Lançamento de livro

Nova lei da guarda compartilhada tenta fixar papel dos pais, diz advogado

Autor

21 de abril de 2015, 14h56

Rodney Silva - OAB/RS
A Lei 11.698, de novembro de 2008, prometia tornar o instituto da guarda compartilhada a panaceia do principal problema causado pela separação do casal — o distanciamento entre pais e filhos, com suas inevitáveis sequelas na vida da criança. O que se viu foi algo completamente diferente, afirma o advogado Conrado Paulino da Rosa, especialista em Direito de Família e Sucessões.

“Muitas pessoas imaginam que compartilhamento de guarda é uma divisão de tempo para cada um dos genitores ficar com o filho, mas não é. Isso é guarda alternada”, aponta o profissional, que tem escritório em Porto Alegre e atua na área de mediação em São Paulo.

Ele aponta que, na guarda alternada, que sequer tem possibilidade jurídica de ser aplicada no Brasil, cada um dos genitores decide de forma isolada questões do dia a dia da vida dos filhos, no período de tempo preestabelecido pelo juiz. Já a guarda compartilhada confere a ambos os pais direitos e responsabilidades iguais, independentemente de quem seja o guardião legal.

Além da confusão dos institutos, os tribunais deixavam de recomendar a guarda compartilhada por entenderem que sua aplicação só se mostrava viável em caso de acordo entre o casal. Como a ideia não vingara a contento, a Presidência da República sancionou, em 22 de dezembro de 2014, a Lei 13.058. Além de estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada”, passou a fixar essa modalidade como regra geral após as separações judiciais. Era um espécie de ‘‘correção de rumos’’.

Quatro dias depois de sancionada a lei, Conrado enviava para a Editora Saraiva o seu mais recente livro, Nova Lei da Guarda Compartilhada. Para o autor da obra, a nova legislação trouxe aos profissionais do Direito, do Serviço Social e da Psicologia a necessidade de uma releitura em relação à noção da guarda compartilhada em si e também um novo estudo do instituto do poder familiar, do direito de convivência e acerca do pagamento de pensão alimentícia.

Também professor universitário, ele é doutorando em Serviço Social pela PUC-RS e mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), com defesa na Universitá Degli Studi di Napoli Federico II, na Itália. Coordenador da Pós-Graduação em Direito de Família Contemporâneo e Mediação da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Fadergs), leciona na Uniritter e em cursos de pós-graduação de Santa Catarina, Goiás, Minas Gerais e São Paulo. É autor de outras quatro obras sobre Direito de Família.

Leia a entrevista:

ConJur – Como surgiu o instituto da guarda compartilhada em nosso ordenamento jurídico? Já existia na jurisprudência?            
Conrado Paulino da Rosa
– Sim, desde 2002 já existia jurisprudência no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre a guarda compartilhada. A corte, aliás, foi pioneira em decisões sobre o tema. O instituto foi contemplado no Legislativo a partir de 2008, com a promulgação da Lei 11.698. Esta lei alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil de 2002, que previam um modelo, apenas, de guarda — a guarda unilateral. Em 2008, com a nova redação, a guarda passou a ser unilateral ou compartilhada.

ConJur — E por que o legislador editou a Lei 13.058, em dezembro de 2014?    
Conrado Paulino da Rosa
– É que, até então, a chamada ‘‘lei da guarda compartilhada’’ vinha sendo compreendida e aplicada de forma equivocada. Para colocar as coisas em ordem, veio a Lei 13.058, que explicita o que vem a ser a guarda compartilhada como bem jurídico. De 2008 para cá, até a promulgação da nova lei, a guarda compartilhada era aplicada sempre que possível. A partir de agora, é regra geral. Ela passa a existir a partir do desfazimento de uma união – casamento legalizado ou união estável. Os dois continuavam na titularidade do poder familiar, mas, com a atribuição da guarda unilateral, um dos pais acabava alijado da gestão dos interesses do filho. Agora, na separação, a regra é o compartilhamento desta gestão – que não mais será exercida de forma unilateral. Até dezembro de 2014, tal não ocorria na prática.

