Legislação vigente

Permitir atuação de bancas estrangeiras ultrapassa limites normativos

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16 de abril de 2015, 9h39

Lá se vão quatro anos em que o voto que proferi na 4ª Câmara Recursal da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), integralmente ratificado pelo Conselho Federal em 2012, regulamentou a atuação dos escritórios estrangeiros no Brasil. Questão muito debatida à época, merece ser retomada.

Inicialmente é importante destacar que ninguém, muito menos a Ordem dos Advogados do Brasil — pelo menos foi nesse sentido o voto aprovado por sua Quarta Câmara Recursal — manifestou-se de forma contrária ao exercício da advocacia por estrangeiros: o exercício da advocacia é livre a todos aqueles, brasileiros ou estrangeiros, que, entre outros requisitos, possuam diploma ou certidão de graduação em direito, obtido ou revalidado em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada no Brasil, e, principalmente, sejam aprovados em Exame de Ordem.

Já aqueles que, apesar de autorizados a advogar em outro país, optarem por não revalidar o diploma no Brasil nem submeter-se a Exame de Ordem, poderão exercer tão somente consultoria no direito de seu país. Trata-se de função limitada, inclusive pela matéria, que impede o consultor de advogar no território nacional e, por consequência, de associar-se aos escritórios locais.

Este entendimento é decorrente de imposição legal que, por isso, não pode ser sobrepujado sob qualquer aspecto.

Desde a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, a advocacia deixou “de ser profissão exclusivamente privada e exercida com a mais ampla e irrestrita liberdade, para tornar-se regulamentada, selecionada, fiscalizada e disciplinada, funções essas delegadas pelo poder público à própria classe[1].

Criou-se, a partir de então, mecanismos de controle para evitar que pessoas não habilitadas pratiquem atos que exigem conhecimento técnico e, consequentemente, para “coibir o abuso de certas pessoas, ludibriando inocentes que acreditam estar diante de profissionais habilitados, quando, na realidade, trata-se de uma simulação de atividade laborativa especializada[2].

Tais mecanismos de controle, que não se limitam a avaliar a capacidade técnica daquele que pretende ser advogado, buscam, acima disto, manter vivos os preceitos fundamentais que regem a advocacia nacional.

Entre tais preceitos destaca-se a latente preocupação de impedir a mercantilização da advocacia, consistente na busca de lucro desmedido e desenfreado, em detrimento da lisura e ética que, ainda hoje, devem nortear as atividades do advogado. Toma corpo tal preocupação em virtude da possibilidade de se permitir, em território estrangeiro, que escritórios de advocacia tenham por sócios quem sequer está legalmente habilitado a advogar. Sócios capitalistas, que certamente integram a sociedade só para lucrar. Sócios que visam apenas os resultados financeiros, pouco se importando com os resultados jurídicos. Não é esse o escopo de nossa advocacia que, acima de tudo, deve manter sua independência.

Permitir o ingresso e atuação de bancas estrangeiras no Brasil, ainda que por associação a advogados e escritórios nacionais, ultrapassa os limites normativos, além de fazer surgir nova categoria de sociedade de advogados que, por estar sediada fora de nosso país, não se submeteria direta e integralmente à fiscalização e disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. Isto, sob qualquer aspecto, implicaria abrir uma porta ao descontrole e tornar-se permissivo — para não dizer conivente — com eventuais abusos praticados por aqueles que desconhecem a legislação pátria ou, pior, com ela não se importam.

Vários argumentos podem ser colacionados para demonstrar os malefícios da atuação das bancas estrangeiras em território nacional. Outros tantos, em sentido oposto, convencem de que o ingresso de tais bancas é benéfico. Todos, de cunho filosófico, seduzem os mais diversos leitores, que se filiam a uma das duas correntes.

É certo que a modernização e globalização trazem incontáveis benefícios nos mais diversos setores da economia. Tais fenômenos porém, especialmente no Estado Democrático de Direito, também encontram contornos no império da lei, que obriga a todos de igual forma.

Por isso, a par de toda discussão sobre as consequências do ingresso e atuação de sociedades estrangeiras em nosso país, enveredo pelos ditames estabelecidos pela Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil), no sentido de que somente os advogados, assim entendidos aqueles regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, podem exercer atividades de advocacia e integrar sociedade para esta destinação, pois enquanto a legislação vigente exigir, para o graduado no exterior, revalidação do diploma e prévia aprovação em exame de ordem, o estrangeiro, que tenha interesse em  se tornar advogado no Brasil — e associar-se a uma banca nacional — deverá, antes de mais nada, submeter-se à norma imperativa, até por força do princípio constitucional da igualdade, para que não se imponha requisitos mais severos àqueles que cursaram direito no Brasil.

[1] SODRÉ, Ruy de Azevedo. Op. cit., p. 282.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 47.

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