandar para a cadeia pessoas que cometem delitos não violentos, o juiz as condena a algum tipo de tratamento, a frequentar uma organização que possa ajudá-las ou a fazer algum curso. Qualquer dessas determinações é rigorosamente supervisionada pelo tribunal. Nesses tribunais, ninguém é chamado de “réu”, e sim de “cliente” de uma instituição que quer recuperá-lo.

O objetivo primordial desses tribunais é, em vez de punir, identificar e tratar a causa do problema que levou o “cliente” a ingressar no sistema de Justiça criminal. Para isso, o trabalho é feito por uma equipe multidisciplinar, formada pelo juiz, pelo promotor e por profissionais (assistente social, psicólogo, psiquiatra, etc.), funcionários do tribunal, policiais e, em alguns casos, familiares.

Para presidir um desses tribunais, o juiz tem de se apresentar voluntariamente (não é simplesmente nomeado por escolha de superiores). Isto é, ele tem de acreditar que pode recuperar criminosos não violentos e tem vontade de fazer isso.

O cidadão que cai em um desses tribunais só tem duas opções: trabalhar duro para a própria recuperação ou ir para a cadeia. Os que se tornam “clientes” têm de comparecer periodicamente ao tribunal, para provar que estão cumprindo o programa, fazer testes, tratamento e sessões de reabilitação, por exemplo.

No caso de dependentes químicos e alcoólatras, que são obrigados a frequentar clínicas de reabilitação ou organizações como a AAA, é preciso comparecer diariamente à corte, para provar que estão “limpos”. Isso, segundo depoimentos colhidos em uma pesquisa, é um grande incentivo, porque uma recaída significa ir para a prisão.

Os “clientes” que cumprem o programa ganham uma cerimônia de formatura e recebem diplomas, que podem ajudá-los a reingressar na sociedade, em escolas ou faculdades e, principalmente, no mercado de trabalho.

Essa descrição dos “tribunais de resolução de problemas” traz imediatamente a ideia de que tal programa foi concebido na Noruega, o país que mais investe na recuperação de condenados e que tem o sistema prisional mais brando do mundo. Mas, não: foi concebido nos EUA, o país que mais manda réus para a prisão e que aplica as penas mais duras do mundo.

Alguns estados americanos criaram “tribunais de resolução de problemas” nos últimos anos e estão satisfeitos com a experiência. Porém, Michigan está na frente. Um relatório do Tribunal Superior de Michigan, divulgado na última quinta-feira (16/4), afirma que um estudo feito nos últimos dois anos revela que os “tribunais de resolução de problemas” alcançaram um alto índice de sucesso, baseado na menor taxa de reincidência. E que Michigan lidera o país nessa iniciativa.

O estado tem 164 “tribunais de resolução de problemas” ou “tribunais não tradicionais”. Os mais atuantes, em Michigan e outros estados americanos, são o “tribunal de narcóticos”, o “tribunal da sobriedade”, o “tribunal da saúde mental”, o “tribunal juvenil [da criança e do adolescente] e o “tribunal dos veteranos de guerra” (geralmente para “tratar” do transtorno do estresse pós-traumático).

Os outros são o “tribunal da violência doméstica” (frequentemente, a violência doméstica decorre da ignorância e de tradições familiares), o “tribunal da dependência [de drogas] dos pais” (que transforma os filhos em vítimas), o “tribunal da comunidade”, o “tribunal da pensão alimentícia”, o “tribunal do absenteísmo escolar”, o “tribunal do bebê” e o “tribunal tribal”.

Além desses tribunais, há estados que têm o “tribunal do jogo do azar”, o “tribunal dos portadores de armas” e o “tribunal dos sem teto”. Em todos os casos, o objetivo é evitar que os “clientes” deixem que suas fraquezas resultem em crimes.

O estudo foi feito nos moldes de estudos clínicos da medicina: foi criado um grupo de controle, formado por réus que não participaram dos programas, para efeito de comparação com o grupo de “clientes”. Foram analisados 9.154 casos de participantes. O índice de reincidência foi substancialmente menor no grupo de “clientes”do programa.

O estudo apresentou resultados encorajadores, como os seguintes:

— 98% dos “formandos” do “tribunal de saúde mental” melhoraram suas condições mentais; A probabilidade de reincidência foi 63% menor do que a do grupo de controle, depois de dois anos.

— 97% dos adolescentes que participaram do programa do “tribunal de narcóticos” melhoraram seus níveis educacionais e se reabilitaram.

— A probabilidade dos participantes do “tribunal da sobriedade” de reincidir nos delitos foi 75% menor do que a do grupo de controle, depois de dois anos.

— A probabilidade dos participantes do “tribunal de narcóticos” de reincidir nos delitos foi 56% do que a do grupo de controle.

— 50% dos participantes do “tribunal de narcóticos” melhoraram seu status no emprego.

— A maioria dos participantes em todos os “tribunais de resolução de problemas” melhorou sua qualidade de vida.

De acordo com o relatório, além de reduzir a criminalidade, melhorar a qualidade de vida dos envolvidos e fortalecer as comunidades, os programas resultam em uma expressiva economia para o estado.

Apenas nos tribunais de narcóticos e de sobriedade, foram atendidas nos últimos dois anos mais de 10 mil pessoas, diz o relatório. Considerando que cada prisioneiro custa ao estado US$ 66 por dia, no mínimo, basta fazer as contas para ver que Michigan fez uma economia de milhões de dólares nesse período.

Críticas ao programa
Uma simples pesquisa na internet revela que também se apontam problemas nesse sistema alternativo. Acadêmicos jurídicos apontam que juízes podem forçar seus valores pessoais sobre réus de culturas diferentes.

Alguns defensores públicos criticam os “tribunais de resolução de problemas” porque os réus que aceitam a intervenção são implicitamente tratados como culpados. Os tribunais não permitem a uma pessoa acusada receber a determinação de inocente ou culpada.

Para o ministro James Yates, do Tribunal Superior de Nova York, esses tribunais parecem “um sistema inquisitorial de Justiça”.

Os juízes dos “tribunais de resolução de problemas” precisam ter qualificações outras do que o conhecimento da lei. Muitas vezes, eles exercem as funções de assistente social, terapeutas e contadores. O juiz Fern Fisher, de Nova York, comentou que nem todos os juízes têm a paciência e a atitude necessárias para a tarefa.

A resolução de problemas ainda dá seus primeiros passos nas faculdades de Direito. Instituições de ensino começaram apenas recentemente a oferecer cursos na área.

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