ConJur – Em termos práticos, como vai funcionar a novidade?
Conrado Paulino da Rosa
– O parágrafo 3º do artigo 1.584 diz que o juiz e o promotor de Justiça vão se socorrer da equipe interdisciplinar do foro. É essa equipe que irá auxiliar o juízo, tanto por meio de uma perícia ou por mediação do conflito – como prevê o novíssimo Código de Processo Civil (CPC). Em síntese, a resposta, originalmente, não parte do Direito. A resposta tem de surgir da Psicologia e do Serviço Social, que integram a equipe interdisciplinar, que vai, por meio de suas ferramentas, verificar qual o melhor modelo. Com a atribuição da guarda compartilhada, será fixada a base de residência da criança e do adolescente. Isso é essencial para se estabelecer um regime de convivência. E, é claro, para decidir quem irá pagar alimentos, porque a guarda compartilhada não impede a fixação de pensão alimentícia.

ConJur – Isso significa, na prática, que ambos os pais podem fiscalizar os estudos do filho, por exemplo?
Conrado Paulino da Rosa
– Esta  é outra novidade. Em 2009, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBE) foi modificada no artigo 12, inciso VII, para permitir que ambos os genitores – possuindo ou não a guarda – tivessem direito a informações escolares dos filhos. Justamente para permitir a participação conjunta na sua educação.

ConJur – Existia mesmo confusão entre guarda compartilhada e alternada, não é?  
Conrado Paulino da Rosa
– Claro, era patente. E foi isso que me motivou a escrever este livro. Quando o projeto de lei foi para sanção presidencial, automaticamente, cancelei diversos compromissos e me dedique a escrevê-lo, justamente com medo de que a nova lei acabasse não trazendo as transformações que dela se esperava. Ou seja, era preciso fazer a exegese da lei, para sua melhor compreensão e aceitação.

ConJur –  Juridicamente, existe guarda alternada?                        
Conrado Paulino da Rosa
– No Brasil, sequer tem possibilidade jurídica de ser aplicada. O rol é taxativo no caput do artigo 1.583: a guarda é unilateral ou compartilhada. Não fala em alternada. Alternância de guarda seria o filho passar tempo estanque com um ou com outro genitor. Por exemplo: 15 dias com um, 15 com o outro. É o que costumamos chamar de ‘‘filho-mochilinha’’, que fica alternando sua residência. O pior não é a alternância, é a questão do poder de decisão. Este poder é exercido unicamente pelo que detém a guarda do filho naquele lapso de tempo. Isso gera muitos problemas para a prole, é claro. Hipótese: o pai, nos seus 15 dias de guarda, resolve matricular a criança em um curso de Inglês; a mãe, no seu período, o coloca no Espanhol. E agora? Quem sofre é o filho…

ConJur –  E nos outros países, como funciona?
Conrado Paulino da Rosa
– A maioria dos países que adotou a guarda alternada acabou voltando atrás, justamente porque não é boa para a criança. No Brasil, infelizmente, as pessoas continuam fazendo esta confusão. Aqui, o regime de guarda é diferente do tempo de convívio –; logo, são institutos distintos. Guarda é modo de gestão. Tempo de convívio – que antes era conhecido como tempo de convivência – era tratado como um direito de visitas. Ou seja, são fundamentados em pontos diferentes do Código Civil.

ConJur – Quer dizer que a lei que surge em 2014 exige, para sua plena eficácia, esclarecimentos adicionais, para não acontecer estes equívocos relatados? 
Conrado Paulino da Rosa
– Exatamente. Era a oportunidade para fazer estes esclarecimentos, porque o compartilhamento, como regra geral, muda o pressuposto, muda o comportamento das pessoas. Com a legislação de 2008, a guarda compartilhada já podia ser aplicada, mas isso não ocorria. A gente explicava, mas uma das partes, geralmente, contestava: ‘‘ah, muito bonito, mas comigo não funciona; tem que ser a unilateral’’. Os tribunais entendiam, por isso, que sua aplicação era recomendada em caso de acordo. Era a interpretação da época. Ora, numa circunstância de ruptura do casamento, os cônjuges não têm um agir colaborativo. Como existe muita mágoa, é comum que o filho seja usado como instrumento de batalha, porque ambos não vão ao juízo querendo paz, na maior parte das vezes. Então, a guarda acabava sendo utilizada como um troféu. A expressão ‘‘ganhar a guarda do filho’’ já encerra uma hierarquia entre os genitores, na cabeça da criança. Se um ganhou, automaticamente, o outro perdeu. E o espaço da parentalidade não admite hierarquia. Os dois pais têm o seu significado e o seu espaço. Então, com a alteração legislativa de dezembro, as crianças só têm a ganhar. O novo parágrafo 2º. do artigo 1.584 diz que a guarda só não será compartilhada caso um dos genitores não tenha interesse ou for comprovado que não oferece condições de exercer o poder familiar. Então, a gente passa a ter um novo momento, para as crianças e para os pais, nestes casos de ruptura do casamento ou da união estável.

ConJur – A convivência irá melhorar? Qual sua percepção?
Conrado Paulino da Rosa
– Os críticos costumam dizer que, se as pessoas não conseguem chegar a um consenso sobre o melhor modelo de guarda, a imposição da guarda compartilhada poderia ser um fenômeno catalisador do conflito. Eu entendo que a guarda unilateral também potencializa o conflito.

ConJur – E como fica a fiscalização? 
Conrado Paulino da Rosa
– A lei também inovou no item fiscalização. O parágrafo 5º. do artigo 1.583 abre possibilidade para uma ação de prestação de contas em alimentos. Embora expressamente a alteração tenham previsto essa possibilidade, em minha opinião, em qualquer modalidade de guarda ela poderá ser utilizada. Antes, a jurisprudência majoritária não permitia. É por estas e outra razões que esta lei tem sido chamada de ‘‘lei da igualdade parental’’. A ideia, agora, é nós termos uma co-responsabilidade com o filho, e não mais um exercício unilateral – e muitas vezes egoísta – da guarda. Ou seja, vamos acabar com a chamada ‘‘tirania do guardião’’, pois os pais continuam sendo responsáveis solidários pelos filhos por ocasião da dissolução da união. Trata-se de instrumento eficaz para evitar a alienação parental.

ConJur – Havendo litígio entre o casal, o laudo da equipe multidisciplinar será obrigatório, para decidir com quem vai ficar a criança?
Conrado Paulino da Rosa
– Isso passa, cada vez, mais a ser essencial. Ao contrário do que muitos imaginam, não vai ter a pergunta direta, para a criança, sobre com quem gostaria de ficar. Agora, os profissionais, por meio de sua ‘‘escuta qualificada’’, é que trarão subsídios para o juiz e para o promotor. Ou seja, este trabalho interdisciplinar vai deixar claro qual das casas tem a melhor base de residência. E qual o melhor modo de convivência com o outro genitor. Aliás, segundo o parágrafo 2º. do artigo 1.583, a ‘‘convivência deve ser equilibrada’’. É um novo termo trazido pela lei. E ‘‘equilíbrio’’ não quer dizer divisão. Quer dizer que, de acordo com o caso concreto, deve-se permitir o contato com ambos os genitores. Na experiência atual, os juízes acabam atribuindo um regime de convivência apenas em finais de semana alternados. Enfim, a ideia da nova lei é evitar a situação de ‘‘pais de final de semana’’. No nosso escritório, temos registros de decisões, regulamentadas em juízo, que obrigam os pais a se relacionar com os filhos pelo Skype. É uma nova realidade se abrindo no Direito de Família. 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!